Quadriciclo, pista de piçarra, vala comum, aluguel; o que alegam os juízes da Operação 18 Minutos

[Editada por: Marcelo Negreiros]

O desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, do Tribunal de Justiça do Maranhão, alvo da Operação 18 Minutos – investigação que pega outros três desembargadores e três juízes de primeiro grau – afirma que ‘pelo simples fato’ de ter sido relator de uma apelação cível foi acusado de ligação com organização criminosa para fraudar o Banco do Nordeste em R$ 17 milhões. Ele diz que foi jogado na ‘vala comum’.

Sobre a informação de ter construído um aeródromo em uma fazenda de sua propriedade em Guimarães, pequeno município com 12 mil habitantes, a 140 quilômetros de São Luís, o que pode indicar ‘patrimônio incompatível com a renda’, segundo os investigadores, Guerreiro afirma que o imóvel foi adquirido nos anos 1980, ‘devidamente registrado e declarado’

Segundo ele, ‘o aeródromo, na verdade, é uma pequena pista de pouso’. Foi construído em área que teria cedido em ‘benefício de toda a região’. “Não se trata de aeródromo, mas apenas pista de pouso em piçarra (fragmentos de rocha), medindo 800x18m, sem iluminação, operação exclusivamente diurna, sem farol de aeródromo, sem indicador de direção de vento, sem luzes de borda da pista, de eixo, zona de toque e borda de pista de táxi, sem qualquer estrutura de hangar.”

“Apenas e tão-somente uma pista de pouso em piçarra, nada mais que isso!”, ele garante. “[…] Ora, quisesse viver à margem da legalidade, ocultar alguma atividade ilícita, ou deixar que sua propriedade servisse a atividades criminosas, oriunda de ‘organização criminosa’, teria procurado a autoridade competente para legalizar e registrar a ‘pista de pouso’ existente em sua terra, autorizando que servisse a toda população da baixada maranhense que precise se deslocar a partir daquela localidade?”

Sobre a suspeita de que uma empresa ligada a um seu assessor teria recebido pelo menos R$ 169,5 mil de um dos principais executores da distribuição de dinheiro no esquema de corrupção no Tribunal, ele garante. “Não possuo qualquer vínculo com essa empresa, dedico-me exclusivamente à magistratura.”

Sidney Cardoso Ramos, juiz de primeiro grau, aposentado, também citado na 18 Minutos, diz que R$ 5 mil que caíram em sua conta sem identificação do depositante foram fruto da venda de um quadriciclo.

Cristiano Simas, magistrado de primeira instância, critica a ‘ausência de proporcionalidade e atualidade nas medidas cautelares impostas, como o afastamento do cargo, a quebra de sigilos bancário e fiscal desde 2015 (período em que ‘sequer atuava na comarca investigada’), e a interceptação telefônica ‘em momento em que não exercia jurisdição sobre os processos em apuração’.

As medidas, segundo sua defesa, configuram verdadeira ‘fishing expedition’. “Uma devassa genérica e sem causa provável, violando direitos fundamentais como o devido processo legal, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana”, protesta.

Valores encontrados em sua conta, segue a defesa, ‘são compatíveis com seus rendimentos, devidamente declarados à Receita Federal e ao Tribunal de Justiça’. Nega ‘qualquer vínculo pessoal, profissional ou familiar com os demais investigados, tampouco qualquer elemento que indique adesão a organização criminosa’.

Sua atuação, insiste a defesa, ‘foi pautada pela legalidade, pela boa-fé e pela observância dos princípios constitucionais, sua inclusão no inquérito se deu por especulação, sem qualquer suporte probatório mínimo’.

A juíza Alice de Souza Rocha, por seu lado, afirma que ‘proferiu decisão reconhecendo a existência de dúvidas acerca do cálculo do valor remanescente, determinando a remessa dos autos à Contadoria e que jamais deu celeridade incomum ao processo nem atuou de forma parcial’. Sustenta que a interpretação dada no relatório da Polícia Federal ‘é completamente descontextualizada, o que a prejudicou sobremaneira’.

