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Governo Lula criou 273 cargos políticos em estatais e recebeu alertas sobre riscos de governança

[Editada por: Marcelo Negreiros]

BRASÍLIA – Desde o início do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2023, as estatais brasileiras criaram 273 novos cargos abertos à indicação política, segundo levantamento exclusivo do Estadão. Os postos são usados para empregar petistas, figuras ligadas aos partidos da base e familiares. O custo dessa expansão é de pelo menos R$ 206 milhões por ano, se contabilizados salários e benefícios, e abrange 16 empresas.

Algumas das decisões que aumentaram o número de cargos desse tipo foram precedidas de notas técnicas em que servidores do Ministério da Gestão consentiram com as mudanças, mas apontaram para riscos de governança, como o descumprimento de decisões judiciais e regras salariais descoladas das práticas de mercado. Os posicionamentos da pasta, no entanto, têm caráter meramente consultivo e as empresas não são obrigadas a acatá-los.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em solenidade do governo em Brasília Foto: Wilton Junior /Brasília

Por meio de nota, o governo informou que os cargos políticos equivalem a um em cada 314 empregados com vínculo ativo no conjunto das estatais federais. “Esse indicador evidencia que o uso de cargos de livre provimento nas estatais é restrito, pontual e residual.”

A reportagem ofereceu, por intermédio das assessorias de imprensa, a oportunidade de cada uma das pessoas citadas se manifestarem. As empresas defenderam os indicados.

Além dos chamados cargos comissionados, houve aumento de 105 funções de confiança, aquelas ocupadas apenas por funcionários de carreira escolhidos por diretores, que, por sua vez, são indicados pelo Palácio do Planalto.

A estatal que teve, proporcionalmente, o maior crescimento no número de postos de indicação política foi o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), uma rede pública da qual a população do Rio Grande do Sul depende para ter acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). No atual governo, a empresa vinculada ao Ministério da Saúde, que tinha 16 cargos comissionados, passou a ter 69, um salto de 331%.

A justificativa para o aumento do quadro era atender as demandas de um novo centro de oncologia e hematologia e gerir o Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, cuja administração foi transferida para o GHC em razão do mau funcionamento daquela unidade.

Mas o histórico de alguns dos funcionários indica que parte desses postos serve para empregar petistas gaúchos. Em novembro de 2023, foram criadas 13 vagas de assessores de diretoria, função que não existia até então. Cada um goza de vencimentos mensais de R$ 22 mil.

Entre os escolhidos estão Sanjaya Aquino, ex-assessora parlamentar de Paulo Pimenta (PT-RS), deputado federal e ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), e Leonilse Guimarães, que foi chefe de gabinete da Secretaria de Educação Profissional do Ministério da Educação no primeiro mandato de Lula e atuou como delegada oficial do movimento “Lula Livre! Fora Bolsonaro!”, articulado pelo PT.

Já Leonita de Carvalho, que também faz parte do grupo, foi assessora da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, no governo de Dilma Rousseff. Sandra Maria Fagundes, ex-secretária de Saúde do Rio Grande do Sul na gestão de Tarso Genro, e Rose Correia , que foi superintendente do Patrimônio da União no Estado nos governos Lula e Dilma, também ocupam esses cargos.

O GHC disse em nota que “fortaleceu suas equipes, desde a assistência direta aos usuários até equipes administrativas e de gestão”. Também destacou que as medidas tiveram aprovação do Conselho de Administração da companhia e do Ministério da Saúde. Alegou ainda que somente 60 postos de livre provimento estão ocupados.

Em relação aos funcionários citados, disse que a escolha se deu por “experiências profissionais” e destacou a trajetória profissional de cada um. Sanjaya é formada em história e atua no planejamento estratégico e comunicativo. Leonilse é farmacêutica e foi plantonista no Hospital da PUC-RS. Leonita é socióloga com mais de 25 anos em administração pública. Sandra Maria é psicóloga e consultora de políticas públicas em saúde. Rose é advogada com especialização em Administração Pública.

A empresa que teve o maior aumento de cargos de indicação política sob Lula em termos absolutos foi a Dataprev, que faz a gestão de dados e sistemas de informação do governo federal. Em junho de 2023, houve um salto de 33 para 93 no número de funções comissionadas, um crescimento de 181%.

Por meio de sua assessoria, a entidade afirmou que somente 65% dos cargos aprovados estão ocupados. Alegou ainda o aumento do número de clientes, a perda de funcionários durante a pandemia e a atuação em “novos projetos estratégicos”, como a internalização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o desenvolvimento do novo CadÚnico e a criação do Crédito do Trabalhador.

