[Editada por: Marcelo Negreiros]
O governo de São Paulo, sob comando de Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a Prefeitura da capital, liderada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), enfrentam cobranças dos respectivos Tribunais de Contas do Estado e do Município por falta de transparência nas emendas Pix.
A gestão estadual tem repassado recursos a municípios sem exigir plano de trabalho prévio, em desacordo com diretriz do Supremo Tribunal Federal (STF). A prática foi questionada pelo Tribunal de Contas paulista (TCE-SP), que aprovou, com ressalvas, as contas do governador relativas a 2024. Nunes, aliado de primeira hora de Tarcísio, enfrenta problema semelhante — mas do outro lado do balcão. Ao aprovar as contas da Prefeitura referentes a 2024, o Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou que a gestão municipal não tem publicado o plano de trabalho para execução das emendas Pix enviadas por congressistas.
Procurado, o governo estadual disse que a implementação do plano de trabalho prévio “está em análise”. Já a Prefeitura informou, em nota, que “a divulgação do plano de trabalho será disponibilizada dentro do prazo”.
As ressalvas feitas pelos dois tribunais indicam que, após as diretrizes fixadas pelo STF, os órgãos de controle externo passaram a cobrar o cumprimento das normas estabelecidas pela mais alta Corte do País. A decisão do STF, proferida pelo ministro Flávio Dino e referendada pelo plenário, liberou os repasses do orçamento de 2025 e anos anteriores, mas com a condição de que as transferências de emendas Pix só ocorram com “plano de trabalho apresentado e aprovado”.
Embora a determinação tenha se dado no âmbito das emendas Pix pagas pelo governo federal, especialistas em contas públicas defendem que a exigência se estenda a Estados e municípios. Parte entende que a regra já está em vigor para todos os entes federativos, enquanto outros consideram que o Supremo não foi claro.
A Secretaria de Governo e Relações Institucionais da gestão Tarcísio de Freitas disse que “avalia permanentemente ações para aprimorar a transparência e o bom uso das verbas públicas, a exemplo do plano de trabalho prévio para o pagamento das emendas, cuja implementação está em análise” Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A crítica do TCE-SP versa sobre a execução orçamentária do governo paulista no ano de 2024, mas a primeira decisão de Dino sobre as emendas Pix foi tomada somente em agosto daquele ano – o que significa que nos sete primeiros meses do ano passado não havia uma recomendação ou determinação do STF sobre o tema.
No entanto, em 2025, o governo estadual segue liberando emendas sem cobrar plano de trabalho, segundo prefeitos ouvidos pelo Estadão. Dos R$ 150 milhões previstos para este ano, R$ 85 milhões já foram pagos.
Em nota, a Secretaria Estadual de Governo afirmou que avalia ações para aprimorar a transparência e o bom uso das verbas públicas, “a exemplo do plano de trabalho prévio para o pagamento das emendas, cuja implementação está em análise”. Também destacou que todas as emendas e indicações parlamentares desde 2023 estão disponíveis no site da secretaria, com informações sobre o parlamentar responsável pela indicação e o beneficiário da verba, além de detalhes sobre o projeto.
No parecer que analisa as contas do governo, o conselheiro do TCE Dimas Ramalho diz que a auditoria do tribunal considera a exigência do plano de trabalho “essencial para a boa governança e correta aplicação dos recursos públicos”. Segundo o conselheiro, os municípios só informam como aplicaram os recursos da emenda Pix quando o governo paulista cobra as informações, e “não como um procedimento padrão e rotineiro”.
“A não exigência de plano de trabalho prévio para as transferências especiais (‘emendas Pix’) e a ausência de fiscalização da Controladoria Geral do Estado sobre essas matérias no exercício de 2024, somadas à prestação de contas reativa por parte dos municípios, comprometem a rastreabilidade e o bom uso dos recursos públicos”, escreveu o conselheiro no relatório.
Reveladas pelo Estadão, as emendas Pix, oficialmente chamadas de “transferências especiais”, permitem o envio direto de recursos a prefeituras e governos, sem burocracia ou vínculo com programas específicos. A falta de transparência no uso dos recursos foi a justificativa central para o ministro Flávio Dino bloquear as emendas Pix federais. Para liberá-las, o Congresso Nacional aprovou, em novembro do ano passado, uma lei com regras detalhadas para essa modalidade.