O desembargador Marcelino Chaves Éverton falou sobre depósitos em espécie em sua conta. Alega que ‘os valores recebidos em datas próximas às decisões investigadas são baixos e rotineiros, relacionados a transações familiares e comerciais, como aluguel de imóvel, não havendo qualquer prova de que tais depósitos estejam vinculados a atos processuais suspeitos, sendo a correlação meramente temporal insuficiente para configurar indício de ilicitude’.

Em comum

Guerreiro, Simas, Sidney, Alice e Marcelino têm algo em comum. São todos juízes e alvos da Operação 18 Minutos, investigação da Polícia Federal sob tutela do Superior Tribunal de Justiça que indica o suposto envolvimento deles e de outros magistrados em um suposto esquema de venda de sentenças na Corte maranhense.

Ao todo, são quatro desembargadores e três juízes de primeira instância sob suspeita.

As alegações dos magistrados constam de suas manifestações perante o Conselho Nacional de Justiça, colegiado que colocou o caso em pauta para eventual instauração de um processo administrativo disciplinar que poderá culminar em sanções disciplinares aos magistrados – sem prejuízo de uma eventual ação criminal no STJ. O julgamento no CNJ foi interrompido por um pedido de vista.

O Estadão teve acesso às defesas de todos – formalmente acusados pela Procuradoria-Geral da República de corrupção, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

São acusados os desembargadores Nelma Celeste Sousa Silva Sarney Costa (cunhada do ex-presidente José Sarney), Marcelino Everton Chaves, Antônio Pacheco Guerreiro Júnior e Luiz Gonzaga Almeida Filho e os juízes de primeiro grau Sidney Cardoso Ramos (aposentado), Alice de Sousa Rocha e Cristiano Simas de Sousa, e, ainda, os ex-assessores Lúcio Fernando Penha Ferreira, Paulo Martins de Freitas Filho e Zely Reis Brown Maia.

Os desembargadores e os juízes estão afastados cautelarmente das funções públicas por um ano, prorrogável. A eles também foi imposta a proibição de acesso às dependências do Tribunal maranhense e de uso de bens ou serviços da Corte; proibição de contato com demais investigados e servidores; busca e apreensão em suas residências, gabinetes e endereços funcionais; quebra de sigilos bancário, fiscal e telemático; sequestro e indisponibilidade de bens, incluindo imóveis, veículos e ativos financeiros.

A Operação 18 Minutos ganhou esse nome por causa do tempo relâmpago – 18 minutos – entre decisões judiciais relativas ao Banco do Nordeste e o saque de quantias milionárias em suposto benefício do grupo de magistrados.

Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) do COAF – órgão de inteligência financeira – indicaram ‘transações suspeitas’ e apontaram para a ocorrência de diversas movimentações atípicas de levantamento de alvarás em processos fraudulentos, em prejuízo do Banco do Nordeste do Brasil, ‘mediante decisões judiciais suspeitas’.

As decisões teriam acolhido ações de interesse do advogado Francisco Xavier de Sousa Filho, ex-funcionário da instituição financeira, que postulava direito de crédito relativo a suposta verba honorária.

Segundo a PF, o pedido foi deferido de forma fraudulenta. Uma primeira ordem judicial foi expedida para levantamento do montante de R$ 14,16 milhões, valor que teria sido distribuído à organização criminosa formada por desembargadores, juízes, advogados, ex-assessores dos magistrados e operadores financeiros. Posteriormente, o banco ‘apresentou notícia crime e informou que o grupo criminoso teria iniciado nova empreitada delitiva’.

Nessa segunda ofensiva, o grupo teria ensejado a penhora de R$ 4,85 milhões.

Além do processo judicial relativo aos R$ 14,16 milhões, os investigadores constataram com espanto a expedição de alvará de liberação no valor de R$ 3,43 milhões no dia 17 de março de 2023, embora um pouco mais demorada – a decisão judicial foi publicada às 10h18, o alvará assinado às 11h24 e Francisco Xavier, o ex-advogado do BNB e autor da ação, chegou à agência bancária para realizar o saque naquele mesmo instante, às 11h24 do mesmo dia.

