[Editada por: Marcelo Negreiros]
A proibição do uso de celulares durante o julgamento de um caso específico no Supremo Tribunal Federal (STF) foi tratada como medida pontual. Mas o que parece exceção pode virar precedente. E onde há precedentes, há riscos. Há limites que, quando ultrapassados, deixam de ser apenas decisões pontuais — tornam-se sinais perigosos de erosão democrática.
A decisão recente de lacrar os aparelhos de todos os presentes, inclusive advogados de defesa, na sessão do chamado “núcleo 2” do julgamento de atos antidemocráticos acendeu um sinal de alerta para a advocacia brasileira. Não se trata de contestar a gravidade do caso em si, mas de lembrar que nenhum processo, por mais sensível que seja, está acima da Constituição.
O que se vê, nesse episódio, é mais do que uma medida isolada: é a manifestação de uma lógica de contenção que precisa ser enfrentada. Afinal, decisões que afetam garantias fundamentais não podem ser normalizadas — especialmente quando violam prerrogativas que sustentam o próprio funcionamento da Justiça.
A advocacia não atua no vácuo. O celular não é acessório — é ferramenta essencial de trabalho. É nele que estão agendas, documentos, contatos de clientes, registros de provas. Impedir seu uso é impedir o exercício pleno da profissão, é bloquear a comunicação legítima e necessária entre o advogado e o jurisdicionado.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já apresentou manifestação firme sobre o caso, reafirmando que a medida não deve ser reproduzida nas demais sessões. Mais do que isso: é preciso estar atento ao que ocorre em todas as instâncias do Judiciário, em cada cidade, em cada audiência, para que o modelo de justiça que estamos construindo no país seja claro, legítimo e constitucional. Um modelo em que as prerrogativas da advocacia, inclusive o uso do celular, sejam respeitadas como garantias institucionais, e não tratadas como concessões eventuais.
E, em resposta direta, o Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes reafirmaram que a exigência de lacração de celulares viola frontalmente o livre exercício da advocacia e os direitos da defesa. A entidade também orienta expressamente que advogados não aceitem a medida, por ausência de respaldo legal e por ferir o Estatuto da Advocacia. Se a imposição persistir, a recomendação é clara: não participar do ato e comunicar imediatamente à Ordem. A defesa das prerrogativas não comporta relativizações. Trata-se de dever institucional inegociável.
Quando se lacra um celular, lacra-se mais do que um aparelho: lacra-se o direito de defesa, a liberdade de informação, o acesso à estratégia jurídica. E isso, em um Estado Democrático de Direito, é inaceitável.
Não é a primeira vez que tentativas de silenciar ou limitar a atuação da advocacia aparecem travestidas de organização ou segurança. Já enfrentamos tentativas de eliminar a sustentação oral. Já denunciamos o afastamento de juízes de suas comarcas. Já defendemos que a repetição de ações é, muitas vezes, o eco de direitos negados — e não abuso.
Agora, mais uma vez, voltamos a erguer a voz. Porque não há Justiça sem advogados. Não há liberdade sem imprensa. E não há democracia onde se cala quem defende o direito. A advocacia continuará vigilante. A OAB não se omitirá. A nossa resposta seguirá sendo o exercício firme da cidadania, da legalidade e da coragem. Porque, em tempos difíceis, é preciso lembrar o óbvio: a democracia não se lacra.
[Por: Estadão Conteúdo]
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