Dentre as atribuições da Dataprev está o armazenamento de bases cadastrais e biométricas de aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essas informações foram utilizadas por associações que procederam descontos sem autorização em benefícios previdenciários.

Para justificar a expansão de cargos políticos à Sest, a companhia citou a sensibilidade do manejo desses dados e a necessidade de incorporar em seu quadro funcional pessoas com “expertises técnicas específicas, tratando-se de funções de relevante confiança, envolvidas em temas de gestão e técnica, representação política, social, jurídica e administrativa da estatal”.

Essas mudanças, ainda de acordo com a companhia, eram necessárias para fazer frente ao plano estratégico traçado pela administração petista de “prover soluções digitais para o exercício da cidadania” e visão “ser referência para o cidadão e o Estado na prestação de serviços digitais para implementação de políticas sociais”.

Mas nem todas as contratações seguiram critérios técnicos. Um dos assessores contemplados é Fábio Fazzion, um militante de esquerda e namorado da deputada federal Adriana Accorsi (PT-GO), que foi candidata à prefeitura de Goiânia e hoje postula a presidência do partido no Estado. Em seu perfil no X, ele se define como “filósofo, petista e com tolerância zero com facistas (sic).” Luiz Gonzaga Baião, que era assistente técnico no gabinete na liderança do governo na Câmara até março do ano passado, também ocupa um desses cargos.

A Dataprev afirmou que “eles foram contratados para acompanhar as pautas legislativas de transformação digital pela qual passa o Estado, uma vez que inclui a construção de novos marcos legais no setor de tecnologia da informação, como o PL para a regulamentação da IA, em tramitação”.

Marido da deputada Adriana Accorsi (PT-GO), Fabio Fazzion ganhou cargo de assessor na Dataprev, estatal responsável por gerir sistemas de informação do governo federal. Foto: fabiofazzion0/tiktok

Procurado, o governo afirmou, em nota, que a contratação de comissionados permite “agregar conhecimentos externos e novas expertises, pois são ocupados por perfis especializados, que trabalham em projetos específicos que podem variar a cada gestão”.

BNDES aumenta número de assessores de Mercadante e oferece supersalários

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi contemplado com o aumento de cargos de indicação política e os utilizou para acomodar aliados do PT, que recebem supersalários.

Em dezembro de 2023, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), vinculada ao Ministério da Gestão, deu aval para a contratação de oito assessores e de um subchefe de gabinete para o presidente da companhia, Aloizio Mercadante, que já tinha 30 auxiliares diretos. A companhia passou a ter, no total, 56 cargos políticos. Alguns deles rendem remunerações superiores ao teto constitucional, de R$ 46 mil.

Por meio de sua assessoria, o banco informou que, apesar do aumento, apenas 27 funcionários vieram de fora do quadro de empregados efetivos, devido à cláusula de um acordo coletivo na qual o presidente se compromete a indicar servidores concursados para pelo menos metade dos postos comissionados. Também destacou que esses assessores externos não participam da análise e liberação de crédito.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, durante entrevista no Palacio do Planalto Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

A justificativa para o aumento do número de comissionados foi o objetivo de “retomar o protagonismo do BNDES no desenvolvimento econômico, social e ambiental brasileiro” e o alegado aumento de atribuições a partir do governo Lula. Foram citadas ainda a “criação de uma nova área para segmentos de exportação e comércio exterior (BNDES Exim) e a constituição de uma segunda área de Estruturação de Projetos para atuar em Parcerias Público-Privadas (PPPs)”.

Entre os assessores de Mercadante estão Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura no governo de Dilma Rousseff, e Anna Carolina Castro, que foi chefe de gabinete do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e do próprio Mercadante, quando ele exercia mandato naquela Casa. Alexandre de Almeida, candidato a deputado federal em 2022 pelo MDB da Paraíba e ex-assessor do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rêgo, também ocupa uma dessas cadeiras. O salário deles é de R$ 52 mil.

O subchefe de gabinete é Danilo Molina, jornalista filiado ao PT que auxilia Mercadante na relação com a imprensa. Ele tem vencimentos mensais de R$ 60 mil.

“Todos os assessores foram contratados conforme os planos de cargos e de funções, em regularidade com o ordenamento da Sest, que leva em conta critérios de titulação e experiência”, disse o BNDES por meio de nota.

