google.com, pub-4606529578615391, DIRECT, f08c47fec0942fa0

A informalidade mudou a visão eleitoral do brasileiro e desafia Lula

[Editada por: Marcelo Negreiros]

A relação entre capital e trabalho é fundamental para compreender a dinâmica da sociedade em qualquer espaço de tempo. Especialmente, a partir da Revolução Industrial, diversos conceitos da Era Moderna que se arrastam até a contemporaneidade foram definidos e desenhados sob a perspectiva de como a população se confronta com as necessidades laborais, os meios pelas quais consegue produzir e a destinação de seu lucro.

Conseguir um emprego com os direitos trabalhistas que foram sendo aperfeiçoados com o passar dos anos e viver com segurança e estabilidade foi o sonho de diversas gerações do século XX. Conceitos de propriedade e o sonho da casa própria permeavam os desejos mais primários de quem iniciava sua trajetória profissional.

O pós-guerra incutiu a premissa do Estado do bem-estar social e as principais nações do mundo Ocidental percorreram esse caminho, na ideia de um Estado que pudesse arrecadar impostos e devolve-los sob forma de serviços públicos, permitindo que o cidadão não se preocupasse com as necessidades básicas e pudesse desfrutar do seu recurso extra para o lazer, seja ele da forma que for.

Com sua formação sindical, a matriz de pensamento dos formuladores de políticas públicas do governo Lula está presa na relação capital-trabalho do século anterior.  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Com a derrubada do Muro de Berlim e a vitória do capitalismo no mundo, a sociedade da Globalização foi tomada pela Era da Conexão e do Conhecimento. O globo foi acelerando para encurtar tempo, seja de novas ideias, produtos ou mesmo necessidades. O dinheiro, em um tempo de grande especulação, vem se tornando cada vez mais meio e menos fim. As pessoas querem acesso imediato e não a construção de grandes jornadas para o futuro.

Ter o novo Iphone, o tênis mais moderno da Nike que é utilizado por um jogador de basquete famoso, beber o uísque que o influenciador brindou quando comprou sua Ferrari, viraram obsessões presentes em todas as classes sociais, porque hoje já não há mais distinção no acesso a essas informações, com o digital fazendo democraticamente todo mundo atingir os mesmos dados.

O capitalismo venceu o socialismo sobretudo pelo conceito de desejo. As pessoas são diferentes, querem coisas diferentes e a liberdade de escolher o que querem e não serem tuteladas por um Estado é algo que parece óbvio, mas que é recente para o mundo.

Esse dinamismo econômico aliado a um conceito de liberdade intangível para as relações entre empregador e empregado, as ferramentas tecnológicas advindas de novas plataformas digitais, além de uma redução drástica na participação da indústria no PIB global com a ascensão dos serviços, têm criado novas necessidades, sobretudo aos mais pobres, que se escoravam na lógica da formalidade, como uma reserva de segurança para a vida. No Brasil, 40% da população ocupada vive na informalidade, que somada aos profissionais liberais, já compõem a grande massa do setor produtivo do País. Ou seja, a imensa maioria da população brasileira não tem mais a segurança dos direitos trabalhistas ou a garantia de um salário no final do mês.

Essa inversão sistêmica trouxe à tona uma outra realidade: empreender deixou de ser um esporte para ricos e virou item de necessidade básica. Dados oficiais brasileiros, que já se mostram defasados, apontavam que já em 2022, 62% dos informais no Brasil eram pessoas negras, que ao cruzarmos com os índices de desenvolvimento, são justamente aqueles que vivem nas camadas mais baixas da pirâmide social.

Após as crises econômicas de 2015 e 2016, em que as taxas de desemprego saltaram consideravelmente no Brasil, a pandemia da covid-19 e o surgimento do PIX, a informalidade ganhou ainda mais importância na vida produtiva do brasileiro. Sem acesso ao emprego com carteira assinada, muitos partiram para as terceirizações ou buscaram se arriscar na compra e venda de produtos, utilizando das plataformas online para se conectarem com potenciais clientes.

