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Fact Check-Estudo não prova eficácia da hidroxicloroquina para prevenir Covid-19, nem foi feito por Harvard

15 Ago (Reuters) – Um estudo publicado no European Journal of Epidemiology sobre o uso de hidroxicloroquina para prevenir a Covid-19 não comprova a eficácia do medicamento para este fim, nem foi feito pela Universidade de Harvard, como afirmam postagens nas redes sociais. Especialistas consultados pela Reuters apontaram falhas na metodologia da pesquisa, que foram negadas por um de seus autores.

Postagens com as alegações falsas foram compartilhadas no Twitter (here) e (here), Facebook (here) e (here), Instagram (here) e (here) e em sites de apoiadores do chamado “tratamento precoce” (here).

https://twitter.com/BrazilFight/status/1557699334384279552?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1557699334384279552%7Ctwgr%5E7641ea13012f3aca27dac0b3f63ff6f27f49d582%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.reuters.com%2Farticle%2Ffact-check-covid-hidroxicloroquina-idUSL1N2ZR1L6

“Finalmente, a verdade está chegando. E esse estudo fala da profilaxia, mas, está na cara que a HCQ (hidroxicloroquina) também TRATA”, escreveu um usuário. “Quer dizer então que agora a hidroxicloroquina funciona… Então quem negou o remédio e deixou pessoas morrerem é o que?”, disse outro.

No entanto, a pesquisa não afirma que a substância funciona para evitar a Covid-19. Embora cite que “um benefício” da hidroxicloroquina para profilaxia não pode ser descartado, a publicação não menciona que há comprovação científica de sua eficácia. Além disso, o estudo não foi conduzido pela Universidade de Harvard, mas entre seus autores estão dois pesquisadores ligados à instituição.

Médicos procurados pela Reuters disseram que sólidos ensaios clínicos já descartaram benefícios do medicamento na prevenção da doença e levantaram problemas na condução da análise que impedem, segundo eles, que seus resultados sejam considerados válidos. À Reuters, um dos autores da publicação — o epidemiologista Miguel Hernán, professor em Harvard —, contestou eventuais erros.

O ESTUDO

Assinado por cinco pesquisadores (here), o artigo é uma “revisão sistemática e meta-análise” de ensaios clínicos sobre a eficácia de hidroxicloroquina para prevenir a Covid-19. Ou seja, trata-se de uma análise dos resultados de um conjunto de estudos a respeito do assunto e que utiliza métodos estatísticos.

Os autores analisaram 11 ensaios randomizados (quando a seleção dos participantes acontece de maneira aleatória, sem influência dos pesquisadores) que investigaram o uso profilático do medicamento na Covid-19. Em sete estudos, a hidroxicloroquina havia sido administrada nos pacientes antes do contato com o coronavírus; em quatro, o uso se deu após a exposição.

O estudo não encontrou benefícios na administração de hidroxicloroquina em pacientes que já tinham sido expostos ao coronavírus. Entretanto, indicou que, quando considerados em conjunto, os ensaios randomizados com pessoas que já tomavam a substância antes de entrarem em contato com o vírus “fornecem uma estimativa pontual de um risco aproximadamente 28% menor de Covid-19” na comparação com indivíduos que não ingeriam a droga.

Os pesquisadores concluíram que “um benefício da hidroxicloroquina como profilaxia para a Covid-19 não pode ser descartado com base nas evidências disponíveis dos ensaios randomizados”. Também disseram que “os achados ‘não estatisticamente significativos’ (quando não há evidências suficientes para provar que uma hipótese é nula ou falsa) dos primeiros ensaios de profilaxia foram amplamente interpretados como falta de eficácia definitiva” do medicamento, o que, para os autores, interrompeu pesquisas em andamento e dificultou o recrutamento de novos voluntários.

Ou seja: o próprio estudo não pode ser tratado como uma prova da eficácia da hidroxicloroquina para prevenir a doença.

“Falar que não se pode descartar o benefício de certo medicamento é muito diferente de falar que se comprova a eficácia do medicamento. O artigo não comprova a eficácia da hidroxicloroquina, e os autores não dizem isso”, afirma a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin.

Questionado pela Reuters sobre as afirmações de que a pesquisa atesta a efetividade da substância, Hernán disse que a redação dos autores “é extremamente cautelosa” e que encontraram “um risco 28% menor de Covid-19 com grupo com hidroxicloroquina”.

