[Editada por: Marcelo Negreiros]
O Brasil debate sobre asilo e extradição, que envolvem política externa, mas tendem a ter grande repercussão na política doméstica, onde, nunca custa lembrar, a popularidade do presidente Lula não está nenhuma maravilha e o Supremo é alvo direto do bolsonarismo.
Além de o governo mandar avião da FAB buscar no Peru uma ex-primeira-dama condenada por corrupção, o STF cobra reciprocidade e nega a extradição para a Espanha de um búlgaro condenado por tráfico de drogas no país.
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante o desfile cívico-militar, de 7 de Setembro Foto: Wilton Junior/Estadão
Brasil e Peru são signatários da convenção de asilo diplomático da ONU, de 1954, que é justa, humanitária e tem sido bastante útil para acolher perseguidos políticos em governos autoritários, que ameaçam a segurança e até a vida de opositores. A questão é que Nadine Heredia e seu marido, o ex-presidente Ollanta Humala, que foi preso, não são alvo de perseguição política e sim condenados a 15 anos de prisão por corrupção.
A favor de Heredia e do asilo brasileiro, contam dois fatores: a ex-primeira-dama está doente, com câncer, e a atual presidente, a impopular Dina Boluarte, concedeu salvo conduto. Mas Lula precisava, mesmo, enviar um avião da FAB, pago com dinheiro público, para trazê-la de Lima a Brasília? Lula atraiu chuvas e trovoadas em plena frente já fria. As redes sociais, principalmente as bolsonaristas, já fazem um escarcéu em cima disso.
Para piorar, o casal foi condenado por receber o equivalente, hoje, a R$ 18 milhões para a campanha eleitoral, justamente da Odebrecht, atual Novonor, tão diretamente ligada a petrolão, Lava Jato e às agruras de Lula e do PT com a Justiça brasileira. Aliás, dos cinco ex-presidentes peruanos condenados por corrupção (até parecem ex-governadores do Rio…), quatro foram acusados de aceitarem propina da mesmíssima empreiteira brasileira. Alan Garcia se matou com um tiro na cabeça, Alejandro Toledo e Pablo Kuczynski continuam presos e Humala se reúne a eles agora.
No segundo caso, Brasil tem acordo de extradição com a Espanha, igualmente com ressalvas, mas a Justiça espanhola negou devolver o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, foragido desde 2023, alegando que o pedido de prisão feito pelo Supremo tem “evidente conexão e motivação política”, o que não é coberto pela lei do País e pelo acordo de extradição.
O que parece evidente, porém, é que a justiça espanhola está mal informada sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil, com participação ativa de blogueiros que atacavam urnas eletrônicas, processo eleitoral, Supremo, seus ministros e instituições em geral. Com um agravante que vai muito além de disputas políticas: entre as provas contra Eustáquio está a publicação de dados do delegado federal Fábio Shor no perfil da sua filha de Shor, menor de idade, após o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de dois mandados de prisão preventiva por ameaça, perseguição, incitação ao crime, associação criminosa e tentativa de abolir violentamente o Estado democrático de direito.
Em nome da reciprocidade – o que nos remete, acessoriamente, à lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula para reagir ao tarifaço de Trump – o ministro Alexandre de Moraes negou a extradição do búlgaro Vasil Vasilev, acusado de tráfico de drogas na Espanha. Mais ou menos assim: se Eustáquio não vem, Vasilev não vai.
Como o uso de avião da FAB para Nadine Heredia, a decisão de Moraes também sofre críticas. Segundo o diplomata aposentado Rubens Barbosa, que foi, inclusive, embaixador em Washington, quem negou a extradição de Eustáquio foi a Justiça espanhola, a questão está no âmbito judicial e Moraes não poderia ter pedido explicações diretamente à Embaixada da Espanha em Brasília, mas sim oficiado o Itamaraty, a quem caberia fazê-lo.
Conclusão: há argumentos, sim, tanto a favor do asilo para a ex-primeira dama peruana quanto para a negativa da extradição de Vasilev, mas talvez tenha faltado mais prudência ou rigor nas duas decisões. Num ambiente contaminado e polarizado como o atual, no Brasil e no mundo, tanto Lula quanto Alexandre de Moraes têm de ter cuidado para se preservar e preservar o principal: a democracia e a credibilidade das instituições.
[Por: Estadão Conteúdo]
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