Em relação àqueles com vínculos políticos, a empresa afirmou que Juca Ferreira trabalha no apoio ao setor de audiovisual e no fomento à economia criativa. Anna Carolina atua no acompanhamento do processo legislativo e na relação do BNDES com o Congresso. Alexandre Almeida, por sua vez, trabalha no “aprimoramento de seus controles internos e na relação republicana e construtiva com os órgãos de controle”.

A consultoria independente Mercer Human Resource realizou, em 2022, ainda sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, um estudo no qual identificou que quase todos os salários pagos pelo BNDES a quem exerce funções comissionadas estão acima da média do mercado.

A discrepância era de 30%, no caso dos assessores do presidente, e de 9% para a subchefia de gabinete, quando o levantamento foi feito. Na época, os salários desses cargos eram mais baixos, de R$ 36,6 mil e R$ 41 mil, respectivamente.

Os técnicos do Ministério da Gestão não questionaram a legalidade dos valores, mas constataram violações de “práticas e diretrizes atuais” da própria pasta para a formulação de planos de cargos e salários. Isso porque uma cartilha da Sest em vigor desde 2017 com “diretrizes e orientações” determina que as estatais devem “estabelecer estrutura salarial compatível com o mercado”, o que não ocorre no BNDES.

Ao autorizar a criação dos cargos adicionais no BNDES, a Sest citou o estudo e deu prazo de 12 meses para a empresa elaborar um plano de remuneração condizente com a realidade do mercado. No ano passado, foi apresentada uma nova versão do levantamento realizado pela mesma consultoria.

Mas a conclusão, segundo a estatal, foi diametralmente oposta à do levantamento anterior. “Tal pesquisa identificou que os funcionários do BNDES, tanto os de carreira quanto os colaboradores externos, incluindo a alta administração, recebem valores inferiores aos praticados pelo mercado (assessores 17% menos).”

Em abril, o TCU decidiu, contra recomendação de técnicos do tribunal, que executivos da estatal podem receber salários acima do teto constitucional. Os ministros consideraram os supersalários legítimos por entenderem que a estatal não é dependente do Tesouro, já que as operações da empresa geram receitas suficientes para cobrir custos operacionais, além de repassar dividendos à União.

Telebras aumenta cargos políticos e contraria decisões da Justiça

A Telebras criou, em dezembro de 2023, três novos cargos de indicação política com autorização da Sest e contrariou decisões da Justiça, que condenou a empresa, em primeira e segunda instâncias, a reverter o que os tribunais entenderam como uma política generalizada de substituição de funcionários de carreira por comissionados.

Em nota, a empresa disse que “a proposta de reestruturação organizacional tem por objetivo preparar a empresa para uma nova fase de crescimento sustentável, após anos de desmobilização com vistas à privatização no governo anterior, que afetaram sua capacidade estratégica”.

O parecer jurídico da própria estatal reconhece o cenário de insegurança jurídica. “A abertura de novas vagas para contratação de empregados sem concurso público pode representar risco, pois há precedentes judiciais que declaram a nulidade de contratação de não concursados por preterir candidatos aprovados em concurso público.”

Na nota técnica em que avalizou a mudança, a Sest destacou que a responsabilidade pela “legalidade e regularidade” dos atos cabia à empresa.

Em 2017, uma nota técnica determinou que a estatal reduzisse para 31 o número de vagas de livre provimento, que atualmente correspondem a 56 postos, para se adequar aos ditames jurídicos. O governo Lula descumpriu a proposta, que tinha cronograma de execução com fim previsto para julho do ano passado.

Estes cargos de comando abrigam figuras do centrão remuneradas com salários que podem chegar a R$ 30 mil por mês. É o caso, por exemplo, do sobrinho do ministro do Turismo, Celso Sabino, que é gerente de um escritório regional da companhia em Belém (PA), reduto da família, e de Romualdo Braga Rolim Neto, primo da mulher do ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, que comandava a Telebras até abril.

Conforme revelou o Estadão, a companhia pretende expandir novamente a influência política do Centrão e aumentar de 56 para 88 o número de cargos de indicação política. A ampliação foi aprovada pelos conselhos fiscal e de administração da companhia e teve aval dos comitês de auditoria e de pessoas.

Em maio, a Sest classificou a medida como “temerária” e apontou que, se ela for implantada, os comissionados representarão 19% do quadro total de funcionários, enquanto a média das empresas sob a alçada da administração pública federal é de 5%.

[Por: Estadão Conteúdo]

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