[Editada por: Marcelo Negreiros]
O juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da Vara de Três Lagoas (MS); ele nega que tenha adotado um desempenho moroso Foto: Arquivo pessoal
Autor de denúncias sobre casos emblemáticos que arrastaram o Judiciário de Mato Grosso do Sul para o epicentro de desvios e corrupção, o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da Vara de Três Lagoas, foi punido sumariamente em caráter administrativo com a proibição de cobrir férias de colegas ou fazer parte de mutirões – atividades que, na prática, resultam em melhoria salarial.
Ao Estadão, a presidência do Tribunal de Justiça negou que Pedrini tenha sido alvo de uma retaliação por haver tornado público crimes envolvendo desembargadores. A Corte atribui a ele ‘atrasos injustificados em alguns processos de sua responsabilidade’. (LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA MANIFESTAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA).
Parecer da Corregedoria-Geral da Justiça, que deu base à decisão administrativa do presidente da Corte estadual, desembargador Dorival Renato Pavan, imputa ao juiz de Três Lagoas: implementação inadequada de guia de recolhimento; demora na tramitação de processos com pedidos cautelares; possível descumprimento das diretrizes relativas às audiências de custódia (Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça).
Aos 46 anos, 16 e meio dos quais magistrado, Rodrigo Pedrini nega enfaticamente que tenha adotado um desempenho moroso na função de juiz titular da Vara do Juiz das Garantias, Tribunal do Júri e Execução Penal da Comarca de Três Lagoas. Ele se insurge ante o fato de sua punição ter sido sumária e monocrática.
Pedrini recorreu ao Conselho Superior da Magistratura. Pede efeito suspensivo da punição a ele imposta.
À Corregedoria-Geral de Justiça o juiz apresentou um Plano de Trabalho. O documento contém oito metas, entre as quais ‘apresentar quinzenalmente relatório com os dados relativos aos procedimentos cautelares distribuídos e audiências de custódia realizadas, com vistas a comprovar de forma precisa e imediata a inexistência da alegada morosidade generalizada, que nunca houve’.
DESAFETOS DA CORTE
O juiz atraiu desafetos na Corte desde que denunciou o caso da desembargadora Tânia Borges, acusada de ter agido nos bastidores para soltar o filho preso com cocaína, armas e munições em abril de 2017. Então presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, Tânia foi afastada definitivamente da carreira – via aposentadoria compulsória – pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2021.
O juiz de Três Lagoas também jogou luz sobre um outro capítulo importante do Judiciário estadual, envolvendo o desembargador Divoncir Schreiner Maran em um processo que culminou na soltura do narcotraficante Gérson Palermo, o ‘Pigmeu’, – desaparecido até hoje.
Esses casos antecederam a mítica Operação Ultima Ratio, que a Polícia Federal deflagrou em outubro do ano passado, por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça.
Na ocasião, foram afastados de suas funções e passaram a usar tornozeleira eletrônica cinco desembargadores do TJ de Mato Grosso do Sul – Sérgio Fernandes Martins, Vladimir Abreu da Silva, Marco José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos – e um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Osmar Domingues Jeronymo.
A Ultima Ratio recuperou diálogos de magistrados supostamente ligados a um esquema de venda de sentenças na Corte estadual. Em uma dessas conversas, de fevereiro de 2022, um desembargador se referiu a Pedrini como um ‘câncer’, ‘filho da p… de TL’ (Três Lagoas).
O desembargador conversava com um juiz que havia atuado como auxiliar na Corregedoria do TJ e que era alvo de acusação sob análise do Conselho Nacional de Justiça. O desembargador disse que estavam ‘fazendo uma puta sacanagem’ com ele e emendou com uma referência a Rodrigo Pedrini, de quem não citou o nome. Segundo ele, ‘o câncer é o fdp do juiz de Três de Lagoas’.
MONITORAMENTO PERMANENTE
Desde março passado, a Vara de Três Lagoas, titularizada por Rodrigo Pedrini, foi submetida a um ‘monitoramento permanente’ pelo Departamento de Correição Judicial, braço da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado.
