[Editada por: Marcelo Negreiros]
Nota da redação: Esta é a última coluna de J.R. Guzzo para o Estadão. O texto foi escrito e enviado à redação na sexta, prática rotineira do jornalista, que também escrevia às quartas-feiras. Guzzo morreu na madrugada deste sábado, vítima de infarto.
A primeira vítima das tiranias, pelo que comprova a experiência dos últimos 2.000 anos, costuma ser a verdade – se bem que tantas misérias costumam chegar juntas, nesses casos, que fica difícil cravar as top 10. O efeito mais visível é a pane geral nos circuitos cerebrais onde se produz o pensamento racional. O debate político cessa de emitir sinais de vida inteligente.
É precisamente o que está acontecendo neste momento de escuridão que cerca o mais vicioso conflito jamais surgido nas relações do Brasil com a maior potência econômica, militar e política do mundo. Os Estados Unidos, dentro das suas leis, aplicaram punições ao Brasil pelo que estimam ser o comportamento delinquente do governo e do ministro Alexandre de Moraes. A reação oficial brasileira é um hino contra a razão.
Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso ladeando o presidente Lula durante o desfile de 7 de Setembro do ano passado Foto: Wilton Júnior/Estadão
Em nenhum aspecto do contencioso o Brasil de Brasília e o seu sistema de propaganda estão construindo uma calamidade tão reles quanto no pacto anormal que têm com o ministro Moraes. O governo brasileiro decidiu que Moraes, cujas decisões e conduta são o verdadeiro motivo pelo qual os americanos adotaram as sanções, está acima das obrigações humanas, como os arcanjos e os profetas. O Brasil é o ministro. O ministro é o Brasil.
Não chega a ser uma ideia; é apenas uma proposição estúpida. Por conta dela, todo cidadão brasileiro está no dever cívico, quase legal, de apoiar o ministro nas suas desventuras com a lei americana – e nas decisões em que viola a lei brasileira. Não importa o que tenha feito na sua função. Ou você fica do lado dele, e do que ele faz – ou então é linchado como traidor da pátria, sabotador do Brasil e inimigo da soberania nacional. É dessa descompensação que sai a última causa da esquerda nacional, como o “Sem Anistia” e outros naufrágios: “Mexeu com o Xandão, mexeu com os brasileiros”.
Com os “brasileiros”? Que brasileiros, cara pálida? Mexeu nada. Só mexeu com o próprio Moraes. Os crimes de que é acusado pelo governo americano – e que o jogam na escória mundial dos torturadores, assassinos em massa, genocidas, terroristas, criminosos de guerra etc. etc. – não têm absolutamente nada a ver com os “brasileiros”. Têm a ver apenas com Moraes e com os seus cúmplices. Não são problema seu. São problema deles.
Não foi você, nem Donald Trump, que abriu ilegalmente um inquérito policial que já dura seis anos, serve de caixa de ferramentas para todo tipo de repressão e torna ilegal tudo o que deriva dele – como os processos do golpe. Não foram os “brasileiros” que condenaram a 17 anos de prisão a moça do batom. Não fomos nós que levamos à morte o “Clezão”. Por que temos de pagar pelo que ele fez?
[Por: Estadão Conteúdo]
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.