Governo boicota mulheres críticas do ativismo trans em congresso

Representantes de entidades femininas acusam o governo federal de tentar boicotar a sua participação na 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. As críticas são direcionadas ao Ministério das Mulheres, que organizou a conferência, iniciada nesta segunda-feira (29) em Brasília, com encerramento na quarta-feira (1º).

As organizações Matria, Aliança LGB e Raízes Feministas têm em comum posicionamento contrário a pautas ligadas à identidade de gênero e são críticas do chamado “ativismo trans”. Entendem, portanto, que apenas mulheres biológicas deveriam participar de um evento que trata justamente de políticas públicas para mulheres.

A conferência, no entanto, contou com ampla participação de representantes do movimento trans. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), inclusive, é uma das principais entidades à frente da organização do evento. Sua presidente, Bruna Benevides, foi responsável por um dos discursos de abertura, em que defendeu cotas para trans nas universidades e no Concurso Público Nacional Unificado (CNPU).

“Defendemos que a discussão desta conferência e da política para as mulheres não pode e não deve se limitar ao que é uma mulher, mas deve ser sobre o que temos em comum”, disse.

A fala tem a ver com um posicionamento da Antra nos últimos dias, após a repercussão de uma movimentação internacional em que representantes da comunidade LGB (lésbicas, gays e bissexuais) anunciaram rompimento com o movimento LGBTQIA+, que engloba também transexuais, queer, intersexo, assexuais e outros “gêneros”. A principal entidade trans do país se posicionou fortemente contra a iniciativa, a qual classificou como “traição transfóbica”.

A repartição brasileira do movimento de ruptura com o ativismo trans é a Aliança LGB. A diretora da organização, Mariele Gomes, é uma das mulheres que têm denunciado o boicote do governo à sua participação e a de representantes de entidades parceiras.

“Enquanto diversas mulheres críticas de gênero foram cortadas de virem representar suas organizações, aqui está lotado de travestis”, disse Mariele nesta segunda-feira, já em Brasília, pouco antes do início do evento. “Todo local que a gente olha tem pessoas do sexo masculino circulando e vão representar a gente, vão ter direito a voto, vão falar pelas mulheres. Quanto aos murais em homenagem às mulheres são, no total, 60 pessoas homenageadas e dentre elas, 12 travestis”, questiona.

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Boicote contou com veto à participação e cancelamento de voos

A Matria é uma das principais entidades de mulheres críticas ao ativismo trans no Brasil. Segundo a presidente Celina Lazzari, a entidade preencheu todos os requisitos para ter representantes na conferência – segundo o governo, 4 mil mulheres foram convidadas. O pedido foi negado sem justificativa. A Matria questionou o Ministério das Mulheres via Lei de Acesso à Informação (LAI) sobre os motivos para a negativa, mas ainda não obteve retorno.

Prevendo o boicote, duas entidades parceiras da Matria até então menos conhecidas – Aliança LGB e Raízes Feministas – foram inscritas e tiveram sua participação aprovada. No entanto, na última quinta-feira (25), quatro dias antes do início do evento, a Matria divulgou em seus canais oficiais a participação das organizações aliadas, que teriam sido inscritas “estrategicamente, já cientes da grande possibilidade de sofrer boicote”.  

O resultado é que as representantes da Aliança LGB e Raízes Feministas (Mariele Gomes e Ingrid Peixoto) tiveram seus voos, que estavam sendo custeados pelo governo, cancelados pelo Ministério das Mulheres e precisaram recorrer a financiamento coletivo – a popular “vaquinha” – para conseguir se deslocar de seus estados até Brasília.

“Chegando aqui, fui abordada por duas assessoras da ministra. Me chamaram e pediram desculpas pela situação”, relata Mariele. “Mas não teve uma justificativa para o cancelamento. Falaram que iriam reembolsar a passagem e emitiriam meu voo de volta. Também garantiram que iriam emitir as passagens da Ingrid, que foi a representante eleita pelos Raízes Feministas”, prossegue.

Ministério das Mulheres restringiu debates e anunciou punições

No final de abril, poucos dias antes de deixar o cargo, a ex-ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, publicou uma portaria com o regimento da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. A pasta criou um capítulo para restringir vozes de oposição, criando punições por manifestações “incompatíveis” com os princípios do regimento.

Em termos vagos, o Ministério proíbe “desinformação”, “divulgação de conteúdos falsos”, “discriminação” e “preconceito” e estabelece que haveria pessoas responsáveis por monitorar possíveis violações aos termos. Entidades que se posicionam contra a identidade de gênero e o ativismo trans veem a portaria como forma de coibir manifestações legítimas de mulheres.

“A gente sabe que ‘transfobia’ é qualquer coisa que eles não concordem. É muito genérico. Então esse tipo de cláusula foi colocada para cercear o debate, não para combater qualquer tipo de discurso de ódio. Foi um direcionamento claro para evitar certos assuntos e debates”, diz a presidente da Matria.

Segundo ela, o próprio Ministério das Mulheres se tornou refém do ativismo trans. “Já ouvimos de bastidores que há muitas discordâncias internas, mas a ministra e todo o ministério são reféns dessa pauta”, afirma Celina.

“Não é interessante para o governo nossa presença aqui porque questionamos a raiz do problema, né? A gente quer colocar o marcador sexo biológico – e não gênero – como critério para a elaboração de políticas públicas voltada para as mulheres”, emenda Mariele, diretora da Aliança LGB.

Militantes trans hostilizaram mulheres na conferência

Como mostrado pela Gazeta do Povo, ao menos 30 militantes transexuais, integrantes de ONGs que compõem o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), ligado ao governo federal, hostilizaram mulheres representantes das entidades que se opõem à identidade de gênero nesta terça-feira (30), no segundo dia da conferência em Brasília (veja o vídeo abaixo).

Ao longo de 40 segundos, as militantes cercam Mariele e outras mulheres que a acompanhavam, gravando seus rostos com celulares aos gritos de “Transfobia não”. Quem liderou a ofensiva foi Jovanna Cardoso da Silva, integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e fundadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans). Conhecida como “Jovanna Baby”, a ativista a todo tempo manteve os dedos apontados para Mariele.

A hostilização só foi encerrada após uma mulher conter Jovanna e conduzir o grupo à frente. “Depois disso fiquei em choque. Me senti extremamente intimidada, eu e as meninas. Mas eu já sabia que estava vindo em um congresso em que sou minoria. Sei que essa opinião não é minoria no Brasil, a maioria das pessoas concorda conosco. Mas aqui eles trouxeram mais pessoas alinhadas ao que o governo quer oferecer como proposta”, disse a diretora da Aliança LGB à Gazeta do Povo.

O vídeo abaixo foi filmado por Mariele.

Outro lado

A Gazeta do Povo abriu espaço para posicionamento do Ministério das Mulheres, além da Antra e da Fonatrans. Nem a pasta do governo nem as entidades quiserem se manifestar.

[Gazeta do Povo]

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