Lei Magnitsky aplicada por Trump contra Moraes atinge bancos fora dos EUA e raramente é revertida

[Editada por: Marcelo Negreiros]

A Lei Global Magnitsky, usada pelo governo Donald Trump contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, é raramente revertida e provoca efeitos que vão além dos Estados Unidos, atingindo também bancos e empresas de outros países. Levantamento da Universidade Nacional da Austrália, que acompanhou os 20 primeiros sancionados pela lei entre 2017 e 2020, mostra que apenas dois foram removidos da lista – e que, mesmo nesses casos, as restrições continuaram válidas por até sete anos.

A pesquisa monitorou os impactos práticos da sanção ao longo do tempo e apontou que a proibição de realizar operações que envolvam o sistema bancário dos Estados Unidos costuma ser seguida por bancos e empresas de outros países. A norma também prevê o bloqueio de bens e ativos em território americano, incluindo contas bancárias, investimentos e imóveis. A inclusão na lista é uma decisão do Executivo, via Departamento do Tesouro, sem aval do Judiciário ou do Congresso.

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a medida aplicada a Moraes é injustificada e foge ao padrão da Lei Magnitsky, tanto pelo perfil do ministro, diferente dos alvos tradicionais, quanto por envolver um integrante da Suprema Corte de um país democrático. Ainda assim, eles avaliam que ele deve enfrentar obstáculos semelhantes aos identificados nos demais casos.

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, foi alvo da aplicação da Lei Magnitsky Foto: Wilton Júnior/Estadão

O nome de Moraes foi incluído nesta quarta-feira, 30, na lista de sancionados com base na Magnitsky, usada pelos Estados Unidos para punir casos de corrupção e violações de direitos humanos em outros países. Desde que entrou em vigor, a legislação tem sido aplicada sobretudo contra integrantes de regimes autoritários, organizações criminosas e terroristas, além de governos acusados de repressão, com alvos em países como Rússia, China, Irã, Afeganistão e Venezuela.

Para o pesquisador da Universidade Nacional da Austrália e autor do estudo, Anton Moiseienko, embora a sanção seja injustificada e o perfil de Moraes não guarde semelhança com os alvos tradicionais da Lei Magnitsky, uma eventual reversão tende a ser lenta: “O que constatamos é que raramente uma punição desse tipo é revertida e, quando ocorre, leva anos, com efeitos que podem continuar mesmo após a exclusão formal da lista”, afirma.

O professor de Direito Internacional da USP José Augusto Fontoura reforça a avaliação e ressalta que a revogação da medida dependerá de mudanças políticas nos Estados Unidos.

“Mesmo neste caso, com forte contestação diplomática, o processo de exclusão da lista pode demorar, talvez só ocorra em um próximo governo, e isso se o Brasil voltar a se aproximar dos Estados Unidos. Como se trata de uma aplicação excepcional, haveria margem para uma retirada também fora do padrão, mas não é esse o cenário mais provável”, afirma.

Moiseienko também chama atenção para outro entrave: a ausência de critérios claros e públicos para a retirada de nomes da lista. “A pesquisa aponta que não há transparência nos processos de revisão, que tendem a depender mais da conjuntura política nos EUA do que de parâmetros legais estabelecidos”, diz.

Além disso, os impactos da sanção se estendem muito além da inclusão formal na lista. Um dos efeitos mais temidos da lei é justamente o seu alcance no sistema financeiro global, o que levou especialistas a apelidá-la de “pena de morte financeira”. A medida exclui os atingidos não apenas do sistema bancário dos Estados Unidos, mas também compromete sua capacidade de realizar transações com instituições internacionais.

Essa ampliação do impacto também foi identificada pela pesquisa, pontua Moiseienko. “Mesmo sem exigência legal fora do território americano, bancos e empresas de outros países costumam adotar as mesmas restrições por precaução, com receio de sofrer sanções dos Estados Unidos”, ressalta.

O professor da FGV Guilherme Casarões explica que esse efeito cascata é recorrente, já que instituições estrangeiras buscam evitar qualquer risco de penalidades impostas pelos Estados Unidos, como multas.

Ele avalia que Moraes pode enfrentar barreiras semelhantes, mesmo diante do caráter excepcional da medida e de sua posição de ministro da Suprema Corte. “As entidades financeiras podem ficar com receio das sanções”, diz.

O caso do então senador dominicano Félix Bautista, que foi monitorado pelos pesquisadores, ajuda a dimensionar esse tipo de impacto. Embora tenha sido sancionado por corrupção em 2017 na República Dominicana, bancos e parceiros comerciais de países da América Central, do Caribe, da Europa e da Ásia passaram a encerrar contratos não apenas com ele, mas também com sua família, incluindo contas em nome da esposa e empresas controladas por seus filhos.

Aliados de Jair Bolsonaro têm tentado emular, no Brasil, o movimento visto no caso dominicano. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde março e intensificou articulações com autoridades americanas nesse período, vem sugerindo publicamente que a Magnitsky poderia ser estendida a familiares de Moraes.

O parlamentar é investigado pelo Supremo por atuar de forma coordenada com o pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, para pressionar a Corte por meio da imposição de sanções internacionais, com o objetivo de interferir no andamento da ação penal do golpe de Estado, no qual Bolsonaro é réu.

Casarões pondera, no entanto, que ainda não está claro se a sanção será ampliada. A eventual inclusão de familiares de Moraes dependerá de novas deliberações do governo americano, que poderá decidir estender a medida caso entenda que eles se beneficiam de ativos ou estruturas vinculadas ao ministro.

“Vamos ver como será tudo daqui em diante na prática. É uma situação excepcional, inédita para o Brasil e rara até mesmo no contexto internacional”, completa.

[Por: Estadão Conteúdo]

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