No âmbito do inquérito sob condução do STJ, foi decretado o afastamento dos desembargadores e magistrados de seus respectivos cargos, além das outras medidas cautelares, como quebra de sigilos telefônico, telemático, bancário e fiscal dos envolvidos.

O inquérito no STJ está sob a relatoria do ministro João Otávio de Noronha.

O Tribunal de Justiça do Maranhão apresentou informações relativas aos procedimentos disciplinares correlacionados aos fatos no âmbito da Corregedoria local. A presidência do TJ relatou que todos esses procedimentos foram arquivados e que ‘o cenário de supostas condutas ilegais praticadas por membros deste Tribunal de Justiça apenas viera à tona após as devidas diligências oriundas da investigação’.

Seis dias, não seis horas

O desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho sustenta que, ‘diferentemente do que consta do inquérito, a decisão proferida no julgamento de uma exceção de suspeição não ocorreu apenas em 6 horas, mas sim 6 dias após a sua distribuição e no dia seguinte à sua conclusão, não tendo o Banco do Nordeste apresentado nenhum recurso’.

Ele destaca que a questão já teria sido analisada no âmbito de Reclamação Disciplinar pelo CNJ, ‘que entendeu inexistir qualquer ilegalidade ou atuação parcial, operando-se, inclusive, a coisa julgada administrativa’

“Aduz que, quando do julgamento da apelação n. 34.227/2019, atendendo uma convocação para compor a Câmara Cível, em razão da suspeição da desembargadora Maria das Graças Duarte Mendes, atuou apenas acompanhando o voto do relator, tendo sido o acórdão, inclusive, confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça”, segue a defesa. “Tais circunstâncias demonstram inexistir qualquer infração aos deveres funcionais.”

‘Valores baixos’

O desembargador Marcelino Chaves Everton nega ter violado a regra de prevenção. Segundo ele, a distribuição dos autos foi feita automaticamente pelo sistema do Tribunal de Justiça, ‘sem qualquer interferência sua’. Diz que, ao tomar ciência da prevenção de outro desembargador, ‘encaminhou os autos imediatamente ao magistrado competente’.

Afirma, ainda, que indeferiu pedido liminar e apenas determinou o envio dos autos à Corregedoria, conforme previsão regimental. Diz que atuou como plantonista conforme escala oficial e que sua decisão de solicitar informações à autoridade coatora antes de apreciar a liminar foi um procedimento regular e prudente. “A liminar, posteriormente, foi indeferida por outro desembargador, reforçando a legalidade de sua conduta.”

Quanto a depósitos em espécie, o magistrado alega que ‘os valores recebidos em datas próximas às decisões investigadas são baixos e rotineiros, relacionados a transações familiares e comerciais, como aluguel de imóvel, não havendo qualquer prova de que tais depósitos estejam vinculados a atos processuais suspeitos, sendo a correlação meramente temporal insuficiente para configurar indício de ilicitude’. ‘Leviandade’

Nelma Sarney Celeste, desembargadora, demonstra indignação e afirma que a ‘leviandade que permeia as imputações de falta funcional a ela atribuídas pelo Banco do Nordeste fica ainda mais evidente no que se refere às supostas irregularidades na condução do Processo nº 084724-25.2021.8.10.0001’.

“Isso porque minha atuação no feito se limitou ao julgamento da Apelação Cível 34227/2019, no qual funcionei como vogal e apenas acompanhei o voto do relator, concordando com a fundamentação eminentemente jurídica nele exposta”, assinala.

Ela ressalta que ‘a decisão proferida em referido julgamento, além de ter sido unânime, foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça’.

“Não bastasse isso, convém observar que por meio de tal julgamento reformou-se a sentença proferida pela dra Alice Rocha, fato que se revela absolutamente contraditório ao suposto conluio formado desde o processo anterior para fins ilícitos.”

[Por: Estadão Conteúdo]

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