Uma reportagem do Estadão revelou que empresas com causas milionárias em litígio com o judiciário brasileiro patrocinaram eventos luxuosos para magistrados, incluindo shows exclusivos com artistas famosos, aluguel de lanchas com espumante de brinde, jantares em cassinos, baladas e coquetéis em hotéis cinco estrelas. Segundo a investigação, os patrocinadores estão envolvidos em até 30 grandes processos levantados no último ano, que têm patrocinadores como partes nos autos ou declaradamente interessados nos julgamentos. A prática, que levanta questões éticas e pode ser considerada uma infração disciplinar, tem causado tensão no meio jurídico.
=== Essas empresas têm causas que somam R$ 158 milhões à espera da decisão dos julgadores que participam desses eventos===
De acordo com a reportagem, alguns patrocinadores de eventos luxuosos para magistrados estão entre os maiores litigantes do país, com causas que somam pelo menos R$ 158,4 milhões em multas, indenizações e dívidas bancárias. O Congresso da Associação dos Magistrados do Brasil, que contou com a presença de 27 juízes, desembargadores e ministros de tribunais, além de hospedagem cinco estrelas e show para 2 mil pessoas, foi patrocinado pela Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab), entidade que teve um painel no evento para defender o rol taxativo da Agência Nacional de Saúde (ANS), assunto que estava em julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator da causa é o ministro Luís Felipe Salomão, que também coordenou o congresso e esteve no evento.
=== Opinião acadêmica ===
A reportagem ouviu professores de Direito da USP, Rafael Mafei e Conrado Hubner, que apontaram a incompatibilidade ética e possíveis infrações disciplinares na prática de patrocinar eventos para magistrados com interesses em julgamentos relacionados a litígios milionários. Hubner afirmou que deveria haver implicações legais e disciplinares para condutas incorretas, e criticou que regras éticas não pegam tração no Judiciário. Mafei destacou a preocupação com o acesso desigual ao magistrado e a oferta de uma viagem de luxo, apontando a necessidade de avaliar a diferença entre custear uma palestra e oferecer um presente caro para agradar os juízes.
O que eles disseram
Na matéria do Estadão, foram citados eventos realizados por entidades como o Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibajud), o Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (IBDE), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o Lide (Grupo de Líderes Empresariais) e a Anab (Associação Nacional de Hospitais Privados). O jornal questionou a origem dos recursos utilizados para patrocinar esses eventos e se houve alguma influência indevida sobre as decisões dos magistrados envolvidos.
Os ministros e juízes citados na reportagem não se manifestaram e nem responderam se arcaram com as despesas de viagem e hospedagem. O Ibajud, IBDE e Esfera Brasil também não se manifestaram. Já o STF alegou que a participação nos eventos foi em caráter acadêmico e sem nenhum gasto para a Corte, mas alguns ministros, como Rosa Weber e Edson Fachin, se recusam a comparecer a esses fóruns. A AMB afirmou que faz rigorosa seleção dos patrocinadores e que os patrocínios são destinados ao evento e não individualmente a magistrados, mas não respondeu se os associados arcaram com passagens e hotéis. O Lide disse que não efetua pagamentos de cachê a expositores e que os palestrantes viajaram a convite com o custeio de transporte e hospedagem. O TMA afirmou que não remunera palestrantes ou debatedores e que tem tratamento idêntico entre profissionais da área, sejam agentes públicos ou privados. Já a Anab explicou que patrocina, apoia e participa de eventos que tratam de temas sobre o segmento que representa, contribuindo para o debate do setor e o conhecimento de seus associados sobre melhores práticas e tendências.
A matéria do Estadão gerou um clima tenso no meio do judiciário brasileiro, levantando questionamentos sobre a relação entre magistrados e setores privados. As notas das entidades envolvidas tentaram esclarecer as dúvidas levantadas pela reportagem, mas o silêncio dos magistrados citados foi interpretado por alguns como uma postura pouco transparente. A discussão sobre a ética no judiciário e a necessidade de se evitar qualquer influência indevida na tomada de decisões continuará em pauta, e é papel da imprensa e da sociedade civil cobrar transparência e responsabilidade dos agentes públicos.
mnegreiros com informações de O Estadão
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