[Editado por: Marcelo Negreiros]
Um presidente de país latino-americano que ganhava cada vez mais fama por seu discurso inflamado contra os Estados Unidos. O cenário, que parece remeter ao Brasil de 2025, também representou o que ocorreu na Venezuela há quase 20 anos, com o ditador Hugo Chávez.
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Em setembro de 2008, Chávez (1954-20013) resolveu subir o tom contra aqueles que resolveu definir publicamente como “ianques de merda”. Na ocasião, o líder bolivariano expulsou o embaixador dos EUA em Caracas, Patrick Duddy.
“Já basta de tanta merda de vocês”, esbravejou o ditador, que, tal qual petistas e integrantes do atual governo federal brasileiro, tentou culpar os norte-americanos por problemas internos. “Aqui há um povo digno, ianques de merda.”
O embate diplomático foi apenas um capítulo. Ao longo de sua trajetória como líder do regime que implantou o socialismo na Venezuela, Chávez acumulou críticas aos EUA. Para ele, tratava-se de defender a “soberania” de seu país.
Em defesa da “soberania” brasileira
Ultimamente, a alegada defesa da soberania também se faz presente nas falas do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e de seus aliados. Assim como foi no caso de Hugo Chávez, o governo norte-americano é o alvo das críticas, que aumentaram a partir das tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump. No mês passado, o republicano anunciou taxar em 50% os produtos importados do Brasil. As medidas vão entrar em vigor a partir de 7 de agosto.
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O tarifaço, além das críticas de Trump ao processo movido contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, serviram para Lula ampliar a sua conduta antiamericana. Postura que o chefe do Palácio do Planalto não fez questão de tentar omitir em pronunciamento que fez na rede nacional de rádio e televisão na noite de 17 de julho.
“Fizemos mais de dez reuniões com o governo dos Estados Unidos e encaminhamos, em 16 de maio, uma proposta de negociação, esperávamos uma resposta”, disse o petista. “O que veio foi uma chantagem inaceitável, em forma de ameaça às instituições brasileiras.”
No mesmo pronunciamento, Lula definiu a tarifa imposta por Trump como “ataque” ao Brasil. De acordo com ele, esse problema ocorreu com a ajuda de políticos brasileiros, a quem classificou de “verdadeiros traidores da pátria”.
O pronunciamento transmitido para o Brasil inteiro no último dia 17 passou longe de ser um ato isolado por parte de Lula. Não é de longe que ele faz questão de criticar, acusar e até ofender Trump. Algo que ocorre desde antes do anúncio do tarifaço.
Em novembro de 2024, dias antes da eleição norte-americana que selou a volta de Trump à Casa Branca, Lula declarou apoio à candidata Kamala Harris, do Partido Democrata, e sugeriu que a vitória do republicano representaria o retorno do “nazismo e do fascismo” ao poder. Além disso, nesta semana, o portal Metrópoles divulgou um compilado com dez momentos em que o petista reclamou — ou até mesmo ofendeu — publicamente do presidente dos EUA.
Hugo Chávez, Lula e o Foro de São Paulo
O discurso antiamericanismo de Lula vai além de ter em Hugo Chávez uma inspiração. Esse mecanismo conta com apoio institucional da entidade que o brasileiro, ao lado de outros líderes de esquerda da América Latina, criou em 1990: o Foro de São Paulo.


Criação da esquerda latino-americana, o Foro de São Paulo, que tem entre seus associados o Partido Comunista de Cuba e o Partido Socialista Unido da Venezuela (que abrigava Chávez), fez coro às críticas de Lula a Trump. Em nota, o grupo chamou a tarifa imposta pelo governo norte-americano como “lógica imperialista”. E ainda teve tempo de culpar os EUA por problemas gerados por medidas alinhadas ao comunismo e socialismo em nações da América Latina.
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“Não é novidade para a América Latina, com expressivos exemplos como o bloqueio econômico de mais de 60 anos a Cuba, as sanções e medidas coercitivas unilaterais contra a Venezuela, a pressão junto ao governo do Panamá sobre empresas que prestam serviços no Canal do Panamá, além de tantos outros exemplos ao redor do mundo”, afirmou a secretaria executiva do Foro de São Paulo, em comunicado divulgado em 12 de julho com o sugestivo título “Não aceitaremos intervenções em nossos países!”. O ponto de exclamação é do texto original.
Intervenções externas “do bem”
Entretanto, para o Foro de São Paulo, parece que há intervenções que podem ser feitas em países latino-americanos. O grupo não criticou o fato de, no início de julho, o presidente brasileiro ter pedido a libertação da ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Ela cumpre prisão domiciliar em razão de condenação por corrupção.


Também não houve manifesto por parte do Foro de São Paulo quando, em abril, o governo Lula mandou um avião da Força Aérea do Brasil para buscar em Lima a ex-primeira-dama peruana Nadine Heredia. O petista concedeu asilo político à aliada, que a Justiça do Peru condenou a 15 anos de prisão por esquema de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht.


Venezuela: de Hugo Chávez ao declínio
Para servir de alerta a Lula e ao governo federal em geral, indicadores socioeconômicos demonstram não ser uma boa ideia fazer o que Hugo Chávez fez por anos, de entrar em conflito, mesmo que no campo diplomático e dos discursos, contra os EUA. Desde que o déspota assumiu o poder em 1999 e se deu a missão de implantar o que batizou de “revolução bolivariana”, a economia da Venezuela entrou em declínio. Problema que persiste sob comando de Nicolás Maduro.
“O padrão de vida na Venezuela, rica em petróleo, despencou impressionantes 74% entre 2013 e 2023”, afirma o Economics Observatory, em registro de setembro do ano passado. “Esta é a quinta maior queda no padrão de vida na história econômica moderna.”
Segundo levantamento do economista-chefe da agência classificadora Austin Rating, Alex Agostini, o produto interno bruto da Venezuela caiu de cerca de US$ 260 bilhões em 2013 para menos de US$ 100 bilhões dez anos depois. À catástrofe econômica, soma-se às crescentes denúncias de crimes contra a humanidade (segundo a Organização das Nações Unidas), censura, prisões de opositores ao regime e realização de eleições fraudulentas.
Leia também: “O ditador de Lula”, reportagem de Cristyan Costa publicada na Edição 228 da Revista Oeste
A situação econômica venezuelana é tão crítica que o próprio ditador de plantão passou a assumir publicamente algumas questões. Somente em 2025, Maduro já decretou estado de emergência econômica e, com risco de apagões, reduziu a jornada de trabalho do funcionalismo público de 40 para menos de 15 horas semanais. Também neste ano, a dívida da Venezuela com o Brasil ultrapassou a barreira dos R$ 10 bilhões — e sem Lula definir isso como “ataque” à economia brasileira.
Jabuticaba e truco
Mesmo diante dos fatos, em vez de ver em Nicolás Maduro e Hugo Chávez o que não fazer, sobretudo nas relações com os EUA, que, além de tudo, são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, Lula preferiu o confronto e as críticas ao governo norte-americano. Sem negociar efetivamente a redução da tarifa, que pode impactar diversos segmentos da economia nacional, o petista resolveu ironizar. Desde que houve o anúncio do tarifaço, já ofereceu jabuticaba a Trump, a quem sinalizou querer resolver a situação com um jogo de truco. O problema é que a Venezuela dos tempos atuais é a prova de que os Estados Unidos costumam levar a melhor na “trucada”.
Leia também: “A ‘democracia’ dos autoritários”, reportagem de Uiliam Grizafis publicada na Edição 280 da Revista Oeste
[Oeste]
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