Fux, que foi juiz rígido no mensalão, conquistou Bolsonaro antes da trama golpista chegar ao STF

[Editada por: Marcelo Negreiros]

BRASÍLIA – Antes mesmo do início dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama golpista, o ministro Luiz Fux havia conquistado a simpatia de Jair Bolsonaro. A aproximação se iniciou em 2020, quando Fux presidia a Corte; e Bolsonaro, o País. Os laços se consolidaram neste ano, a partir dos contrapontos apresentados pelo ministro ao colega Alexandre de Moraes em votações sobre a tentativa de golpe de Estado.

Na semana passada, Donald Trump excetuou apenas três dos 11 ministros da proibição de visitar os EUA: André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux. Os dois primeiros foram nomeados à Corte por Bolsonaro – logo, foram identificados como aliados do ex-presidente. Indicado por Dilma Rousseff ao STF em 2011, Fux entrou no grupo por ter defendido teses favoráveis a Bolsonaro neste ano.

O ministro do STF Luiz Fux em sessão da Primeira Turma, órgão que julga processos sobre a trama golpista Foto: Gustavo Moreno/STF

Em sua decisão, na hora final do prazo, Luiz Fux defendeu a importância da soberania nacional e de um exercício independente e autônomo dos poderes constitucionais. Contudo, afirmou que “a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não apresentaram provas novas e concretas nos autos de qualquer tentativa de fuga empreendida ou planejada pelo ex-presidente, de sorte que carece a tutela cautelar do preenchimento dos requisitos do periculum in mora (o perigo da demora) e do fumus comissi delicti (a fumaça da prática do delito) para fundamentar o decisum que, com expressiva gravidade, baseia-se em “possível prática de ilícitos”. Para Fux, as medidas seriam “desproporcionais”.

Em 2012, quando o STF julgou os réus do mensalão, Fux estava entre os ministros que mais concordavam com o relator, Joaquim Barbosa, na condenação da maioria dos acusados. Os dois estavam no grupo “punitivista” do tribunal. A partir de 2015, quando a Lava Jato chegou ao tribunal, Fux tornou-se um dos principais defensores da Operação.

Passada uma década, Fux é mais adepto do garantismo, a corrente que prioriza a proteção dos direitos fundamentais dos réus. Embora concorde com as condenações pela trama golpista, ele tem defendido alguns argumentos dos acusados. A interlocutores, o ministro diz que deve continuar nessa linha, a depender do caso específico, como forma de garantir o exercício de moderação no STF.

No julgamento de Débora dos Santos, que ficou conhecida por pichar com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, Moraes defendeu pena de 14 anos de prisão. Fux sugeriu um ano e seis meses. A posição de Moraes saiu vitoriosa. A postura de Fux rendeu elogio da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

“Não podemos desistir da nossa nação, nós somos cristãos, acreditamos em Deus, acreditamos que o sol da justiça vai voltar no nosso Brasil. Porque a balança só pende para um lado?”, disse Michelle em discurso durante um ato pró-anistia, em Brasília. “Aqui, um agradecimento ao ministro Luiz Fux, que foi sensato em seu voto em favor de Débora. Muito obrigada”, concluiu.

No fim de março, durante o julgamento da fatia da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o grupo principal da trama golpista, do qual Bolsonaro participa, Fux foi o único a abraçar o argumento da defesa no sentido de que o foro indicado para conduzir as investigações seria primeira instância do Judiciário, e não no STF.

Ele também ponderou que, uma vez fixado o foro no Supremo, o processo deveria ser examinado pelo plenário, com a presença dos 11 ministros, e não pela Primeira Turma. O argumento foi derrotado pelos outros integrantes do colegiado. Apesar das ponderações, Fux votou pelo recebimento da denúncia e a decisão foi tomada por unanimidade.

No mesmo julgamento, o ministro também disse ser contrário à ideia de punir a tentativa de golpe como se fosse um crime consumado e defendeu a necessidade de diferenciar os atos preparatórios da execução do crime. Também sinalizou que tem reservas à legalidade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

As observações renderam elogio de Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro: “O ministro Fux fez um posicionamento absolutamente correto, não só sobre a dosimetria, mas principalmente sobre a questão dos dois delitos que estão sendo imputados”.

No depoimento de Mauro Cid ao STF, Fux fez perguntar dignas de arrancar elogio do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. “Urgente! Fux desmontou o castelo de areia com duas perguntas”, escreveu o parlamentar.

Meses depois, nos depoimentos de testemunhas do chamado núcleo crucial, Fux foi o único ministro, além de Moraes, a comparecer às sessões e fazer questionamentos nas oitivas.

A expectativa é que, até o fim dos julgamentos sobre a trama golpista, Fux continue apresentando contrapontos às discussões. Segundo integrantes do tribunal ouvidos em caráter reservado, os colegas não se incomodaram até agora com essa postura.

Antes da trama golpista

No julgamento de ações penais, havia no STF a figura do ministro revisor, que tinha o papel de apresentar um voto mais detalhado, com eventuais contrapontos ao voto do relator. O papel foi personificado por Ricardo Lewandowski no julgamento do mensalão, o esquema de compra de votos no Congresso Nacional engendrado no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Eram de Lewandowski as principais discordâncias aos votos apresentados por Barbosa. Na época, esses contrapontos provocavam bate-boca no plenário, ao contrário do que acontece hoje.

Os dois ministros se aposentaram e a figura do revisor foi extinta no STF. Ainda assim, Fux assumiu essa atuação de maneira informal nos julgamentos sobre a tentativa de golpe.

As ideias defendidas por Fux hoje contrastam com julgamentos penais do passado. Depois da atuação no mensalão, que colaborou para condenar 24 réus do mensalão por participação no esquema de desvios de dinheiro, o ministro defendeu a Lava Jato até o fim, mesmo após revelada a relação de Moro com os procuradores de Curitiba, considerada imprópria pela maioria do Supremo.

Em abril de 2021, em votação no plenário, Fux foi um dos três ministros que se posicionaram contra a determinação do relator, Edson Fachin, de anular as condenações impostas a Lula pelo ex-juiz Sérgio Moro. Fux se aliou à corrente de Kassio Nunes Marques e Marco Aurélio Mello, hoje aposentado. O trio era favorável à manutenção das penas.

Em junho de 2022, quando presidia o STF, Fux disse que a anulação de condenações da Lava Jato foi resultado da análise de questões formais. “Ninguém pode esquecer que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato”, declarou.

Aproximação de Bolsonaro

Fux intensificou a relação com Bolsonaro a partir de setembro de 2020, quando tomou posse na presidência do STF. Em outubro, recebeu o presidente no tribunal para a primeira visita de cortesia. No encontro, que durou cerca de 45 minutos, Bolsonaro elogiou a decisão do ministro de manter preso o traficante André do Rap, um dos líderes de uma facção criminosa.

A libertação do traficante tinha sido determinada por Marco Aurélio Mello. No mesmo dia, Fux suspendeu a ordem. A atitude provocou irritação do colega. Não é praxe, no STF, um ministro suspender a decisão de outro.

No dia seguinte ao encontro, Bolsonaro concedeu a Fux a Ordem de Rio Branco em seu mais alto nível, o grau de Grã-Cruz. A condecoração é concedida a pessoas, corporações ou instituições por “seus serviços ou méritos excepcionais”, segundo a definição do Itamaraty.

[Por: Estadão Conteúdo]

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