No dia 13 de junho, Alanis Morissette abriu oficialmente as comemorações pelos 30 anos de Jagged Little Pill, álbum que redefiniu o rock alternativo nos anos 90. Antes mesmo da data, os fãs brasileiros já haviam celebrado no Lollapalooza, onde a cantora canadense-americana revisitou alguns de seus hinos. Em setembro, foi a vez de sua terra natal prestar tributo: a Universidade de Ottawa concedeu a Alanis um doutorado honoris causa, reconhecendo não apenas sua contribuição artística, mas também seu papel no empoderamento feminino.
Mais que um fenômeno comercial, o disco antecipou debates que se tornariam centrais nos movimentos feministas dentro e fora da música. Três décadas depois, Jagged Little Pill continua soando urgente. Lançado em 13 de junho de 1995, levou Alanis do circuito canadense ao estrelato global e permanece como um marco — comercial, crítico e cultural — que retorna ao centro das atenções em 2025, com homenagens, shows grandiosos e novos projetos.
Do fracasso ao estrelato: como Alanis virou o jogo
Antes de se tornar um ícone global, Alanis Morissette já havia conquistado destaque no mercado canadense. Com passagens como atriz mirim na Nickelodeon e em diversas competições de novos talentos, ela estreou na música com o álbum Alanis (1991), de sonoridade pop/dance, que alcançou duplo platina no país. O sucessor, Now Is the Time (1992), porém, não repetiu o sucesso e acabou sendo considerado um fracasso pela gravadora, que optou por não renovar o contrato. A decisão deixou a jovem artista em compasso de espera, em busca de novos caminhos para sua música.
Em um processo intenso, Alanis e Ballard passaram a compor e gravar uma faixa por dia no estúdio caseiro do produtor. A ideia era preservar a energia espontânea: muitos dos vocais que ouvimos em Jagged Little Pill são de primeiros ou segundos takes, sem retoques posteriores. Essa urgência crua acabou se tornando a marca do álbum.
A receita do sucesso

Jagged Little Pill foi preparado com ingredientes muito especiais — ou melhor, hinos que até hoje mantêm o sabor de clássico, todos temperados com a intensidade crua que marcou os anos 90.
Um dos segredos da receita foi a pitada apimentada de You Oughta Know, reforçada pelos temperos especiais de Flea e Dave Navarro, do Red Hot Chili Peppers, que deram ainda mais peso à fúria da canção. O forno foi aceso de vez quando a rádio KROQ-FM, em Los Angeles, colocou o single para tocar sem parar. Logo em seguida, o clipe entrou no cardápio da MTV, garantindo que o prato principal chegasse a milhões de pessoas.
O resultado? Jagged Little Pill subiu ao topo das paradas, servindo sua primeira fatia de sucesso. Mas a confeitaria não parou por aí: singles como All I Really Want, Hand in My Pocket, Ironic, You Learn e Head Over Feet ajudaram a manter o álbum no Top 20 da Billboard 200 por mais de um ano, fazendo desse “bolo musical” um banquete inesquecível.
No total, são 12 faixas (ou seriam fatias?) oficiais, além da célebre faixa oculta Your House (a cappella), que encerrava a versão em CD como um sabor-surpresa cultuado entre os fãs. Brincadeiras à parte, cada música trouxe um retrato franco das dores, raivas e descobertas de uma jovem de 21 anos que transformava vulnerabilidade em força artística.
O poder da MTV: quando a imagem virou força
O impacto de Jagged Little Pill não veio apenas das rádios. Em meados dos anos 90, a MTV ainda ditava tendências e tinha papel decisivo na projeção de novos nomes do rock — cenário consolidado após o fenômeno Nirvana, que em 1992 havia desbancado Michael Jackson do topo e inaugurado uma era em que o rock alternativo dominava o mainstream. Foi nesse terreno fértil que os clipes de Alanis ganharam tração global, transformando músicas em ícones audiovisuais.