No dia 26 de maio, o presidente do TJ, desembargador Dorival Renato Pavan, comunicou a Pedrini a punição ante a verificação de ‘diversas incongruências’, inclusive lentidão na realização de audiências de custódia de competência do juiz de Garantias e uma suposta atuação ineficiente no 1.º Núcleo de Justiça.
“O cenário apresentado no parecer da Corregedoria-Geral de Justiça revela nítida fragilização à garantia constitucional da razoável duração do processo e o comprometimento da tempestiva e eficiente prestação jurisdicional esperada de todo órgão julgador”, escreveu o presidente.
Amparado em parecer da Corregedoria, Pavan concluiu. “Denota-se a atuação morosa do juiz titular da Vara do Tribunal do Júri, juiz de Garantias e Execuções Penais de Três Lagoas, Rodrigo Pedrini Marcos, no exercício das funções que lhe foram atribuídas, a ponto de comprometer a eficiência e a credibilidade institucional do Poder Judiciário nas comarcas onde atua (Três Lagoas, Batayporã e Nova Andradina).”
Inconformado, o juiz recorreu da decisão da Corte que o excluiu do mutirão da Turma Recursal e de qualquer substituição automática ou em designação nas unidades jurisdicionais do Estado.
“O cenário de atraso e morosidade reportado no parecer correcional não é verdadeiro e não reflete a realidade da Vara do Juiz das Garantias, Tribunal do Júri e Execução Penal da comarca de Três Lagoas”, reage Pedrini.
Em seu recurso, ele pede a declaração de nulidade e a reforma da decisão do desembargador Pavan, ‘mantendo a possibilidade deste magistrado participar de mutirões e realizar substituições legais’.
O recurso impugna decisão administrativa do presidente, dada após manifestação do corregedor-geral de Justiça, ambos membros do Conselho Superior.
Amparado no artigo 67 do Regimento Interno do TJ, Pedrini pleiteia que tanto o presidente quanto o corregedor Ruy Celso Barbosa Florence fiquem impedidos de participar do órgão colegiado para julgar seu recurso, ‘devendo haver a distribuição ao vice-presidente’.
Pedrini argumenta que por determinação de um juiz auxiliar da Corregedoria prestou, por meio de um ofício, informações sobre as inconsistências apontadas. Ele justificou que atrasos pontuais na análise de um ou outro pedido de medida cautelar ocorreu em razão da suas férias no mês de dezembro de 2024, seguidas pelo recesso forense, e de um atraso causado por problemas na distribuição automática de procedimentos ao Juiz das Garantias – modelo criado pelo Provimento nº 670/2024.
‘OUVIR DIZER’
Um ponto sensível da apuração de que foi alvo provoca o desabafo do magistrado. “Não houve sequer tempo de cumprir as determinações da Corregedoria para a construção de um plano de trabalho para sanar as irregularidades pontuais encontradas e, principalmente, para rebater com dados e documentos os atrasos apontados, lastreados em ‘ouvir dizer’.”
Pedrini ressalta que quatro processos listados pelo Departamento de Correição Judicial como ‘atrasados’ em um segundo relatório ‘já haviam sido analisados antes mesmo deste magistrado ter sido cientificado da existência das irregularidades’.
“Essas informações indicam que, em um pedido de providências iniciado apenas para acompanhar a correção de inconsistências administrativas, foi proferida sem oportunizar a este magistrado chance para justificação, decisão que afastou parcialmente o recorrente do exercício regular da magistratura”, protesta o juiz revelador de escândalos na Corte.
Em um outro trecho de seu recurso, ele enfatiza. “Existe a possibilidade legal de que a morosidade na gestão processual gere consequências disciplinares para um magistrado, mas a aplicação de sanções desta natureza ocorrem no âmbito de processo administrativo disciplinar regularmente instaurado, com contraditório e ampla defesa e com a aplicação de sanções previstas em lei.”
No entendimento do juiz de Três Lagoas, ‘até pode se reconhecer a competência administrativa do presidente do Tribunal deliberar sobre a inclusão e exclusão de magistrados participantes de mutirões judiciais’. Ele próprio, Pedrini, já participou de mutirões em 16 anos de exercício na magistratura.
