[Editada por: Marcelo Negreiros]
BRASÍLIA — A megaoperação deflagrada pelo governo fluminense nesta terça-feira, 28, contra o Comando Vermelho (CV) teve efeitos para além das 64 mortes e do cenário de guerra no Rio de Janeiro. Ela causou um tremor político que chegou à Brasília e mexeu com a agenda de autoridades, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está fora do País.
A ação comandada pelo governador Cláudio Castro (PL) desembocou em contenda política com o governo federal, antecipou a disputa eleitoral de 2026 e pôs de novo a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública no radar.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Nesta manhã, cerca de 2,5 mil policiais civis e militares foram às ruas para tentar frear o avanço da principal facção do Estado e prender alguns de seus membros. Oitenta e um suspeitos foram presos, de acordo com dados do governo estadual, e quatro agentes morreram. Trata-se da operação mais letal da história do Rio.
O Palácio do Planalto começou a ser dragado para o episódio na medida em que autoridades envolvidas na ação faziam declarações à imprensa. O caso repercutiu no exterior às vésperas da COP-30.
Primeiro, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, disse em entrevista à TV Globo que o seu Estado não tem condições de enfrentar sozinho o crime organizado e que o Palácio Guanabara solicitou ajuda federal em uma operação anterior contra o CV, mas teve o pedido negado.
Depois, Castro, do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), disparou as acusações contra o governo Lula numa entrevista ao dizer que está “sozinho” nessa luta, uma vez que vem tendo pedidos de ajuda federal negados pelo governo Lula.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelas diretrizes de segurança pública a nível nacional, pela coordenação da Força Nacional e pelo comando da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, respondeu que nunca negou socorro ao Rio de Janeiro.
Em seguida, o próprio ministro Ricardo Lewandowski abriu uma brecha numa agenda no Ceará para vir a público e dizer que, ainda que o governo federal tenha contribuído com a gestão Castro em diversas frentes, a responsabilidade da segurança pública nos Estados é constitucionalmente dos governadores. E alfinetou: “o combate à criminalidade se faz com planejamento, inteligência e coordenação”.
Na noite desta terça-feira, os principais atores políticos do País, em especial aqueles eleitos pelo Rio de Janeiro, haviam colocado o pé no campo da discussão. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou que o Congresso Nacional “acompanha, com atenção e preocupação, os graves acontecimentos” e manifestou tanto apoio à ações das forças de segurança quanto solidariedade às famílias das vítimas.
Após a crise respingar no governo federal com as acusações de Castro, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) convocou uma reunião de emergência com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) e técnicos dos ministérios da Justiça e da Defesa. O objetivo era debater uma resposta federal ao episódio.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aliado de Castro, aproveitou a deixa e publicou um vídeo ajudando a empurrar para o colo do Palácio do Planalto o estrago da megaoperação. Ele publicou um vídeo intitulado “Lula abandonou o Rio de Janeiro” em que demonstra apoio ao governo fluminense e defende a aprovação de projetos no Congresso para endurecer penas para criminosos.
“Hoje, mais uma vez, os nossos policiais não tiveram nenhum apoio do governo federal. Isso só reforça o que o Lula pensa do combate ao crime organizado. Não foi da boca para fora que ele afirmou que traficantes são vítimas dos usuários de drogas”, declarou, fazendo referência à gafe cometida pelo presidente na viagem à Malásia.
A base governista, por sua vez, partiu para cima de Castro, afirmando que o governador tenta antecipar a eleição de 2026 ao puxar Lula para dentro da crise da segurança no Rio.
“Essa fala do Castro é eleitoreira. Ele quer continuar flertando com a extrema direita, que tem na violência um de seus métodos e seus temas fundamentais, e tenta atingir o governo Lula. É irresponsabilidade (deixar) o Estado do Rio paralisado e o governador fazer campanha eleitoral antecipada”, afirmou o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ) ao Estadão.
O cenário de guerra no Rio deu novos holofotes à PEC da Segurança Pública, principal aposta do governo Lula para o enfrentamento à criminalidade — atribuição delegada aos governadores pela Constituição Federal de 1988. O projeto está em banho-maria no Congresso em meio à má vontade da oposição em apreciá-lo.
Nas redes sociais, Gleisi mencionou a operação no Rio para defender a proposta. Ela afirmou que “os violentos episódios desta terça-feira no Rio, com dezenas de mortes, inclusive de policiais, bloqueio de rodovias e ameaças à população”, ressaltam a urgência da aprovação da PEC.
“Ficou mais uma vez evidente a necessidade de articulação entre forças de segurança no combate ao crime organizado. É isso que o governo do presidente @LulaOficial propõe na PEC da Segurança Pública: uma grande articulação com os governos estaduais, em que somente o crime sairá perdendo”, escreveu ela.
No meio do cabo de guerra sobre culpa e responsabilidade entre diferentes grupos políticos, especialistas veem a discussão sobre segurança pública pautada pelo viés político-ideológica. Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, vê nas alegações de Castro sobre pedidos de ajuda negados uma diferença de abordagem entre as duas esferas no combate ao crime, uma vez que o governo Lula não costuma concordar com ações bélicas dessa natureza.
Carolina afirma que megaoperações como a desta terça-feira não desmontam a estrutura do crime organizado e a cadeira produtiva da droga. Apesar das apreensões, a dinâmica do crime volta ao normal em pouco tempo, diz ela, e há muitas mortes envolvidas, além do impacto para a população local.
“Parece fácil tirar a responsabilidade das próprias costas. Mas eu me pergunto: qual é o investimento que Castro tem feito na delegacia especializada em armas (Desarme)? Como ela está trabalhando com a Polícia Federal para desbaratar os fluxos de chegada de armas no Rio? Mesmo com uma operação dessa, talvez devesse ter tido um outro tipo de planejamento, porque foi uma operação fracassada”, afirma ela.
[Por: Estadão Conteúdo]
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