“Talvez uma comparação com vacinas seja útil. A eficácia das vacinas de mRNA para prevenir a Covid-19 foi de cerca de 90% nos primeiros estudos e de cerca de 50% na era Ômicron. Nossas estimativas sugerem que a eficácia da hidroxicloroquina para prevenir a Covid-19 é de cerca de 28%. Não é ótimo, mas também não é zero”, disse.

RELAÇÃO COM HARVARD

Nas redes sociais e em sites, as postagens também erraram ao atribuir a pesquisa à Universidade de Harvard. Dois dos cinco pesquisadores da publicação são ligados à instituição — Miguel Hernán e Xabier García-Albéniz —, mas a universidade não conduziu o estudo. “Estudos não são conduzidos por universidades, mas por pessoas. Algumas pessoas que conduziram este estudo trabalham em Harvard”, disse Herman.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Harvard também negou que tenha realizado a pesquisa e disse que “a universidade geralmente não interfere no que o corpo docente escolhe investigar”. “Seria mais preciso dizer ‘um estudo de integrantes do corpo docente da faculdade’”, acrescentou.

Hernán é professor de bioestatística e epidemiologia em Harvard (here), e García-Albéniz atua como pesquisador associado no Departamento de Epidemiologia da instituição (here). Os demais autores (Julia del Amo, Rosa Polo e José Miguel Morales-Asencio) são ligados ao Ministério da Saúde da Espanha ou à Universidade de Málaga, também na Espanha.

ESPECIALISTAS APONTAM PROBLEMAS

Especialistas com experiência em pesquisas científicas consultados pela Reuters encontraram inconsistências metodológicas no estudo publicado no European Journal of Epidemiology e questionaram se os resultados obtidos na meta-análise são, de fato, confiáveis. Uma das principais falhas apontadas pelos pesquisadores são os ensaios que, de acordo com eles, apresentam baixa qualidade e foram incluídos no artigo.

Dentre os 11 ensaios clínicos considerados na revisão sistemática, há ao menos um pré-print (here), de agosto de 2021. Isto significa que este estudo é menos confiável, pois ainda não foi revisado por pares (pesquisadores independentes) nem publicado em revistas de impacto científico (here).

“Em ciência, costumamos dizer que uma meta-análise é tão boa quanto os artigos que você está avaliando”, disse Garrett.

Como o método de “revisão sistemática e meta-análise” reúne os resultados encontrados em pesquisas anteriores, a qualidade dos ensaios clínicos adicionados no levantamento impacta diretamente em seus resultados.

“Se não separar o joio do trigo e juntar artigos bons com outros ruins, o resultado será ruim. Os autores juntaram estudos diversos, sem objetivos ou metodologias em comum, e analisaram todos em conjunto, como se fossem a mesma coisa”, afirma o editor científico da Revista Ciências em Saúde e cirurgião vascular do Hospital de Clínicas de Itajubá (MG), Seleno Glauber.

O pré-print consta justamente na etapa da pesquisa que analisou o uso prévio de hidroxicloroquina na prevenção da Covid-19 e concluiu que houve risco 28% inferior de desenvolvimento da doença. Especialistas também indicaram problemas metodológicos em outros artigos incluídos no estudo, que não explicam, por exemplo, quais critérios adotaram para a aleatorização dos voluntários do ensaio.

“Em revisão sistemática com meta-análise, você captura os artigos que falam sobre determinado tema e seleciona aqueles que preenchem todos os critérios de qualidade. Já este estudo foi muito permissivo ao usar publicações de baixa qualidade que não poderiam ser levadas em consideração. Foi uma tentativa de reunir estudos ruins que levam a uma conclusão incorreta”, diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

À Reuters, Hernán negou que os artigos utilizados sejam de baixa qualidade. “Avaliamos o risco de viés de cada estudo usando ferramentas padronizadas e a magnitude da estimativa de efeito foi a mesma, embora menos precisa, quando pré-prints foram excluídos da análise”, afirmou o epidemiologista.

Glauber, da Ciências em Saúde, também disse que nem todos os estudos analisados seguiram os mesmos parâmetros de pesquisa para a detecção de Covid-19 e que administraram doses diferentes de hidroxicloroquina em intervalos distintos, o que impacta no resultado final. Para o professor de Harvard, “isso tem o potencial de atenuar (não exagerar) o efeito estimado”.