Em São Paulo, as emendas Pix foram criadas em 2022. Desde então, o governo estadual já repassou R$ 342 milhões às prefeituras – dos quais R$ 112 milhões foram transferidos apenas em 2023. Neste ano, foram quitados R$ 85 milhões até o momento. A bancada do PT foi a mais atendida, com R$ 17,8 milhões, seguida da bancada do PSDB, com R$ 14,6 milhões.
Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, diz não “se espantar” ao ver más práticas que começaram no Congresso se espalharem para os Estados.
“É essencial que os avanços em transparência e rastreabilidade das emendas ao orçamento da União sejam aplicáveis aos subnacionais. Afinal, estamos falando do mesmo dinheiro, que é público, do cidadão, e de regras constitucionais”, afirmou ela.
TCM cobra gestão Nunes
O TCM apontou irregularidades na gestão de R$ 22,6 milhões em emendas Pix recebidas pela Prefeitura de São Paulo. As informações constam no relatório anual de fiscalização das contas do município, publicado no último dia 15. Apesar da ressalva, o TCM aprovou as contas da gestão Ricardo Nunes relativas ao exercício de 2024.
Segundo o Tribunal, a Prefeitura não disponibiliza informações essenciais sobre os planos de trabalho e a execução orçamentária desses repasses, o que compromete a transparência, dificulta o controle social e contraria a legislação vigente.
A auditoria do TCM constatou que o relatório sobre as transferências, disponível no Portal da Transparência da Prefeitura, apresenta apenas informações parciais. São divulgados, por exemplo, o número da emenda, o autor, o ano, o valor repassado, a ação prevista e o período de vigência. No entanto, faltam dados exigidos por lei, como o plano de aplicação dos recursos e o cronograma de execução das emendas.
Para o TCM, essa omissão viola determinações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do governo federal referente a 2024. O STF também tem reiterado, em decisões recentes, a necessidade de divulgação detalhada das emendas, com o objetivo de garantir sua rastreabilidade.
A Corte determinou que a Casa Civil da Prefeitura, em conjunto com as secretarias envolvidas, adote, no prazo de seis meses, medidas para elaborar e divulgar os planos de aplicação das emendas Pix. A publicação deve ser contínua e atualizada, contendo informações como ano e número da emenda, política pública indicada, valor destinado e dados de execução orçamentária.
Procurada pela reportagem, a gestão municipal negou falta de transparência e declarou que “a divulgação do plano de trabalho será disponibilizada dentro do prazo.”
Especialistas divergem sobre plano
Há divergência entre especialistas sobre a obrigatoriedade do plano de trabalho nos Estados. Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional, avalia que as regras do STF deveriam se estender aos Estados, mas reconhece que a decisão de Dino não deixa isso explícito.
“Como as emendas estaduais seguem a norma federal, pelo princípio constitucional da simetria, as interpretações aplicadas às normas federais também deveriam valer para as estaduais. Não faria sentido que restrições ou regras que promovem mais transparência valessem para a esfera federal, mas não para a estadual. O problema é que essa explicação não foi explicitada — Dino não disse isso com todas as letras, o que tem gerado incerteza entre os órgãos de controle estaduais”, disse.
France pontua que, mesmo sem a exigência explícita do Supremo, o governo paulista poderia, por conta própria, adotar regras para ampliar o controle e a transparência sobre as emendas Pix.
Welington Arruda, mestre em Direito pelo IDP e especialista em Gestão Pública, entende que Dino não fez distinção entre entes federativos, portanto a regra deve valer também para os Estados.
”Os Estados até podem tentar questionar, com base na autonomia federativa e na literalidade do artigo 166-A da Constituição Federal, mas a chance de êxito é reduzida. O STF já consolidou o entendimento de que a transparência e o plano de trabalho são exigências constitucionais mínimas para qualquer ente que receba emenda Pix, inclusive os Estados”, diz Arruda.
Arthur Rollo, doutor e mestre em Direito e especialista em Direito Público, discorda: “A decisão de Dino se aplica especificamente ao plano federal, trata das emendas federais. Em tese, não alcança as estaduais”, explica.
Ainda assim, Rollo defende a adoção de um plano de trabalho para dar segurança a quem repassa os recursos. Segundo ele, esse tipo de exigência permite verificar, por exemplo, o prazo de execução do projeto e se ele é viável. “Ainda que não tenha uma exigência legal, adotar por analogia o modelo federal é bom por essas razões mencionadas.”
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[Por: Estadão Conteúdo]
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