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Urna: sorte de uns, azar de outros

Urna veio do latim urna, vasilha de muitos usos antes de receber votos: guardar água e azeite, as menores; enterrar ou incinerar os mortos, as maiores. A grega kleroterion, esta, sim, foi a primeira máquina de votar. Só que em vez de eleição havia sorteio: assim nasceu a democracia na Grécia antiga. O objetivo era evitar a corrupção e garantir que Atenas fosse bem administrada.

A kleroterion privilegiava o acaso, cujas leis ignoramos. Se traduzida, seria clerotério. Designava dispositivo de pedra com buracos, tubo de madeira e bolas pretas e brancas. Os nomes dos candidatos eram inscritos em fichas de bronze ali inseridas. Por manivela, fazia-se com que a cada volta uma bola saísse da kleroterion. Se fosse preta, retiravam a primeira fila de fichas, excluindo aqueles nomes. Se fosse branca, a fila de fichas permanecia no lugar. E a seleção continuava até chegar-se ao resultado pretendido. Para ser candidato, o cidadão tinha que ter nascido em Atenas, de pai e mãe atenienses. Mulheres, escravos e estrangeiros eram a maioria, mas não votavam. A urna teve outro uso inicial. Não era destinada a receber os votos, mas as decisões. As ânforas serviram de primeiras urnas.

Clerotério: à esquerda, a boca da urna em forma de funil, os nomes dos candidatos e a bola de bronze; à direita, a manivela

Mais de dois milênios depois, a princesa Isabel mandou construir os primeiros mijadouros públicos para evitar que o povo fizesse xixi nas ruas e nas paredes. Mas queria um nome mais elegante e chamou o Visconde de Taunay. O escritor, que já substituíra morgue por necrotério, sugeriu mictório. Mesmo tendo recorrido ao grego e ao latim, nenhum dos dois jamais pensou em kleroterion, mas o étimo é o mesmo: alude à sorte de uns e ao azar de outros, seja império, seja república.

“A democracia é uma superstição estatística”, definiu-a Jorge Luís Borges. “É a pior forma de governo”, disse Churchill, mas acrescentou: “com exceção de todas as outras”. Ninguém foi mais claro do que o brasileiro João Calmon: “o povo é soberano, eduquemos o soberano”.

* Professor e escritor, seus livros são publicados no Brasil e em Portugal pela Almedina. Veja em www.almedina.com.br

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