STF e o ativismo judicial no presidencialismo à brasileira

[Editada por: Marcelo Negreiros]

Em um cenário de crise, a ineficácia dos mecanismos de controle tradicionais pode induzir o poder judiciário a ocupar uma posição de ativismo político. Paffarini destaca que, diante da fragilidade do controle parlamentar, a sociedade e a mídia passaram a ver o judiciário como o único contrapeso capaz de fiscalizar o Poder Executivo. No entanto, essa mudança de dinâmica, embora tenha gerado a percepção de uma luta contra a corrupção, atos antidemocráticos e outros males sociais, também revelou os limites do controle centralizado, já que a atuação dos tribunais se torna um substituto, e não um complemento, para a fiscalização dos cidadãos. Essa “judicialização da política” só reforça a visão de que a solução não está apenas em aperfeiçoar o controle no topo, mas em fortalecer a base democrática, empoderando os cidadãos para fiscalizar seus representantes de forma direta e contínua, transparente e burocraticamente eficiente.

De um lado, a falácia do sistema político, consistente na ideia suficiente do uso da força de um poder (bem) intencionado – com o monopólio do poder decisório, uma discricionariedade ilimitada e a desnecessidade de prestação de contas – para satisfazer as tutelas dos interesses “adequados”, “necessários” e “oportunos”. De outro, a falácia do sistema de justiça correspondente, segundo a qual bastaria um sistema formal para a aplicação indistinta e imparcial do ordenamento jurídico vigente. Como adverte Ferrajoli, nenhuma garantia sobrevive pela simples inscrição de normas, sendo necessária uma luta constante e diária para consolidação das garantias de direitos e, consequentemente, da própria democracia. Um sistema jurídico, mesmo que teoricamente perfeito, não pode, por si só, garantir coisa alguma.

Essa atuação, por sua vez, alimenta o fenômeno da polarização. Quando a política falha, a população busca respostas em narrativas simplistas como àquelas baseadas na “luta do bem contra o mal”. O Judiciário, ao se tornar um ator político central, não apenas valida essas narrativas, mas também aprofunda a polarização, pois suas decisões, que deveriam ser técnicas e neutras, são interpretadas por cada lado do espectro político como vitórias ou derrotas. A banalização da ilegalidade, nesse contexto, se torna um subproduto: a “defesa da democracia” justifica a adoção de métodos que, em outras circunstâncias, seriam vistos como contrários à própria Constituição Federal.

Aprofundando essa linha de pensamento, Carl Schmitt nos alerta para o perigo de um Estado de exceção não declarado. Em sua visão, a violação de garantias processuais e a flexibilização das regras constitucionais, mesmo sob o pretexto de combater males sociais graves como a corrupção ou governos não democráticos, representam uma ameaça direta ao Estado Democrático de Direito. A legalidade constitucional não é um mero obstáculo burocrático, mas sim o pilar que sustenta o equilíbrio entre os Poderes e protege os cidadãos da arbitrariedade. A tese central de Schmitt é de que, quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e adota uma postura de “salvador da pátria”, ele não só enfraquece sua própria legitimidade, mas também desfaz o arcabouço jurídico que deveria ser seu principal campo de atuação. A quebra do jogo democrático, iniciada pela instrumentalização das instituições, culmina na desconfiança generalizada de todo o sistema de justiça, levando à completa disfuncionalidade democrática.

[Por: Estadão Conteúdo]

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