“Em eventuais casos de suspensão ou exclusão de um mutirão por fatores externos, o ideal é que o interessado fosse previamente ouvido antes da tomada de uma medida extrema”, ele se queixa. “Agora, daí excluir o recorrente de qualquer atividade concomitante, em especial a substituição automática de outra vara prevista no Código de Organização e Divisão Judiciárias, afigura-se a imposição de uma penalidade administrativa, que não foi antecedida da obediência ao princípio do contraditório.”
Determinado, o juiz vai mais além em sua argumentação e destaca que a aplicação de punições a magistrados é regulada pela Resolução nº 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça. O procedimento estabelecido, diz Pedrini, é caracterizado pelo contraditório e a ampla defesa.
No âmbito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, punições disciplinares são tomadas por órgão colegiado – Conselho Superior da Magistratura -, ‘e há disposição expressa da obrigatoriedade de apresentação de resposta pelo juiz antes da imposição de quaisquer penalidades administrativas nos casos que envolva morosidade processual’ – aqui, ele invoca o artigo 133 do Regimento Interno do Tribunal.
‘FISHING EXPEDITION’
Pedrini não aceita ter sido alvo de procedimento da Corregedoria com base em ‘ouvir dizer’. “A decisão (do presidente do Tribunal) acolheu parecer da Corregedoria-Geral de Justiça que, durante correição realizada na comarca de Batayporã e em juízo diverso da lotação do recorrente, foram colhidas informações de lentidão e morosidade em ‘conversas gerais’.”
Alega que desconhece a origem dessas ‘conversas’. “Podem ter ocorrido com membros do Ministério Público, policiais ou advogados, mas significa que uma decisão administrativa foi tomada com base em ‘ouvir dizer’, ou seja, em dados que não foram registrados de forma concreta e que não podem ser avaliados de forma objetiva.”
Para Pedrini, ‘essa forma de agir se aproxima muito do fishing expedition, prática vedada pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça, em que há uma colheita indiscriminada de informações em procedimento cuja investigação não tem objeto definido’.
O juiz assinala que existem dados objetivos que permitem ao Conselho Superior da Magistratura avaliar que, em regra, o seu trabalho ‘entrega aos jurisdicionados uma atuação em um prazo razoável’.
Recente decisão do corregedor-geral de Justiça concedeu o Selo Jurisdição Eficiente – Bronze à 1.ª Vara Criminal de Três Lagoas pelo trabalho realizado em 2022.
Pedrini registra, ainda, que o delegado diretor do Departamento de Polícia do Interior ‘elogiou o seu trabalho e destacou a contribuição do diálogo com a Polícia’.
Rodrigo Pedrini enfrenta o mérito da acusação administrativa. “Eventuais atrasos na realização de audiências de custódia ocorreram de forma pontual, em casos em que houve a realização de júris, que ocorrem aqui (em Três Lagoas) todas quartas e sextas-feiras e em autos de prisão em flagrante encaminhados a este juízo na véspera de finais de semana ou feriado, bem como protocolados após as 17hs pela Polícia Civil, dando a este magistrado pouco tempo para designar e organizar os atos judiciais necessários, mas em que houve o despacho justificando o porquê do atraso..”
Com relação aos pedidos de medida cautelar, os atrasos também não foram a regra, sustenta. “Os poucos ocorreram no primeiro trimestre deste ano, ocasionados principalmente pelas férias deste magistrado no mês de dezembro de 2024 e que foram seguidas do recesso forense.”
“Os dados apresentados neste recurso indicam, portanto, que não existe um cenário de lentidão e morosidade no trabalho da Vara do Juiz das Garantias, Tribunal do Júri e Execução Penal da comarca de Três Lagoas e que notícias de irregularidades, fornecidas pela Corregedoria deste Tribunal ou por qualquer pessoa que busque atendimento, são analisadas e corrigidas”, afirma.
Ele rechaça, também, a alegação de ‘atuação ineficiente’ no Núcleo de Justiça 4.0 (plenamente digital), para o qual foi indicado coordenador. A decisão do presidente do TJ, baseada em parecer da Corregedoria, afirma que Pedrini foi o único responsável pelo atraso na análise de processos.
