Fux rompe padrão punitivista e lidera divergências contra Moraes em processos contra bolsonaristas

[Editada por: Marcelo Negreiros]

Na última semana, Luiz Fux divergiu novamente de Alexandre de Moraes e contestou as medidas restritivas impostas a Jair Bolsonaro. O voto marca uma guinada do ministro, que passou a liderar as divergências contra Moraes, votando em sentido oposto em cerca de 21% dos casos – a maioria deles relacionada ao 8 de Janeiro e à investigação sobre a tentativa de golpe, na qual Bolsonaro é réu. A posição reforça um padrão recente e contrasta com o histórico de Fux, tradicionalmente associado a posições mais duras em matéria penal, como nos julgamentos do Mensalão e da Operação Lava Jato.

Levantamento do Estadão, com base na plataforma Corte Aberta, mostra que, desde 2023, Fux é o ministro que mais divergiu em ações penais relatadas por Moraes na Primeira Turma do STF. De 100 processos, o ministro votou contra o relator em cerca de 21% dos casos e lidera o número de pedidos de vista, com 11 solicitações que suspenderam temporariamente os julgamentos para permitir uma análise mais aprofundada. A maioria dos processos envolve réus dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, incluindo o próprio ex-presidente Bolsonaro.

O presidente da República e candidato a reeleição pelo PL, Jair Bolsonaro, conversa com o presidente do STF, ministro Luiz Fux Foto: Wilton Júnior/Estadão

Já entre 2019 e 2022, em 108 ações penais relatadas por Moraes e outros ministros e julgadas no Plenário do STF, Fux divergiu em cerca de 9% dos casos.

Fux foi o último a votar na decisão de Moraes que impôs cautelares a Bolsonaro, que incluem, entre outras medidas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acessar redes sociais. As restrições foram determinadas no âmbito da investigação que apura uma suposta atuação coordenada entre o ex-presidente e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, para coagir o Supremo, por meio de autoridades americanas, e tentar reverter a ação penal do golpe, na qual Bolsonaro é réu.

O dado reforça um movimento recente do ministro, avalia o pesquisador da UFMG Shandor Torok, especialista no comportamento judicial do STF. Ele destaca a mudança brusca de postura de Fux, a despeito da gravidade dos crimes investigados.

Torok lembra que, ao longo da trajetória no Supremo, Fux teve uma atuação marcada pelo rigor punitivista, o que contrasta com o posicionamento adotado nos últimos julgamentos da Primeira Turma. “Justamente nesses casos, Fux faz uma guinada de 180 graus e se revela um garantista”, afirma.

Esse movimento não tem sido isolado. O ministro tem se notabilizado por abrir contrapontos com os demais integrantes da Primeira Turma em temas relacionados ao 8 de janeiro, especialmente na dosimetria das penas dos condenados. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou, com batom, a frase “Perdeu, mané” na estátua A Justiça, em frente ao prédio do Supremo.

Fux pediu vista do processo e, posteriormente, divergiu da pena proposta por Moraes, que fixou 14 anos de prisão e foi seguido pela maioria. Para Fux, a pena adequada seria de 1 ano e 6 meses.

Além disso, Fux também fez ressalvas durante o recebimento da denúncia contra o núcleo central do golpe, que tem como réu Bolsonaro. Na ocasião, embora tenha votado a favor do recebimento da denúncia contra todos os acusados, ele foi o único ministro a acolher uma das preliminares da defesa: a de que o processo deveria ir para instâncias inferiores ou, caso permanecesse no STF, ser julgado pelo Plenário, e não pela Primeira Turma.

Ao mesmo tempo em que adota um posicionamento mais garantista nesses processos, Fux mantém seu perfil rígido em decisões individuais sobre liberdade. Entre 2023 e 2025, concedeu apenas 0,84% dos habeas corpus e recursos apresentados para contestar prisões supostamente ilegais ou abusivas, um dos índices mais baixos da Corte.

Para o criminalista e pesquisador David Metzker, responsável pelo levantamento, a variação decorre do perfil do ministro. “São dados que ajudam a compreender, com base empírica, como a Suprema Corte tem atuado na tutela da liberdade”, diz.

A rigidez nos pedidos de liberdade acompanha a trajetória de Fux, marcada por posições firmes em matéria penal desde que chegou ao STF, em 2011. Ele votou de forma dura em casos como o Mensalão e a Lava Jato, defendeu a prisão após condenação em segunda instância e relativizou o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual, na dúvida, a decisão deve favorecer o réu.

Da mesma forma, resistiu ao uso – em favor da defesa – das mensagens obtidas por hackers entre procuradores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, e negou o pedido de entrevista de Lula enquanto este estava preso.

Para o professor do Insper e pesquisador da USP Luiz Gomes Esteves, o comportamento de Fux nos casos ligados a Bolsonaro e ao 8 de Janeiro não reflete, necessariamente, uma mudança de convicção jurídica, mas sim uma reação ao contexto do momento. “São pontos fora da curva no histórico do tribunal”, afirma.

Segundo ele, a postura mais garantista do ministro nesses processos pode sinalizar uma inflexão política, e não uma guinada doutrinária. “Não se trata, necessariamente, de uma mudança geral de entendimento sobre o direito penal, mas pode indicar um posicionamento específico diante de ações com forte carga simbólica e institucional.”

Na mesma linha, Torok pontua que Fux construiu sua trajetória no Supremo como um ministro de perfil punitivista, reconhecido pela rigidez na interpretação da lei penal e pela postura dura contra os réus.

Para ele, trata-se de uma mudança que “salta aos olhos”, embora não seja possível afirmar com precisão se decorre de uma inflexão pontual, estratégica ou de uma transformação mais ampla, podendo resultar de uma combinação de fatores.

“Essa mudança pode decorrer de várias razões, desde uma improvável transformação na forma como Fux passará a decidir em todos os casos penais daqui em diante, até um eventual alinhamento político com o bolsonarismo”, diz.

Torok também lembra que juízes, em geral, mantêm padrões interpretativos relativamente estáveis, sendo raras guinadas bruscas de posicionamento, embora reconheça que julgadores podem calibrar o rigor conforme o perfil do réu. Nesse sentido, aponta, Fux pode estar encarnando o que chama de “garantista de ocasião”. “Julgadores que adotam maior rigor em função do perfil específico do réu”, explica.

Divergência pode contribuir para decisões mais legítimas

Apesar da inflexão de Fux, Torok e Esteves avaliam que a divergência entre os ministros é, em si, positiva, na medida em que o dissenso contribui para tornar as decisões mais robustas e legítimas, sobretudo em um cenário de desgaste institucional, após os ataques sofridos pela Corte durante o governo Bolsonaro.

Ainda assim, Torok pondera que nem toda divergência é igualmente fundamentada. Ao citar o voto de Fux no julgamento das medidas cautelares contra Bolsonaro, ele afirma que a posição do ministro levanta questionamentos sobre a consistência dos argumentos apresentados.

“É difícil compreender um dissenso baseado em alegações genéricas, que poderiam se aplicar a praticamente qualquer outro processo”, completa.

[Por: Estadão Conteúdo]

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