O que causa a dislexia? Pesquisa com 1,2 milhão de pessoas aponta pistas genéticas

Ler parece uma atividade automática para a maioria das pessoas. No entanto, para quem tem dislexia, transformar símbolos em palavras pode ser um desafio diário, acompanhado de tropeços na leitura, na escrita e até na compreensão de instruções verbais.

Mais do que uma dificuldade escolar, trata-se de uma condição do neurodesenvolvimento que pode marcar a vida acadêmica, profissional e pessoal de quem convive com ela. Em alguns, aparece logo na alfabetização; em outros, só se revela diante de demandas mais complexas, como interpretar textos longos ou produzir redações.

O impacto também é variável, indo de casos leves – muitas vezes nunca diagnosticados – a situações graves que exigem apoio pedagógico especializado. No total, cerca de 1 em cada 10 pessoas no mundo é afetada, o que corresponde a aproximadamente 814 milhões de pessoas.

Esse alcance global ajuda a explicar o esforço da ciência em compreender melhor as raízes da dislexia. Um estudo recém-publicado na revista Translational Psychiatry apresenta o maior levantamento genético já feito sobre a condição.

Liderada pela geneticista molecular Hayley Mountford, da Universidade de Edimburgo, a pesquisa reuniu dados genômicos de mais de 1,2 milhão de pessoas. O trabalho identificou 80 regiões do DNA associadas à dislexia, incluindo 36 não descritas anteriormente e, dentro desse grupo, 13 nunca antes ligadas à condição.

Compartilhe essa matéria via:

Continua após a publicidade

Estudos com gêmeos já haviam mostrado que a dislexia tem forte base genética, com estimativas de hereditariedade variando entre 40% e 60%. Faltava, no entanto, compreender quais genes estariam envolvidos. Até pouco tempo, os estudos genômicos sobre o tema esbarravam em amostras pequenas.

Para superar essa limitação, os cientistas combinaram dois grandes conjuntos de dados: um levantamento da empresa 23andMe, com 51,8 mil casos de dislexia autodeclarada e mais de 1 milhão de controles; a meta-análise do consórcio GenLang, com 27 mil indivíduos avaliados em testes de leitura de palavras.

Usando uma técnica chamada análise multivariada de associação genômica (MTAG), que integra resultados de diferentes estudos para aumentar a potência estatística, os pesquisadores chegaram a uma amostra efetiva de mais de 1,22 milhão de participantes.

Os genes em destaque

Entre as novas regiões genéticas encontradas, muitas estão relacionadas ao desenvolvimento precoce do cérebro, em especial à formação de circuitos neuronais. Algumas delas também se sobrepõem a genes associados ao TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), condição que frequentemente ocorre em conjunto com a dislexia.

Continua após a publicidade

O estudo também observou correlações genéticas com nível educacional, desempenho cognitivo e até mesmo com condições de dor crônica. Embora o mecanismo ainda não esteja claro, a sobreposição sugere que fatores biológicos comuns possam influenciar tanto as diferenças de leitura quanto a sensibilidade à dor.

Outro ponto relevante foi a análise em genomas antigos. A equipe investigou se, ao longo dos últimos 15 mil anos, houve algum tipo de seleção evolutiva relacionada à dislexia. O resultado foi negativo: não há evidências de que pressões seletivas tenham atuado sobre esses genes em populações europeias recentes.

Segundo os autores, os resultados reforçam a ideia de que a dislexia não deve ser vista como uma condição isolada, mas como a extremidade de um espectro contínuo de habilidades de leitura presentes na população. Em outras palavras, trata-se de uma variação dentro do desenvolvimento humano, fortemente modulada por fatores genéticos.

As análises também permitiram construir índices poligênicos – combinações de múltiplos marcadores genéticos que, juntos, ajudam a prever a probabilidade de dificuldades de leitura em diferentes indivíduos.

Continua após a publicidade

Testados em uma amostra independente do Reino Unido, esses índices foram capazes de explicar até 4,7% da variação no desempenho de leitura. Embora ainda modesto, esse valor representa um passo importante para pesquisas futuras.

Ainda distante de aplicações clínicas diretas, o estudo abre caminho para compreender melhor as bases biológicas da dislexia e, futuramente, aprimorar métodos de diagnóstico precoce e apoio educacional.

Para Mountford e colegas, os achados demonstram a força de estudos genômicos em larga escala: ao integrar informações de milhões de pessoas, foi possível identificar pistas genéticas que antes passavam despercebidas. “Esse é apenas o começo de uma compreensão mais profunda sobre como fatores biológicos moldam nossa capacidade de ler”, escreveram os autores.

[Por: Superinteressante]

Source link


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente a matéria:

Rolar para cima