Energia certa, motivo errado — parte I

[Editado por: Marcelo Negreiros]

Recentemente, tivemos a notícia de que o Banco Mundial (BM) revogou a sua proibição ao financiamento de empreendimentos que visem à implantação de centrais de geração de eletricidade de matriz nuclear. Os recursos estiveram travados por décadas por causa dos movimentos ambientais. Entretanto, o desenvolvimento da sociedade do planeta necessita de mais energia, não permitindo que uma fonte riquíssima como essa possa permanecer ignorada para sempre.

É um ponto interessante, pois a revogação do BM ao financiamento de energia nuclear não veio apenas apoiado na crescente demanda global por eletricidade, incluindo a necessidade generalizada de desenvolvimento dos países mais pobres. Ela também vem se galgando no discurso climático, no qual o desenvolvimento tecnológico pode ser alcançado por essa forma de energia simplesmente porque ela atende aos quesitos de “baixas emissões” de CO2 ou os fantasiosos “gases de efeito-estufa”. É a decisão certa, mas pelo motivo errado! Contudo, o ponto nevrálgico envolve fatores geopolíticos de peso que vão muito mais além da fantasia climática.

Segundo matéria publicada no jornal britânico Financial Times, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, afirmou que a instituição voltaria a reentrar no ramo na energia nuclear, mas em parceria com a Agência Internacional de Energia Atômica (IEA, de International Atomic Energy Agency), órgão criado em 1957, cuja sede está localizada em Viena, capital da Áustria.

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Embora a IAEA seja autônoma, tem vínculos com a Organização das Nações Unidas (ONU), apresentando atualmente 171 Estados membros signatários. Sua principal função é exercer vigilância sobre os países detentores de tecnologias nucleares. Notoriamente, contudo, em impedir que eles alcancem o status de possuírem armas nucleares. “Missão” essa classificada como restrição à proliferação de armas nucleares.

Ações em favor da energia nuclear

Donald Trump, Salão Leste da Casa Branca, em Washington, D.C., EUA - 16/7/2025 | Foto: Umit Bektas/ReutersDonald Trump, Salão Leste da Casa Branca, em Washington, D.C., EUA - 16/7/2025 | Foto: Umit Bektas/Reuters
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é defensor de investimentos na área de geração de energia nuclear | Foto: Umit Bektas/Reuters

A mudança não veio do nada, pois logo que voltou ao poder, o presidente dos EUA, Donald Trump, garantiu que haveria uma reviravolta em vários setores de desenvolvimento, entre eles o energético. Como ele sempre se apresentou com uma posição política pró-nuclear e sabendo-se que os EUA são o maior acionista do Banco Mundial, não se esperaria algo diferente. Ademais, outras nações ocidentais pró-nucleares também instigavam o banco para que suprimisse a proibição de financiar projetos nucleares.

A posição do BM, na sombra dos EUA, não é simplesmente uma benesse para os países em desenvolvimento, mas também uma necessidade estratégica em um mundo que começa a se polarizar novamente. Torna-se imperativo que empresas do setor nuclear do Ocidente se fortaleçam frente à presença de grandes gigantes estatais nucleares da Rússia e da China, pois essas já começaram a construção de usinas em países em desenvolvimento.

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A Rosatom, empresa russa de base e infraestrutura do ramo nuclear, por exemplo, já constrói usinas em Bangladesh, país asiático com mais de 170 milhões de habitantes, e na Turquia, onde vivem cerca de 90 milhões de pessoas. Essa empresa não se limita a apenas instalação e construção, mas realiza pesquisa para avanços energéticos nucleares, um setor crucial para aperfeiçoamento da tecnologia.

Se o Ocidente continuar com a palhaçada ideológica disfarçada de compromisso ambiental terá que pagar uma conta enorme. Assim, como o setor teoricamente quase não produz CO2, nada mais conveniente que utilizar deste atributo para promovê-lo como “verde”, ou amigável ao clima (seja lá o que esta estupidez signifique). É preciso deixar de lado boa parte das rusgas ambientais mais clássicas, como o “perigo radioativo” ou o “onde depositar o lixo nuclear?”.

