O ministro Edson Fachin toma posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (29), às 16h. Discreto e recluso, herdará o comando do Poder Judiciário do comunicativo e desinibido Luís Roberto Barroso, em um contexto de crise interna e pressão externa.
Por um lado, enfrentará a revolta de boa parte do Congresso contra o ativismo político da Corte. Por outro, lidará com o repúdio do atual governo dos Estados Unidos à atuação dos ministros contra empresas de tecnologia americanas e a liberdade de expressão da direita no Brasil.
Fachin terá como vice-presidente Alexandre de Moraes, hoje o mais poderoso e odiado ministro da Corte, pivô da crise com o Legislativo e com os EUA por encabeçar o embate dos últimos anos contra Jair Bolsonaro, seu grupo político e sua militância. Há seis anos, o ex-presidente acusa o STF de perseguição política, enquanto Moraes e a maioria dos ministros vê nele uma ameaça à democracia.
O tribunal presume ter vencido a contenda com a recente condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe e de abolição dos poderes constituídos. No entanto, não convenceu grande parcela da população que votou e ainda nutre simpatia pelo ex-presidente, e que credita à Corte sua derrota eleitoral em 2022.
Dos EUA, a repulsa se baseia na visão do presidente Donald Trump de que o STF promove uma “caça às bruxas” que vitima Bolsonaro e seu grupo, para favorecer politicamente um governo antiamericano, que sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima cada vez mais da arquirrival China.
No comando do STF, Fachin herdará o embate em torno da tentativa da direita de anistiar Bolsonaro e os condenados de 8 de janeiro de 2023, da intenção do Centrão de apenas reduzir as penas, mantendo o ex-presidente inelegível, e da esquerda de manter as punições definidas pela Corte.
Nos primeiros julgamentos dos invasores, no plenário do STF, Fachin votou de forma idêntica a Moraes, relator dos processos, com penas entre 14 e 17 anos de prisão. Ele não participou do recente julgamento de Bolsonaro, pois integra a Segunda e não a Primeira Turma, que analisou ação.
Em novembro de 2024, numa das raras declarações públicas sobre o caso, Fachin afirmou que “os indícios revelados até agora demonstram uma gravidade que é real” e que “o fato de se tratar de um ex-presidente da República, nesse sentido, é menos relevante do que os fatos que estão sendo averiguados”.
Defendeu “o devido processo, ampla defesa e todas as garantias que a Constituição e as leis preveem aos indiciados, acusados e depois para os réus, se vier uma ação penal”.
Na presidência do STF, Fachin não terá, em princípio, qualquer participação no julgamento dos recursos contra a condenação, que continuarão a cargo de Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Mas poderá participar, sim, de eventual julgamento sobre a constitucionalidade da lei que vier a ser aprovada pelo Congresso por anistia ou nova dosimetria para os crimes. Bastará que um partido, a Procuradoria-Geral da República ou uma entidade nacional questione a norma no STF. Caberá a Fachin marcar a data do julgamento.
Fachin também deverá agendar o julgamento de uma ação do PT, relatada por Cristiano Zanin, contra a aplicação das sanções da Lei Magnitsky a Moraes. O ministro conversa com setor financeiro e consulta a PGR e a Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar uma saída que não passe por confrontar os Estados Unidos.
A pauta inicial de Fachin no STF
Para seu primeiro mês na presidência, Fachin já definiu uma pauta que mostra suas prioridades iniciais. Na próxima quarta (1º), colocará em julgamento duas ações que discutem a relação entre motoristas e aplicativos de transporte.
O plenário decidirá se há vínculo trabalhista nos moldes da CLT, com todos os benefícios e encargos, ou se a relação é uma parceria, sem direitos de um emprego. Relator de uma das ações, Fachin tem um histórico de votos pró-trabalhador e poderá influenciar outros ministros a garantir mais benefícios para os motoristas.
Fachin também pautou uma ação do PSOL contra a destinação de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim para a Ferrogrão, ferrovia que visa ligar o Pará ao Mato Grosso, para escoar produtos agrícolas.
Também quer julgar se o Estatuto do Idoso, de 2003, se aplica a contratos de planos de saúde firmados antes da sua vigência, o que daria maior proteção a essa população.
Na área penal, Fachin pautou uma ação para obrigar a polícia a informar o preso sobre o direito de permanecer calado no momento da abordagem, e não apenas no interrogatório formal na delegacia.
Quem é e o que pensa Edson Fachin
Nascido em 8 de fevereiro de 1958 em Rondinha (RS), Fachin formou-se em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também é professor titular de direito civil. Obteve a titulação de mestre (1986) e doutor (1991) em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tradicional reduto de esquerda no direito.
Fez pós-doutorado no Canadá, foi pesquisador no Instituto Max Planck na Alemanha e professor visitante no King’s College na Inglaterra.
Antes de tomar posse no STF em junho de 2015, indicado pela então presidente Dilma Rousseff, foi advogado (1980-1982), procurador jurídico do Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Paraná (1982-1987), procurador-geral do Incra (1985), procurador do estado do Paraná (1990-2006) e árbitro da Câmara de Conciliação e Mediação da Fiesp (2012) e da Câmara de Comércio Brasil-Canadá.