Os clipes que marcaram época:
You Oughta Know
Direção de Nick Egan; filmado no deserto, trouxe urgência e cravou a imagem definitiva da “nova Alanis”.
Hand in My Pocket
Dirigido por Mark Kohr, o clipe em preto e branco captou um clima documental, quase de diário. Atualmente, está indisponível no canal oficial da cantora.
Ironic
Por Stéphane Sednaoui; quatro versões de Alanis dividem uma road trip gelada, num clipe que virou referência imediata da cultura pop.
You Learn
Sob comando de Liz Friedlander; a câmera acompanha pequenos caos urbanos enquanto Alanis circula pela cidade.
Head Over Feet
Dirigido por Michele Laurita em parceria com a própria Alanis; close fixo, voz e harmônica expõem a vulnerabilidade em sua forma mais crua.
Esses vídeos, em alta rotação na MTV, ajudaram a consolidar Alanis como rosto e voz de uma geração, transformando Jagged Little Pill em um fenômeno que unia música, imagem e atitude.
Impacto explosivo: vendas, prêmios e cânone
Com a receita pronta e os clipes servidos em alta rotação na MTV, o resultado só poderia ser um: explosão mundial. Jagged Little Pill ultrapassou a marca de 33 milhões de cópias vendidas no planeta e recebeu 17× platina da RIAA nos Estados Unidos, tornando-se um dos álbuns mais bem-sucedidos da década de 90.
O reconhecimento da crítica veio na mesma intensidade. No Grammy de 1996, Alanis saiu vitoriosa em quatro categorias: Álbum do Ano, Melhor Álbum de Rock, Melhor Performance de Rock Feminina e Melhor Canção de Rock (ambos por You Oughta Know).
Décadas depois, o disco continuou a ser celebrado como um clássico incontornável: em 2020, entrou para o cânone da revista Rolling Stone, alcançando o #69 na lista dos 500 maiores álbuns de todos os tempos.
O olhar feminino que impulsionou transformações
Com o sucesso explosivo já detalhado, Jagged Little Pill poderia estar confortavelmente consolidado como um marco comercial da história do rock. Mas não é “só isso”. A obra de Alanis vai muito além de um marco comercial estrondoso: quando observamos como as mulheres foram conquistando espaço em diferentes camadas da sociedade, fica evidente que a trajetória do álbum se entrelaça a um movimento muito maior.
Nos anos 80, Madonna havia aberto as portas para a liberdade feminina em termos de expressão musical, moda e comportamento de uma geração. Nos anos 90, porém, foi Alanis quem deu um passo além: trouxe uma mensagem ainda mais poderosa, crua e frontal para as mulheres de todas as gerações.
Na metade da década, Jagged Little Pill cristalizou uma narrativa feminina inédita — raiva, humor, desejo, vulnerabilidade — que muitas artistas chamaram de libertadora. A imprensa britânica chegou a se perguntar se seria “o álbum mais feminista dos anos 90”, refletindo como suas letras dialogavam diretamente com a terceira onda do movimento.
Anos mais tarde, Alanis reafirmaria a atualidade da obra sob a ótica do #MeToo, dizendo que “a raiva pode ser catalisadora”. E, recentemente, voltou a relatar os desafios de navegar um mercado misógino aos 21 anos, conectando passado e presente.
Para além das letras, há também um componente técnico fundamental: a entrega vocal de Alanis — entre o sussurro, o grito e o “falar-cantando” — moldou a persona do disco e ampliou sua força confessional, transformando cada faixa em um ato de libertação.
Dos palcos da música para os palcos da Broadway
A força do repertório de Alanis ganhou novo impulso mais de duas décadas após o lançamento de Jagged Little Pill, encontrando outra casa além dos discos e das turnês: os palcos da Broadway. O musical homônimo estreou no American Repertory Theater (A.R.T.), em Cambridge, em 2018, e chegou à Broadway no ano seguinte.