O avanço da ciência nuclear

Usina Nuclear Angra 1Usina Nuclear Angra 1
A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, no Brasil, é formada pelo conjunto das usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 | Foto: Rodrigo Soldon/Flickr

Aliás, falando disso, vale comentar o quanto, com o aperfeiçoamento da ciência nuclear e suas técnicas, o tal “lixo nuclear” passou a ser reciclado, fornecendo mais energia novamente até ser quase que completamente exaurido. Pois é, esse foi o resultado de anos de pesquisa sem parar, não se limitando por questões de discursos ambientalistas alucinados. Foi a ciência desenvolvendo soluções para um problema que sabiam que teria resultado porque em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, tal material segue guardado para futuras aplicações.

Neste ponto, muitos engenheiros e técnicos dos EUA lamentam que o falecido ex-presidente Jimmy Carter tenha optado por um programa nuclear onde a maior parte dos reatores não consiga trabalhar com o recomposto reciclado. A estimativa é que, só nos EUA, a reserva de material nuclear, antes considerado “lixo”, possa suprir a demanda elétrica nacional até a metade do século 22. É muita coisa para um país que consome quase um terço do que é produzido em energia no mundo! Lembremos que os norte-americanos possuem mais de 100 usinas em operação, sendo o maior parque nuclear no mundo. Eles necessitam ampliar sua capacidade de geração e aumentar a vida útil de várias de suas centrais.

Portanto, isso poderá vingar. O próprio presidente do BM declarou que a instituição apoiará os projetos que permitam estender a vida útil dos reatores existentes nos países que já tenham tais equipamentos. Também entrarão no escopo dos financiamentos os projetos de infraestrutura de base desta indústria, o que é muito necessário, além da modernização de redes coligadas.

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Ao que parece, os ventos da mudança também sopram na Alemanha. Sucessivos governos sempre se opuseram ao uso da energia atômica, opondo-se abertamente ao seu financiamento, especialmente por doutrinas políticas verdes e sua aversão à tecnologia. Tudo indica que a realidade tem pesado cada vez mais no país. Foram vários problemas seguidos como a perda do gás russo, o encarecimento geral da energia, o perigo da desindustrialização e o fantasma de apagões gerados por “energias verdes” e a sua dependência cada vez maior da malha de distribuição europeia.

Mudança de postura da Alemanha

Friedrich Merz fez aliança com os sociais democratas da Alemanha e conseguiu ser eleitoFriedrich Merz fez aliança com os sociais democratas da Alemanha e conseguiu ser eleito
Friedrich Merz é o atual chanceler alemão | Foto: Reprodução/ X

Curiosamente, a falta de apoio do BM aos projetos nucleares desde 1959 remete à oposição realizada pela própria Alemanha. Na época, o país dividido foi muito mais usado como uma articulista de oposição, visando a deter a proliferação de armas nucleares, o que fugia diretamente do propósito energético. A sua primeira usina só entrou em operação em 1969, com potência inferior a 1 mil MW no lado ocidental, a então República Federal da Alemanha.

Atualmente, o novo governo de Berlim, liderado pelo chanceler Friedrich Merz, abandonou a oposição do país à energia nuclear nas discussões da União Europeia (UE). Antes, as discussões sempre seguiam a pauta dos “verdes”, tentando bloquear toda iniciativa energética que não lhes convinha, o que foi uma tremenda hipocrisia, pois o país passou as duas primeiras décadas do século 21 investindo e extraindo pesadamente carvão de linhito, um dos piores tipos nos quesitos ambientais que eles mesmos propõem.

Hoje, os alemães têm uma “Itaipu” de carvão. Ou seja, energia efetiva (firme e estável), mas que tem emissões de CO2 e também de SO2. Mesmo toda essa potência ainda não é suficiente para bancar o déficit energético do país e da UE. Desta forma, em maio de 2025, Merz já avisou ao presidente francês, Emmanuel Macron, que não bloquearia mais os esforços dos franceses que pedem que a energia nuclear seja tratada de forma idêntica às energias eólica e solar na legislação europeia.

Na próxima parte, discutiremos a forma dos investimentos, a geopolítica por trás desses movimentos e como o Painel do Clima da ONU, por meio de alguns países, prontificou-se em reforçar o apoio à energia nuclear, enquanto que, para outros, a agenda climática continua a impor um sistema de baixa geração de energia intermitente e cara, que mina o grande sonho de desenvolvimento industrial, inclusive do Brasil.

Leia também: “A energia nuclear evita a poluição do ar e salva vidas”, artigo de Ronald Bailey publicado na Edição 246 da Revista Oeste

[Oeste]

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