“Essa afirmação foi feita com base em dados que mostram que o número de processos conclusos para mim era maior do que os dos demais juízes que compuseram o Núcleo”, crava. “Esse dado, sozinho, não é suficiente para afirmar que minha atuação no Núcleo de Justiça foi morosa e que, sozinho, fui o responsável por lentidão na atuação do órgão.”
Rodrigo Pedrini pontua. “O Núcleo era integrado por três juízes e, conforme ata da primeira reunião de seus integrantes, foi acordado que os processos seriam divididos entre os juízes pelo número sequencial do processo. Como coordenador do Núcleo eu seria responsável por um sequencial a mais.”
O juiz pondera que o número de processos de sua responsabilidade foi 20% maior que o volume sob condução dos demais integrantes do Núcleo. Para Pedrini, é natural que dados sobre o número de processos conclusos seja maior com relação a ele.
VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS
“Esse percentual maior de processos sob minha responsabilidade somente mudou em março de 2025, pouco tempo antes das atividades do Núcleo serem completamente encerradas. Daí que do total de processos que estavam conclusos com este juiz quando do encerramento prematuro do Núcleo devem ser descontados os com o sequencial zero, fazendo com que o percentual final de processos conclusos fique em patamar semelhante com os demais magistrados.”
Pedrini considera que a decisão administrativa que o alijou dos mutirões e da substituição a colegas em férias ou de licença implicou em violação de suas prerrogativas – ser ouvido previamente antes da imposição de uma penalidade administrativa ‘referente a fatos oriundos de supostos atrasos processuais’ e de que eventual punição seja aplicada por um órgão colegiado do Tribunal de Justiça, ‘com a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa’.
Ele requer que Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (Amansul) seja intimada para se manifestar e atuar no recurso administrativo.
COM A PALAVRA, O JUIZ RODRIGO PEDRINI MARCOS
O Estadão pediu manifestação do juiz de Três Lagoas. Ele não deu entrevista, apenas reiterou o que consta de seu recurso contra a decisão do Tribunal.
À Corregedoria-Geral de Justiça, Rodrigo Pedrini Marcos escreveu. “Fui tachado de moroso, falho, letárgico, mau gestor e ineficiente no tocante ao cumprimento das atribuições do Juízo de Garantias, mas não foram apresentados dados concretos ou números de processos a embasar minimamente as alegações genéricas de frequente e demasiada demora deste magistrado na apreciação de pedidos cautelares e realização das audiências de custódia, tampouco números estatísticos, mas apenas termos vagos e imprecisos.”
Não esconde sua revolta. “Em outras palavras, por verdade sabida baseada em fatos apurados por ‘ouvir dizer’, um magistrado vitalício, com mais de 16 anos de carreira e na etapa final da carreira, foi punido sumariamente por decisão monocrática, estando suspenso parcialmente da plenitude do exercício de suas funções.”
Ele se insurge contra a punição sofrida. “Não se pode atacar a reputação e bom trabalho de um magistrado que sempre atuou com retidão e lisura, cumpridor de suas obrigações institucionais, com competência e eficiência comprovada em números e oficialmente reconhecida em razão do atingimento de metas objetivas, com afirmações tão graves fundamentadas em informações de ‘ouvir dizer’ sem lastro em fatos concretos, sem sua oitiva prévia para apresentação de esclarecimentos, e muito menos aplicar uma punição administrativa de modo sumário e monocrático.”
COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL
“O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, por meio de sua Presidência, esclarece que o magistrado Rodrigo Pedrini não foi afastado de suas funções. Ele continua respondendo normalmente pela vara da qual é titular. O que houve foi a proibição de atuar em outras varas em substituições ou mutirões judiciais, ante a apuração, pela Corregedoria-Geral de Justiça, de atrasos injustificados em alguns processos de responsabilidade do magistrado. Informa, ainda, que não há qualquer ‘retaliação’ por parte da Administração do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul contra o magistrado, notadamente porque a medida adotada já foi aplicada em face de outros magistrados em situação de idêntico atraso processual.”
[Por: Estadão Conteúdo]
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