O espetáculo trouxe um diferencial importante: o livro assinado por Diablo Cody, roteirista vencedora do Oscar por Juno (2007). Cody traduziu a energia confessional do álbum em uma narrativa dramática sobre uma família suburbana, costurando os grandes temas do disco — raiva, desejo, vulnerabilidade — com discussões contemporâneas como dependência química, violência sexual, identidade de gênero e preconceito racial. A direção ficou a cargo de Diane Paulus, conhecida por produções arrojadas como Hair e Pippin.
O resultado foi um sucesso de crítica e público: o musical recebeu 15 indicações ao Tony e conquistou 2 prêmios — Melhor Livro de Musical (para Cody) e Melhor Atriz Coadjuvante (Lauren Patten). Apesar de alguns críticos apontarem excesso no acúmulo de temas, a encenação foi celebrada como pop, contundente e altamente envolvente, reafirmando a força atemporal de Jagged Little Pill.
2025: shows, homenagens e legado vivo
Passadas três décadas, Alanis Morissette ainda colhe os frutos de ser autora de uma obra que tem tudo para permanecer relevante muito além de seu tempo — e também do nosso. Em 2025, sua agenda foi intensa e marcada exatamente pelo que sempre definiu sua trajetória: estar no palco, receber homenagens e, acima de tudo, celebrar com os fãs o legado artístico, comercial e social de Jagged Little Pill.
O ano começou com um gesto de solidariedade. Em janeiro, Alanis participou do FireAid, megaevento beneficente realizado em Los Angeles em prol das vítimas dos incêndios na Califórnia. Ao lado de gigantes da música, ajudou a arrecadar milhões de dólares e mostrou, mais uma vez, seu engajamento com causas humanitárias.
Em março, os fãs sul-americanos tiveram um presente especial: Alanis foi atração de destaque no Lollapalooza, passando por edições no Brasil e na Argentina. Os setlists foram um mergulho nostálgico em Jagged Little Pill, costurado com sucessos de outras fases de sua carreira.
O clima de celebração se estendeu ao verão europeu. Em junho, a artista subiu ao Pyramid Stage de Glastonbury, na Inglaterra, em um show ao pôr do sol que destacou os 30 anos do álbum e reafirmou sua relevância como voz feminina duradoura no rock e no pop.
O reconhecimento acadêmico também marcou o ano: em setembro, a Universidade de Ottawa, em sua terra natal, concedeu a Alanis um doutorado honoris causa, homenageando não apenas sua contribuição artística, mas também seu papel no empoderamento feminino através da música.
“Permitindo que este doutorado@uottawa para marcar as décadas de estudo, pesquisa, treinamento clínico, canalização e obsessão sobre nossa(s) condição(ões) humana(s). uma honra, um verdadeiro presente e privilégio.”. Escreveu a cantora em suas redes sociais.
Morissette se envolve com a saúde mental de forma prática, terapêutica, educacional e até formalmente reconhecida, usando sua voz e experiência para promover a conscientização, apoiar estudos e práticas na área e desmistificar questões relacionadas ao tema que a afetam e afetam muitos outros.
E as celebrações não pararam por aí. Ao longo do ano, Alanis lançou uma versão especial em parceria com Carly Simon, revisitando o clássico Coming Around Again para a trilha do filme My Mother’s Wedding. O dueto reforçou o diálogo entre gerações de artistas que, cada uma à sua maneira, moldaram a voz feminina no pop e no rock.
Em 13 de junho, data exata do aniversário de lançamento de Jagged Little Pill, as redes sociais de Alanis foram inundadas por homenagens, depoimentos de fãs e mensagens de artistas que reconheceram o impacto duradouro do álbum. Foi a confirmação de que, três décadas depois, a raiva, a vulnerabilidade e a poesia de Alanis continuam ecoando em novas gerações — e permanecem vivas na memória de quem despertou para sua mensagem naqueles longínquos anos 90.
[Antena 1]
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