Os empregadores com dificuldade competitiva, em função da alta carga tributária do país, também optaram por informalizar suas relações, que tiveram algum respaldo com a reforma trabalhista coordenada pelo governo Temer, muito necessária à época para buscar reorganizar a relação capital-trabalho, após a quebra econômica do governo Dilma Rousseff. As transações em PIX trouxeram instantaneidade e segurança nos negócios, além de serem propícias para sonegações, já que a rastreabilidade se tornou menos engessada como era com as TEDs ou DOCs.

Nessa nova configuração, o brasileiro tem mudado sua perspectiva sobre o Estado. Com a agilidade nas relações interpessoais, menos burocracias, impostos e necessidades de cumprimento de horas de trabalho, além da dinamização de atividades, já que uma pessoa faz por vezes mais que três funções para composição de sua renda, o cidadão tem pedido, do ponto de vista econômico, um estado cada vez mais indutor e menos provedor. O ambiente econômico, discussão antes restrita aos escritórios da Faria Lima, virou tema de bar e o trabalhador quer um governo que não o atrapalhe, mas sim que permita maior fluidez do mercado.

A pauta de aumento de salário mínimo, por exemplo, para a maioria da população deixou de ser benefício direto, para virar indireto. Querem as pessoas com mais dinheiro no bolso para que possam consumir mais. Nesse sentido, o preço dos alimentos e dos serviços básicos são vilões para os informais, que além de serem penalizados diretamente, já que são também consumidores, são duplamente atacados, com os formais não sobrando dinheiro para utilizar de seus serviços.

O presidente Lula e seu partido, o PT, que carrega o nome de representante dos trabalhadores ainda não conseguiram se atualizar para ser porta voz desse novo trabalhador. Com sua formação sindical, a matriz de pensamento dos formuladores de políticas públicas do governo está presa na relação capital-trabalho do século anterior. A mudança de quando Lula subiu a rampa do Planalto pela primeira vez para essa é gritante. É um novo mundo, com demandas muito distintas daquelas, mas com um objetivo igual, o de se ter renda para as famílias. O problema todo nessa equação e que não se chega num resultado esperado é que as técnicas pensadas não coadunam com as fórmulas exigidas para esse novo tempo.

Quando o governo anuncia empréstimo do FGTS como uma solução para o endividamento das famílias, parece não se lembrar que quem tem FGTS, hoje, é a minoria empregada formalmente e que tem uma situação financeira mais equilibrada do que os informais. Ao lançar a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais, parece não enxergar as manobras que esses informais já fazem para não terem que declarar o imposto, tornado a medida inócua.

O problema é que a oposição também não apresenta soluções para esse novo mundo, deixando a discussão sobre o Brasil sempre em um plano inferior, tendo nas diferenças pessoais dos postulantes o grande ponto comparativo. A construção de um ambiente econômico propício para investimentos e fluidez econômica está longe de ter coloração ideológica. No México, país com características muito semelhantes às do Brasil, Claudia Sheinbaum, presidente eleita pelo MORENA, de esquerda, tem aprovação recorde da população, mesmo com o crescimento lento do PIB nacional. No entanto, a constância desse crescimento desde o governo Lopez Obrador e a mistura entre políticas sociais efetivas como o Prospera, uma espécie de Bolsa Família de lá, e um ambiente de atração de novos polos de desenvolvimento, com investimentos infraestruturais, que mudam realidades locais e trazem progresso para os moradores, fazem com que o resultado do PIB seja apenas numérico, mas a condição de vida das pessoas seja impactada.

Olhar para essa realidade atual é mais do que obrigatório para que o governo Lula consiga enxergar alguma luz no final do túnel, em um momento de alta rejeição popular e com o brasileiro sem perspectiva sobre seu futuro, agonizando num presente pouco alvissareiro. O ensinamento de Karl Marx, teórico do socialismo-científico, que disse: “o que distingue uma época econômica de outra, é menos o que se produziu do que a forma de o produzir”, deveria sair dos livros que ajudaram na formação do petismo e serem adotados na prática, para que compreendam que ao estarem à frente das tomadas de decisão sobre os rumos do País, precisam estar minimamente conectados com o que é imperativo dessa nova época econômica.

[Por: Estadão Conteúdo]

Source link


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente a matéria:

Rolar para cima