[Editado por: Marcelo Negreiros]
O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 80ª Assembleia Geral da ONU, proferido nesta semana, revelou-se um marco calculado na estratégia de reeleição para 2026. Sob o manto de uma defesa genérica do multilateralismo, Lula ergueu uma narrativa de confronto com os Estados Unidos, uma jogada destinada a galvanizar sua base eleitoral. No entanto, a realidade geopolítica, personificada por um encontro casual e estratégico com Donald Trump, expôs as contradições e o isolamento dessa abordagem, deixando o presidente brasileiro em uma posição delicada.
A fala no plenário foi construída em dois eixos: a autovitimização do Brasil e a criminalização de seus críticos. Ao afirmar que o país sofre “medidas unilaterais e arbitrárias” e uma “agressão contra a independência do Poder Judiciário”, Lula dirigia-se claramente ao seu eleitorado interno. A menção a uma “extrema direita subserviente” é um código para o palanque doméstico, transformando um fórum global em plataforma para atacar adversários. O objetivo é claro: consolidar a imagem de um líder sitiado, defendendo a pátria de potências estrangeiras e de uma “elite golpista” local, um roteiro bem-sucedido em campanhas passadas.
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No plano internacional, o alinhamento com os rivais geopolíticos do Ocidente foi flagrante. A equiparação do conflito em Gaza a um “genocídio” e a afirmação de que sob os escombros palestinos está sepultado “o mito da superioridade ética do Ocidente” é uma das mais duras condenações já proferidas por um líder brasileiro, colocando-o em sintonia com os eixos antiamericanos. Da mesma forma, ao defender a retirada de Cuba da lista de patrocinadores do terrorismo e ao exigir, no contexto ucraniano, que se levem em conta “as legítimas preocupações de segurança de todas as partes” — um claro eco da narrativa russa —, Lula sinaliza qual bloco pretende liderar: o do Sul Global em contraposição ao equilíbrio de forças do Pós-Guerra.
Esta postura, no entanto, revela uma contradição flagrante: ao mesmo tempo em que condena supostas ingerências nos assuntos brasileiros, o presidente não hesita em discursar sobre os temas internos de outros países, praticando um ativismo internacional seletivo em defesa de aliados políticos ideologicamente alinhados. Até mesmo a agenda positiva apresentada — como o combate à fome e à crise climática — é instrumentalizada como pano de fundo para este projeto de poder, fazendo com que anúncios legítimos, como a saída do Brasil do Mapa da Fome e os preparativos para a COP30, percam força ao serem eclipsados por um discurso marcadamente acusatório.
O encontro na ONU
A estratégia, porém, durou poucas horas. Nos bastidores, o acaso promoveu um choque de realidade. Ao se cruzarem, Lula e Trump travaram um encontro de 20 segundos que falou mais que o discurso de uma hora. O abraço e a rápida marcação de um encontro para a próxima semana, narrados com perspicácia pelo presidente norte-americano, foram um golpe de mestre típico de Trump. Ele reconheceu a “química excelente” de 39 segundos, mas foi rápido em lembrar, logo em seguida, as tarifas impostas pelo Brasil no passado e a suposta incapacidade do país de “se sair bem” sem os EUA. Trump, com habilidade negociadora, abriu uma porta de diálogo justamente após intensificar a pressão econômica, deixando Lula encurralado.
A confusão estratégica para o presidente brasileiro é evidente. Como conciliar a retórica de confronto, essencial para animar sua base ideológica, com a necessidade pragmática de negociar com o mesmo país que ele acabara de criticar frontalmente? A reação imediata dos mercados — com a Bolsa de Valores subindo e o dólar caindo ante a simples perspectiva de diálogo — é um sinal claro de que a comunidade econômica anseia por pragmatismo, não por embates.
O timing não poderia ser mais revelador. Em 2025, com o olho fixo nas eleições de 2026, Lula precisa reativar a mobilização de sua base. O discurso na ONU foi a peça central dessa estratégia. No entanto, a astúcia de Trump obriga-o agora a um malabarismo perigoso: negociar com o “império” que denuncia, arriscando desmobilizar seu eleitorado cativo, ou manter a rigidez e aprofundar o isolamento e os danos econômicos. A aposta na retórica do conflito mostrou-se um jogo de risco elevado. Lula, que aspirava a ser uma ponte, pode sair dessa semana não como líder, mas como um ator confuso, forçado a negociar com a potência que escolheu como adversária no palco mundial.
Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e presidente-executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro e diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Mestre em ação política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.
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