[Editada por: Marcelo Negreiros]
O que os dados revelam sobre o histórico dos descontos do INSS – e das arrecadações suspeitas
Crédito: Larissa Burchard/Estadão
BRASÍLIA – Diálogos obtidos pela Polícia Federal mostram como ocorriam as ordens de pagamento de propina da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais (Conafer) para o ex-presidente do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Alessandro Stefanutto, preso na semana passada.
Alessandro Stefanutto (ex-presidente do INSS) em sessão da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito ( CPI do INSS) Foto: Wilton Junior / Estadão
De acordo com a PF, esses pagamentos eram feitos para manter um acordo de cooperação técnica que permitia o desconto irregular de aposentadorias do INSS e desvios desses recursos.
As conversas, obtidas pelo Estadão, mostram que o presidente da Conafer, Carlos Lopes, dava as ordens para o operador financeiro da entidade, Cícero Marcelino, sobre esses pagamentos. Os dois foram alvo de prisão na semana passada, mas Lopes até o momento está foragido. Marcelino foi preso pela PF.
Procuradas, as defesas de Stefanutto e Lopes não se manifestaram. Anteriormente, os advogados do ex-presidente do INSS negaram seu envolvimento com irregularidades e classificaram a prisão de “ilegal”. Em nota divulgada na segunda-feira, 17, a Conafer negou envolvimento com irregularidades.
A PF sustenta que a Conafer tinha planilhas de pagamentos de propina a diretores do INSS.
Em setembro de 2022, Carlos Lopes enviou a Marcelino o número de telefone de Stefanutto. No contato, constava o seu apelido: “Italiano”. Na época, ele ainda não era presidente do órgão, mas atuava como procurador.
Após enviar o contato, Lopes mandou uma mensagem de áudio com as orientações. “Cícero, faz contato com esse procurador aí. Ele é de São Paulo também. Era pra gente levar aquela encomenda de 100. Aí você vai levar só 50. Combina com ele aí”, afirmou. Dois dias depois, Carlos Lopes envia nova mensagem perguntando: “Você tá levando aqueles 50 do italiano lá, né?”, afirmou, de acordo com a transcrição juntada pela PF aos autos.
De acordo com a Polícia Federal, a contabilidade interna da Conafer corrobora as movimentações financeiras de pagamentos de propina às siglas citadas nos diálogos.
Em outubro de 2022, Carlos Lopes envia nova ordem a Cícero Marcelino. “Só paga o italiano”.
A PF cruzou os dados que constam nos diálogos com repasses para empresas que, de acordo com a investigação, seriam ligadas ao ex-presidente do INSS. “No dia 10/04/2023, por exemplo, Cícero presta consta a Carlos indicando que o Italiano recebeu R$50mil. Nos arquivos localizados no celular de Cícero, identificou-se extrato de uma transferência beneficiando o escritório Stelo Advogados e Associados, neste mesmo dia, com o mesmo valor”, diz trecho da investigação.
Após Stefanutto ter assumido a presidência do INSS, em julho de 2023, os pagamentos a ele aumentaram para o valor mensal de R$ 250 mil, segundo a PF.
“A importância estratégica de Alessandro Stefanutto para a Organização Criminosa cresceu exponencialmente com sua ascensão. Após ser nomeado Presidente do INSS, seus pagamentos mensais foram aumentados, alcançando a cifra de R$ 250.000,00 mensais. Essa valorização da propina leva ao entendimento de que os valores eram diretamente proporcionais ao poder hierárquico do agente em blindar o esquema de descontos indevidos”, diz trecho da investigação.
Os diálogos mostram que, a cada mês, Cícero Marcelino enviava as tabelas com prestação de contas a Carlos Lopes. De fevereiro a agosto de 2024, por exemplo, a tabela reproduzia o codinome “Italiano” ao lado do valor R$ 250 mil. Em setembro de 2024, o valor foi de R$ 450 mil.
Ao analisar os pagamentos das contas operadas por Cícero Marcelino, a PF identificou quais empresas seriam usadas por Stefanutto para receber os pagamentos. Dentre elas havia, por exemplo, uma pizzaria.
“Foi possível observar que as empresas do operador financeiro Cícero tinham débitos exatamente nas mesmas datas e com valores idênticos. Assim, identificaram-se as empresas e pessoas interpostas que era usadas para recebimento dos valores indevidos por Stefanutto (e os outros agentes públicos)”, diz a PF.
Procurada na noite de segunda-feira, 17, a defesa de Stefanutto não se manifestou. Quando ele foi preso, os advogados negaram seu envolvimento com irregularidades.
“É igualmente falsa a tese de que Stefanutto teria atuado como ‘facilitador institucional’. Sua carreira no serviço público demonstra exatamente o oposto: rigor técnico, respeito à legislação e absoluto compromisso com o interesse público. Sobre o parecer que fundamentou o Acordo de Cooperação Técnica com a Conafer, a defesa lembra que o ato foi estritamente técnico, emitido com base na legislação vigente à época, exatamente como exige o cargo que exercia. A prisão de Stefanutto é injusta e causa profunda preocupação, sobretudo porque ele sempre colaborou integralmente com as autoridades. Mesmo assim, vê sua honra e reputação sendo expostas a versões fantasiosas que não resistem à mínima análise séria”, afirmou a defesa.
Procurada, a defesa de Carlos Lopes e Cícero Marcelino não se manifestou.
Em nota, a Conafer negou o envolvimento com irregularidades. “A entidade reafirma que, desde o início das investigações, sempre se colocou à disposição para fornecer informações, documentos e esclarecimentos que se façam necessários, mantendo postura institucional de respeito absoluto às normas legais e às instituições responsáveis pela condução do processo. A Conafer manifesta, ainda, seu repúdio à forma sensacionalista com que parte da imprensa tem tratado o tema, distorcendo fatos, antecipando juízos e buscando criar narrativas que não condizem com a verdade, alimentando um ambiente de especulação que apenas prejudica a opinião pública e compromete a lisura do debate” disse.
[Por: Estadão Conteúdo]
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