[Editada por: Marcelo Negreiros]
BRASÍLIA — O comunicado publicado pelo governo dos Estados Unidos, nesta quarta-feira, 30, para anunciar as tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros coloca o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes como inimigo, atribui a decisão a ordens judiciais direcionadas a plataformas digitais no Brasil e traz as digitais de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo no texto. O comunicado reforça o recado dado com a aplicação, horas antes, da Lei Magnitsky sobre Moraes.
Antes de publicar o decreto detalhando o tarifaço e os bens brasileiros que devem se livrar do imposto, a Casa Branca divulgou uma nota de aproximadamente 5 mil caracteres intitulada “Presidente Donald Trump aborda ameaças do governo brasileiro aos Estados Unidos”.
O presidente americano, Donald Trump, passou recados políticos no comunicado sobre o tarifaço contra produtos brasileiros Foto: Joyce N. Boghosian
O comunicado diz que as tarifas servem para lidar com “ações do governo do Brasil” contra a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos — entretanto, nenhuma medida descrita é de responsabilidade do Poder Executivo brasileiro.
Apesar de se tratar de um texto relacionado à tributação comercial e a questões de soberania, o governo americano relatou sobretudo episódios concernentes ao Poder Judiciário brasileiro e à aplicação das leis no sistema democrático nacional. Não cita nenhuma medida comercial tomada pelo Brasil que possa ter prejudicado a economia americana.
Trump primeiro cita o julgamento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é réu no STF, acusado de tentativa de golpe de Estado, e chama as prisões dos bolsonaristas que atacaram os Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 de “sérios abusos de direitos humanos”. Bolsonaro é mencionado nominalmente.
Em seguida, Trump aborda, de forma genérica, decisões judiciais direcionadas por Moraes às plataformas digitais — mas que foram tomadas pelo americano como se fossem atos do presidente da República:
“Recentemente, membros do governo do Brasil tomaram medidas sem precedentes para coagir de forma tirânica e arbitrária empresas dos EUA a censurar discursos políticos, banir usuários da plataforma, entregar dados confidenciais de usuários dos EUA ou alterar suas políticas de moderação de conteúdo sob pena de multas extraordinárias, processo criminal, congelamento de ativos ou exclusão completa do mercado brasileiro”, publicou a Casa Branca.
Em agosto de 2024, Moraes intimou o bilionário Elon Musk, dono da rede social X, a nomear um novo representante legal no Brasil, para que pudesse seguir com as obrigações de atender às determinações da Corte. O ministro o advertiu que, se a ordem não fosse seguida, ele poderia suspender as atividades da plataforma no Brasil.
Dias atrás, o X tinha fechado o escritório no País alegando que Moraes ameaçara os representantes de prisão. A empresa acumulava multas não pagas aplicadas pela Justiça, após se recusar a entregar dados de usuários que faziam parte de uma investigação sigilosa no STF contra ataques à democracia. Meses depois, Musk foi alçado à cúpula do governo Trump com a vitória eleitoral do republicano.
Em fevereiro, o ministro determinou a suspensão da plataforma de vídeos Rumble no Brasil, após a empresa se negar a indicar representantes legais no País. Em um despacho duro, ele afirmou que a plataforma incorria em “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros”.
Naquele mês, Moraes se tornou alvo de uma ação na Justiça dos Estados Unidos por suposta violação à soberania americana, movida pelo Rumble e pela Trump Media, ligada ao presidente americano.
As empresas acusam Moraes de violar a legislação americana ao ordenar à Rumble a suspensão da conta do blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF por propagar desinformação e foragido da Justiça brasileira.
A Trump Media se juntou à ação por entender que a restrição no Brasil das operações da Rumble também a prejudica, pois a plataforma de vídeos fornece à Trump Media serviços de manutenção da rede social Truth Social.
No comunicado desta quarta-feira, a Casa Branca também afirma que Moraes “tem abusado de sua autoridade judicial desde 2019”, referindo-se aos inquéritos abertos naquele ano para investigar ataques virtuais contra autoridades. E cita “outros ministros do STF” que têm, na visão dos americanos, agido em parceria.
“Moraes tem abusado de sua autoridade judicial para ameaçar, atingir e intimidar milhares de seus oponentes políticos, proteger aliados corruptos e suprimir discordâncias, muitas vezes em coordenação com outras autoridades brasileiras, incluindo outros juízes do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em detrimento de empresas americanas que operam no Brasil”, diz o texto.
Mais adiante, Trump afirma que as plataformas americanas, “quando se recusam a cumprir essas ordens”, sofrem exclusão do mercado, têm seus executivos ameaçados de ação criminal e, “em um caso, tem seus ativos congelados”. O trecho se refere ao episódio em que Moraes ordenou o bloqueio das contas da Starlink, empresa de internet via satélite que também pertence a Musk, para o pagamento das multas devidas pelo bilionário.
Por fim, a Casa Branca diz que Moraes relata um processo criminal contra Paulo Figueiredo, comunicador bolsonarista e principal aliado de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, “por discursos que ele (Figueiredo) fez em solo americano, e tem apoiado investigações criminais contra outros cidadãos dos EUA depois que eles expuseram suas graves violações de direitos humanos e corrupção”.
Citado nominalmente no comunicado, Figueiredo tem acompanhado Eduardo em reuniões com parlamentares republicanos e membros do governo americano desde que o deputado se licenciou do mandato na Câmara dos Deputados, em março, para permanecer nos EUA — onde ele diz desde o começo trabalhar por sanções contra Moraes. Os dois se tornaram uma espécie de porta-vozes das ações de Trump contra o Brasil e vêm tentando antecipar as ações tomadas pelo presidente.
Após a divulgação do tarifaço e da aplicação contra Moraes da Lei Magnitsky, que prevê sanções a violadores graves dos direitos humanos, Eduardo e Figueiredo comemoraram as ações de Trump como uma conquista pessoal.
[Por: Estadão Conteúdo]
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