
Em tempos antigos, os imperadores romanos garantiam a paz social oferecendo ao povo duas coisas: pão e circo. O alimento básico e o entretenimento espetaculoso eram suficientes para manter a população em silêncio, alheia à corrupção e ao abandono. Séculos depois, em pleno sertão paraibano, a história se repete como tragédia disfarçada de festa.
A gestão do prefeito Nabor Wanderley, em Patos, é o retrato contemporâneo dessa prática. Com a cidade oficialmente em estado de calamidade devido à seca que castiga suas comunidades urbanas e rurais, era de se esperar prioridade total em ações emergenciais: perfuração de poços, distribuição de água potável, suporte aos pequenos criadores. Mas não. O que se vê é uma explosão de investimentos nos festejos juninos — shows milionários, estrutura faraônica, camarotes lotados — e nenhuma transparência sobre como o município está enfrentando a crise hídrica.
É legítimo valorizar a cultura e movimentar a economia com grandes eventos, mas não se pode festejar com os cofres públicos abarrotados enquanto famílias padecem com sede e miséria. É uma questão de prioridade, de empatia e de responsabilidade. Qual o sentido de tanto dinheiro para o São João se falta água nas torneiras e alimento na mesa? A resposta não vem — porque a lógica não é técnica, é política.
A decretação do estado de emergência abre caminho para que recursos federais entrem em Patos sem entraves burocráticos. E o que se faz com esse dinheiro? Onde estão os planos de enfrentamento à estiagem? Quais comunidades foram contempladas com ações concretas? A prefeitura silencia, enquanto a população é embalada por forró e fogos — e permanece em silêncio, submissa, hipnotizada pelo espetáculo.
O mais grave, porém, é que essa política de anestesia coletiva não é nova. Ela se perpetua por anos, sustentada por uma oligarquia política que se revezou no poder, mantendo privilégios entre os mesmos sobrenomes. Enquanto isso, a cidade cresce com desigualdade, a zona rural se desertifica, e as soluções não passam de promessas eleitorais recicladas.
É preciso romper esse ciclo. É preciso resgatar o senso crítico e exigir prestação de contas. Patos não pode se contentar em ser um palco bonito para turistas enquanto sua população clama por dignidade. Festa sem políticas públicas é enganação. Cultura sem compromisso com a vida é cortina de fumaça.
Este editorial não é contra o São João. É a favor do povo. A favor da coerência. A favor de uma cidade que precisa celebrar, sim — mas depois que tiver água, comida e dignidade para todos.
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