Além disso, o artigo afirma que “os sete ensaios de profilaxia pré-exposição foram duplo-cegos” (quando nem participantes nem pesquisadores sabem quem recebeu o medicamento e quem ingeriu o placebo). No entanto, ao menos um deles não adotou essa metodologia (here). Hernán disse que isso será corrigido e que “o fato de um dos ensaios ter sido aberto não afeta os resultados da meta-análise”.

Houve, ainda, a inclusão na revisão de um ensaio assinado por autores do artigo (here), o que não é uma prática recomendada em meta-análises devido à possibilidade de vieses nos resultados, segundo os médicos consultados. Quanto a isso, Hernán avaliou que o fato de que “alguns de nós tenham conduzido um estudo randomizado sobre esse tópico é bom” e que, “de qualquer forma, excluir este estudo não afeta os resultados”.

Glauber, Barbosa e o infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zawascki disseram que a maior parte dos estudos incluídos afastaram a eficácia da hidroxicloroquina na prevenção da Covid-19. Barbosa destacou que isso pode ser visualizado em gráficos publicados no próprio artigo (os benefícios são considerados insuficientes quando a linha horizontal toca a linha vertical “1”) — (ibb.co/m0971fy).

A editora sênior do European Journal of Epidemiology, Virginia Mercer, disse à Reuters que a revista foi informada de possíveis falhas no artigo e que elas estão sob análise. “Não posso fornecer mais detalhes neste momento da investigação”, afirmou Mercer. A reportagem também entrou em contato com outros três autores (Albéniz, del Amo e Asencio) do estudo, mas não obteve retorno.

OUTROS ESTUDOS

Os especialistas ouvidos pela Reuters disseram também que, ao contrário do que alegam os autores, ensaios clínicos sobre o uso profilático de hidroxicloroquina na Covid-19 foram paralisados pois pesquisas sólidas demonstraram sua ineficácia ao longo da pandemia, e não porque os resultados foram precipitadamente interpretados como ausência de eficácia.

No caso da administração do medicamento depois do contato com o coronavírus, por exemplo, um amplo ensaio clínico com 821 pacientes publicado no The New England Journal of Medicine concluiu que “após exposição de alto risco ou risco moderado à Covid-19, a hidroxicloroquina não preveniu a doença quando usada como profilaxia pós-exposição” (here).

Já na hipótese de uso do remédio antes do contato com o vírus, uma pesquisa com 1.483 profissionais de saúde publicada pelo periódico Clinical Infectious Diseases demonstrou que “a profilaxia pré-exposição com hidroxicloroquina não reduziu significativamente a Covid-19 confirmada em laboratório” (here).

Outro ensaio clínico randomizado, com 132 participantes e publicado no The Journal of the American Medical Association (Jama), indicou que “não houve benefício clínico da hidroxicloroquina administrada diariamente por oito semanas como profilaxia pré-exposição em profissionais de saúde hospitalares expostos a pacientes com Covid-19″, embora seus resultados sejam limitados pelo término precoce da pesquisa (here).

Em outubro do ano passado, Barbosa, da SBI, e outros três pesquisadores também conduziram uma revisão sistemática e meta-análise a respeito do assunto. Depois de analisarem nove estudos que preencheram critérios técnicos, apontaram que “não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos hidroxicloroquina e controle quanto à profilaxia da infecção pré ou pós-exposição” (here) e desaconselharam seu uso.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu guia de medicamentos para prevenção da Covid-19, não recomenda a administração profilática da substância (here).

“Temos uma série de evidências de que a hidroxicloroquina não tem efeito. Quando você precisa espremer, espremer e espremer para encontrar algum efeito estatisticamente significativo, esse efeito provavelmente será o que chamamos de ‘efeito clinicamente não relevante’. Ou seja, não terá impacto na prática clínica”, resumiu Zawascki, da UFRGS.

VEREDICTO

Falso. Um estudo publicado no European Journal of Epidemiology não comprova a eficácia da hidroxicloroquina na prevenção da Covid-19 e não foi conduzido pela Universidade de Harvard. O artigo apenas menciona que “um benefício” do medicamento não pode ser descartado. Há dois pesquisadores ligados a Harvard entre seus autores, mas a instituição não realizou a pesquisa.

Este artigo foi produzido pela equipe da Reuters Fact Check. Leia mais sobre nosso trabalho de checagens de afirmações nas redes sociais aqui (here).

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