[Editada por: Marcelo Negreiros]
BRASÍLIA — Especialistas em internet e plataformas digitais lamentam que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido levado a fazer uma espécie de regulação das plataformas e demonstram preocupação com pontas soltas deixadas por ministros, mas enaltecem avanços na mudança da legislação.
O STF encerrou nesta quinta-feira, 26, o julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e ampliou as responsabilidades das plataformas digitais pelo conteúdo publicado por usuários na internet.

Sessão plenária do STF durante a reta final do julgamento do artigo 19 do Marco Civil Foto: Ton Molina/STF
A decisão obriga as plataformas a removerem proativamente conteúdo criminoso considerado grave, como terrorismo, incitação ao suicídio, discriminação, pornografia infantil, tráfico de pessoas e pedidos por golpe de Estado. Publicações que representem crime contra a honra (calúnia, difamação e injúria) continuarão a requerer ordem judicial, tal como o artigo 19 hoje preconiza.
Yasmin Curzi, pesquisadora do Karsh Institute of Democracy da Universidade de Virgínia (EUA), lamenta que o STF tenha se levado a julgar o Marco Civil diante do que ela chamou de inércia legislativa. Isso porque o Congresso esteve prestes a votar o projeto que imporia maior responsabilidade e transparência sobre as plataformas, mas acabou por engavetá-lo. Para ela, a judicialização “não é o caminho ideal para definir políticas regulatórias complexas”.
Yasmin diz ser necessário reconhecer que o regime atual do artigo 19 do Marco Civil é insuficiente diante da atuação ativa de determinadas plataformas que “promovem, impulsionam e lucram com conteúdos extremamente nocivos”. A responsabilização, para ela deve ser calibrada conforme o grau de intervenção e o impacto dessas empresas sobre o discurso público.
O STF decidiu nesta quinta-feira que há uma presunção de responsabilidade das plataformas em determinado tipo de conteúdo, como publicação impulsionada e anúncio pago, uma vez que esse conteúdo passa pelo aval das próprias empresas.
“Ao mesmo tempo, compartilho de preocupações quanto ao risco de overblocking (bloqueio excessivo ao acesso de um conteúdo). As plataformas farão um cálculo: vale mais a pena tirar conteúdos de ‘área cinzenta’ para não responder a processos caso esses conteúdos sejam notificados como ilícitos, ou vale mais a pena investir em melhorias nos sistemas de moderação de conteúdo?”, questiona ela.
A especialista diz que deveres de transparência seriam fundamentais para evitar isso. E ressalta que a autocensura praticada pelos usuários das redes sociais por receio de punição e sanções — preocupação de alguns críticos — não tem comprovação, de acordo com suas pesquisas.
A pesquisadora Bruna Santos, especialista em direitos digitais, também vê com preocupação as “brechas” deixadas pelo STF, embora parabenize a Corte por acenar a uma posterior regulamentação por parte do Congresso. Assim como Yasmin, ela vê o Legislativo como o Poder ideal para esse tipo de discussão, embora os próprios deputados tenham se recusado a votar o tema.
“Eu diria que alguns dos pontos problemáticos da decisão, no fim das contas, é justamente a ausência de uma previsão de quem que vai fazer a fiscalização do cumprimento dos deveres adicionais que ela impõe às plataformas”, declara ela.
O advogado especializado em internet Omar Kaminski, que geriu o Observatório do Marco Civil da Internet e participou da criação do arcabouço aprovado em 2014, endossa a preocupação do ministro Edson Fachin com um possível risco de “censura colateral” na decisão.
“A adoção de controle de discurso dos usuários não faz parte do estado de direito democrático”, disse Fachin em seu voto. “A necessidade de ordem judicial para se remover conteúdo por terceiro parece ser a única forma constitucionalmente adequada de compatibilizar a liberdade de expressão com regime de responsabilidade ulterior”, acrescentou.
“O risco é real, com o endurecimento da responsabilização há o risco das plataformas removerem ampla e preventivamente mais conteúdos do que seria necessário, inclusive conteúdos lícitos mas controversos, por exemplo, por receio de punições legais, reputacionais ou financeiras, criando-se uma situação de medo regulatório e censura indireta”, afirma Kaminski.
O advogado vê no voto de Fachin uma linha constitucional mais garantista, alinhada à daquela vista na União Europeia, “com um dos pontos focais na regulação mais robusta e proativa, envolvendo ações coordenadas e obrigações contínuas às plataformas”.
“Estaríamos diante de regras que moldam o ambiente digital como um todo, considerado como espaço público, e não apenas diante de casos pontuais e individuais. O desafio é criar uma regulação equilibrada, que incentive a remoção de conteúdos danosos e nocivos ao mesmo tempo que protege o direito de crítica, a pluralidade, a liberdade de expressão e o debate público, livre e aberto”, diz Kaminski.
[Por: Estadão Conteúdo]
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