[Editada por: Marcelo Negreiros]
BRASÍLIA – Uma das principais investigadas no esquema de descontos ilegais a aposentados, a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) usou uma falsa parceria com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para montar uma rede de atendimentos com apoio de 3 mil prefeituras.
A Conafer, que é alvo da Polícia Federal e da CPI do INSS, simulou ter o aval do órgão federal para se apresentar em localidades distantes como se fosse representante oficial do instituto federal que cuida de aposentados e pensionistas. A entidade tinha pretensão de funcionar como “agências do INSS”.
Mutirão da Conafer em comunidade tradicional tem placa do INSS na porta de atendimento Foto: Reprodução/Conafer
A Conafer se apresenta em comunidades indígenas, quilombolas e outras regiões afastadas como braço do órgão público capaz de viabilizar benefícios e, ainda, oferecer insumos agrícolas em parceria com prefeituras. Estes acordos são anunciados pelas gestões como políticas públicas municipais.
Procurada, a Conafer não se manifestou. À CPI do INSS, o presidente da entidade negou ação ilegal e disse que ela tem sido prejudicada por decisão da Justiça.
Entre 2019 e 2024, a Conafer faturou R$ 688 milhões com descontos associativos aplicados sobre aposentadorias e pensões de mais de 620 mil associados. Entre eles, há pessoas que já morreram e crianças, conforme documentos expostos durante a reunião da CPI do INSS.
A Controladoria-Geral da União (CGU) fez uma análise sobre a adesão de associados a entidades como a Conafer e aponta que problemas por falta de concordância dos beneficiados.
A Conafer usa como frente de expansão nos municípios um programa para “desenvolver a educação previdenciária e expandir o INSS digital”. O “Mais Previdência Brasil” envolve associações, sindicatos e governos locais para que eles identifiquem, cadastrem e encaminhem à Conafer pessoas com direito a benefícios, como aposentadoria por idade rural, seguro defeso e auxílio reclusão rural.
A página oficial da Conafer afirma que o programa “é fruto de uma parceria estratégica com o INSS”. O órgão, porém, afirma taxativamente que a informação não é verdadeira.
Site da Conafer afirma que programa desenvolvido com municípios é fruto de parceria com INSS, que nega taxativamente a versão Foto: Reprodução/Conafer
A reportagem pediu ao INSS, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), todas as tratativas feitas pelo órgão com relação ao programa da Conafer. A autarquia negou a relação.
“Informamos que o INSS não tem participação nos Acordos de Cooperação Técnica celebrados entre a Conafer com outros entes públicos, desconhecendo a natureza do projeto ‘Mais Previdência Brasil’”, respondeu.
Procurado por meio da assessoria de imprensa, o INSS reforçou a inexistência de vínculo da autarquia com a iniciativa.
A adesão dos municípios à iniciativa se dava por meio de acordo de cooperação técnica (ACT). O Estadão teve acesso a alguns desses contratos, em que as prefeituras se comprometem a indicar associações, cooperativas ou sindicatos rurais para participar das ações. Os prefeitos também têm que garantir espaço físico e equipamentos, como computadores, mesas, cadeiras, scanners e impressoras.
Nos documentos, a Conafer exige que o poder público local informe às pessoas quais documentos precisam portar para requerer serviços previdenciários e assistenciais.
Nos mutirões realizados nos rincões do Brasil, a Conafer associava sua marca à do INSS. Em uma dessas reuniões, em terra indígena localizada em Pesqueira (PE), o assessor do presidente da Conafer, Junior Xukuru, afirmou que a ideia do grupo era tornar a representação da entidade no local em uma “agência do INSS”.
“A nossa ideia é que a associação passe a ser uma agência do INSS, e melhor atender assim os nossos associados. Então é muito seguro, de suma importância que esteja acontecendo”, declarou.
Ao viabilizar o acesso a benefícios, a Conafer recolheu de 2% a 2,8% do salário mínimo como mensalidade.
Presidente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), Carlos Roberto Ferreira Lopes, em depoimento na CPI do INSS
Foto: Carlos Moura/Agência Senado Foto: Carlos Moura/Agência Senado
Em depoimento à CPI do INSS, ele reclamou da decisão judicial que deflagrou a Operação Sem Desconto, contra fraudes em descontos associativos, e disse que ela paralisou a entidade.
“Sofremos um ‘lockdown’ jurídico e financeiro, bloqueando 100% das nossas atividades, sejam elas institucionais ou financeiras, colocando mais de 1,2 mil funcionários sem serviço, 2.950 municípios sem atendimento, deixando a esperança esperando, os resultados sem ações, os sonhos sem objetivos”, disse.
Embora se associe a sindicatos, a entidade de Carlos Lopes não tem a chamada carta sindical, ato conferido administrativamente pelo Estado que autoriza uma entidade a exercer atos sindicais.
Com faturamento milionário, Carlos Lopes contratava como prestadores de serviço da entidade pessoas ligadas a ele mesmo, como o irmão e um sócio. À CPI, ele não soube especificar serviços que foram prestados.
A Conafer foi fundada em 2011 e desde então ele está à frente dela. Ela não recebe recursos públicos, mas tem ONGs que funcionam como braços de execução de tarefas que recebem, por exemplo, verbas de emendas parlamentares.
[Por: Estadão Conteúdo]
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