Por:

Luiz Felipe D’Avila

Há uma liberdade que determina a fronteira entre os regimes democráticos e os autoritários; cidadãos livres e súditos do Estado; países onde o poder do governo é limitado e nações nas quais reinam governos despóticos. Essa liberdade é a mãe de todas as liberdades; seu nome é liberdade de expressão. Há ditaduras que toleram a liberdade econômica, assim como existem governos autoritários que mantêm o verniz de fachada democrática por meio de realização de eleições. Mas nenhum regime antiliberal tolera a liberdade de expressão.

A liberdade de expressão é o pilar central da democracia. Por isso, ela é atacada por populistas, governos autoritários e movimentos antiliberais. O principal sinal da ausência da plena liberdade de expressão é o medo que reina no País. O cerceamento da liberdade de pensamento e de opinião está presente nas escolas e nas universidades, nas empresas e na mídia, no governo e nas instituições democráticas que deveriam defendê-la.

O pensamento crítico vem sendo sufocado nas universidades. Em vez de serem um local para aprender a conviver com a diversidade de opinião e a respeitar a pluralidade de ideias, colaboram para transformar alunos em cidadãos intolerantes e incapazes de aceitar o contraditório. Professores são impedidos de dar aula e palestrantes são barrados de falar, quando suas ideias e opiniões conflitam com os mantras antiliberais das seitas identitárias, da cartilha política do populismo autoritário e do mantra dos extremistas. Sem civilidade, tolerância e respeito, a liberdade de expressão é decepada e a democracia morre.

No setor privado, a liberdade de expressão deveria ser tratada como um ativo imprescindível para estimular o debate de ideias inovadoras. Mas, quando se levanta temas “perigosos” que resvalam em assuntos de cultura e de comportamento, a liberdade de expressão é cerceada. O descuido de um comentário pode levar à demissão de funcionários da empresa e corte de verba publicitária de veículos e de eventos que não estejam alinhados com o mantra do “politicamente correto”. A imprensa livre, que é a alma da verdadeira democracia, está cada vez mais aparelhada por pseudojornalistas que ignoram os fatos e a busca da verdade para temperar as notícias com suas preferências partidárias e ideológicas. Jornalistas sérios temem exercer a sua profissão e ser demitidos ou cancelados pela turba de censores extremistas.

Neste momento em que a liberdade de expressão está sendo sistematicamente violentada pela ignorância, intolerância e obscurantismo dos antiliberais, cabe às instituições agirem de maneira contundente para defendê-la. Mas o que estamos a assistir é ao lamentável espetáculo dos detentores do poder se comportando como inquisidores, em vez de defensores da liberdade. O governo alimenta a polarização política com seu discurso ideológico e sectário e intimida os críticos de seus projetos, como revelou a truculência contra os opositores do “Projeto de Lei das Fake News”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) censura a liberdade de expressão ao decidir que veículos de imprensa podem ser punidos por declarações inverídicas de seus entrevistados. A decisão fere frontalmente os artigos 5 e 220 da Constituição, que garantem o direito pleno de liberdade de expressão, opinião e pensamento. De fato, o eixo central que norteou a Constituição de 1988 foi o repúdio absoluto à censura e a determinação dos constituintes de garantir plenamente os direitos individuais e a liberdade de expressão. Se Ulysses Guimarães, o pai da “Constituição Cidadã”, ressuscitasse, ficaria perplexo de ver o Supremo Tribunal Federal recorrer a um inquérito indigno de um regime democrático. A abertura de inquéritos por supostos crimes de opinião tornou-se um mecanismo inquisitório. A manutenção por prazo indeterminado e o objetivo indefinido do inquérito, a negação dos direitos de plena defesa dos acusados e as decisões arbitrárias ad hoc e sob o manto de sigilo do STF representam uma clara violação dos direitos individuais, da liberdade de expressão e dos fundamentos do Estado de Direito.

Não podemos nos calar ou tratar com indiferença os ataques à liberdade de expressão. Está na hora de agirmos e nos mobilizarmos para evitar que seitas de extremistas e governos populistas usem a democracia para cerceá-la. Defender a liberdade de expressão tornou-se a questão mais urgente para as nações democráticas. Ela é a representação máxima dos valores centrais da nossa civilização: a tolerância, o respeito, a civilidade, assim como o Estado de Direito, a democracia, o livre mercado e os direitos individuais. O assalto à liberdade de expressão é o primeiro passo para transformar um país democrático numa democracia de fachada.

Todas as vezes em que as democracias baixam a guarda e negligenciam a defesa da liberdade de expressão, os países são destruídos pelo populismo e ditaduras. Os nossos filhos e netos não merecem viver novamente esse pesadelo por causa da nossa falta de coragem de defender a liberdade de expressão.

*

CIENTISTA POLÍTICO, AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO BRASIL QUE SOMOS PARA O PAÍS QUE QUEREMOS’, FOI CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Postado no Estadão

Por favor, compartilhe:
Pin Share

Comente a matéria:

error

Quer receber notícias no momento da postagem? Se inscreva

Descubra mais sobre mnegreiros.com

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading