De dia de luta a festa estatal: como Vargas transformou o 1º de Maio no “Dia do Trabalho”

O Primeiro de Maio, mundialmente reconhecido como o Dia Internacional dos Trabalhadores, nasceu da luta operária por direitos, marcada por uma greve histórica em 1886 em Chicago (EUA), que exigia jornadas de trabalho de 8 horas. Ao longo do tempo, no entanto, a data foi ressignificada em diversos países — e no Brasil, passou por uma mudança simbólica decisiva durante o governo de Getúlio Vargas.

Apesar de ter sido oficializado como feriado nacional em 1924, sob a gestão de Artur Bernardes, o Primeiro de Maio só ganhou maior relevância popular com Vargas, que não alterou a lei original, mas mudou o sentido da data: de um dia de protesto, passou a ser um evento de celebração estatal — do “trabalho” e não necessariamente do “trabalhador”.

“A manifestação dos trabalhadores por direitos foi convertida em uma festa cívica, promovida pelo Estado, exaltando o trabalho como um valor central do regime”, explica o historiador Claudio Bertolli Filho, da Unesp. Segundo ele, essa mudança refletia o caráter autoritário e populista do Estado varguista, que buscava cooptar os trabalhadores e neutralizar movimentos anarquistas e socialistas crescentes no país.

Com Vargas, o Estado assumiu o protagonismo das comemorações. A celebração do Primeiro de Maio se tornou um espetáculo institucionalizado, muitas vezes marcado pelo anúncio do valor do salário mínimo — uma dádiva do governo, não uma conquista negociada por sindicatos.

Essa transformação não se deu por acaso. A década de 1930 foi marcada pela criação do Ministério do Trabalho, pela legalização de sindicatos (subordinados ao Estado) e, sobretudo, pela promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, também em um Primeiro de Maio. O governo Vargas buscava moldar o trabalhador ideal para o projeto nacional-industrial em curso, domesticando os movimentos autônomos que vinham das décadas anteriores.

A primeira grande greve geral brasileira, em 1917, foi organizada por movimentos anarquistas e socialistas, que defendiam a emancipação da classe trabalhadora. Mas com a repressão e o controle sindical exercido por Vargas, essa autonomia foi suprimida, e a data passou a ser marcada por desfiles, shows e comemorações chapa-branca.

Historiadores como Marcelo Cheche Galves, da Universidade Estadual do Maranhão, apontam que a estratégia varguista foi eficaz: “Ele esvaziou o significado político do dia, transformando-o em um instrumento de propaganda e controle social”.

Nas décadas seguintes, o Primeiro de Maio no Brasil foi gradualmente se distanciando de suas raízes políticas. Sob governos mais recentes, inclusive democráticos, a data muitas vezes assumiu um caráter de evento popular ou de lazer, com sorteios de prêmios e atrações musicais — um reflexo do processo de despolitização iniciado por Vargas.

O historiador Marco Antonio Villa resume: “Getúlio Vargas transformou o Primeiro de Maio em uma cerimônia do Estado, institucionalizada, vinculando o trabalhador ao governo. Ao fazer isso, enfraqueceu o caráter reivindicatório da data”.

Hoje, o 1º de Maio no Brasil pouco lembra suas origens ligadas à luta de classes. Como observa Galves, tornou-se, para muitos, apenas mais um feriado de descanso, não um dia de mobilização política.

mnegreiros.com


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente a matéria:

Rolar para cima