Autor consagrado de diversos livros sobre direito civil, é reconhecido na academia como um dos autores que mais contribuiu para interpretar questões relacionadas à propriedade e família sob a teoria crítica e à luz da Constituição de 1988.
A ideologia progressista marcou sua trajetória e se manifesta até hoje no STF (veja abaixo como Fachin votou nos julgamentos mais relevantes dos últimos anos).
Quando foi sabatinado no Senado, em maio de 2015, embargou a voz ao lembrar da infância com a família na lavoura. “Não me envergonho, ao contrário, me orgulho, de ter vendido laranjas na carroça de meu avô pelas ruas onde morávamos. Me orgulho de ter começado como pacoteiro de uma loja de tecidos. Me orgulho de ter vendido passagens em uma estação rodoviária. Tive desafios muito cedo”, disse.
Depois, ao longo de 12 horas, foi confrontado pela direita por causa de um vídeo a favor da eleição de Dilma em 2010 e por posições simpáticas à reforma agrária e ao MST. Disse que terras produtivas não podem ser desapropriadas.
Na questão da família, defendeu que filhos fora do casamento tenham os mesmos direitos. Disse ter formação cristã, com “valores familiares”, que o fizeram compreender a vida “numa dimensão maior que em sua mera materialidade”.
Em defesa da liberdade de expressão, disse preferir conviver com “liberdade de divergência, com essa liberdade de exposição, do que eventualmente conviver num mundo que esconde, que veda, que censura”.
Questionado sobre o aborto – cuja criminalização está pendente de julgamento no STF –, Fachin disse ser “contra qualquer forma de interrupção que venha ocasionar um atentado à vida, seja no início ou no fim dela”. “A vida começa do começo da própria existência, independentemente da formação do ser humano. A rigor, a concepção é o marco a partir do qual é preciso proteger a vida”, completou depois.
Fachin teve a indicação aprovada no Senado com 52 votos a favor e 27 contrários.
Como Fachin votou nos 10 anos de STF
A decisão mais marcante de Fachin em seu decênio no STF ocorreu em março de 2021, quando anulou, de forma monocrática, as duas condenações de Lula na Lava Jato. Na época, a maioria da Segunda Turma já vinha anulando condenações contra vários políticos do Centrão por incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Para dar isonomia, Fachin, relator da Lava Jato no STF desde 2017, fez o mesmo com os processos do petista, argumentando que as acusações de corrupção contra ele não estavam relacionadas só à Petrobras. A decisão foi confirmada pelo plenário do STF por 8 votos a 3 no mesmo mês.
Para evitar um total desmantelamento da operação, Fachin ainda tentou impedir a declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, mas o escândalo fabricado envolvendo suas mensagens para a força-tarefa levou o plenário a julgá-lo parcial em junho de 2021. Desde então, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, a trinca que já impunha derrotas a Fachin na Segunda Turma, se apoderaram dos processos e passaram a anular paulatinamente as investigações e processos contra dezenas de políticos, empresários, lobistas e doleiros denunciados ou condenados.
Com o aniquilamento da Lava Jato, Fachin concentrou-se em processos de cunho social. A ação mais importante que relatou foi a ADPF das Favelas, na qual, em 2020, ele proibiu operações policiais nos morros cariocas.
De lá para cá, sob sua condução, o STF disciplinou a atuação da polícia nas favelas, obrigando as corporações a ter mais controle e transparência para reduzir a violência. Por isso, foi duramente criticado por dificultar o combate ao crime, mas disse que a ação não pode violar direitos humanos da comunidade pobre.
Nos julgamentos mais importantes dos últimos anos, Fachin se posicionou ao lado da maioria progressista do STF. Em 2015, votou pela descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Em 2017, votou a favor da união estável entre pessoas do mesmo sexo, abrindo caminho para o casamento gay. Em 2019, votou pela equiparação da homofobia ao crime de racismo. E em 2021, liderou a maioria que equiparou a injúria racial (ofensa em razão da etnia ou cor, por exemplo) ao crime de racismo (discriminação), que é imprescritível e inafiançável.
Apesar de todas essas decisões terem agravado a insatisfação do Congresso, cada vez mais conservador, com o ativismo da Corte, Fachin adere ao discurso de que a proteção de minorias deve prevalecer sobre a inércia do Legislativo na efetivação de seus direitos. Ainda assim, com votos técnicos e sem arroubos retóricos, gosta de manifestar respeito pelas decisões políticas do Parlamento.
Uma demonstração disso ocorreu no recente julgamento das “big techs”. Contra a maioria dos ministros, que responsabilizou as plataformas digitais pelo conteúdo postado por usuários, Fachin optou por reconhecer a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, sob o argumento de que a mudança colocaria em risco a liberdade de expressão dos usuários, sujeitos a remoções arbitrárias de conteúdo.
“A regulação da responsabilidade dos provedores de aplicativo que funcionam apenas como condutores de comunicação não deve ser deixada a critério das empresas, sob pena de não se proteger adequadamente a liberdade de expressão, seja pelo abuso na derrubada de conteúdos não necessariamente ofensivos, seja pelo chilling effect que pode produzir”, afirmou no julgamento.
[Gazeta do Povo]
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