Na segunda-feira 20, reportagem do Intercept Brasil repercutiu a decisão da juíza Joana Ribeiro Zimmer de impedir o aborto de uma menina de 11 anos que foi estuprada, em Santa Catarina. Contudo, a apuração do veículo não mencionou quem seria o autor do crime.
A Polícia Civil de Santa Catarina concluiu há pelo menos dez dias (antes mesmo da publicação da reportagem) o inquérito criminal sobre o caso. De acordo com a polícia, o principal suspeito de ser o pai do bebê é um adolescente de 13 anos, que morava na mesma casa da menina e com quem ela mantinha uma relação.
A investigação não indiciou ninguém e a conclusão foi enviada ao Ministério Público, que ainda avalia se concorda com o desfecho do caso. Na quinta-feira 23, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que a Polícia Civil vai analisar o material genético do menino de 13 anos para confirmar se realmente ele era o pai do bebê, abortado na quarta-feira 22.
Segundo a delegada Patrícia Zimmermann, coordenadora da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Santa Catarina, a polícia não trabalha com hipóteses de sexo consentido. “Nós trabalhamos com a hipótese de violência presumida, que é quando a vítima é menor de 14 anos, e que é sim estupro. A lei estabelece que nesses casos é preciso analisar conduta e maturidade. Uma menina de 10 anos não tem maturidade para consentir tal ato”, disse a delegada ao jornal Folha de S.Paulo.
Diante das informações de que um adolescente é o principal suspeito de ter estuprado e engravidado a criança, Oeste ouviu advogados para avaliar possíveis desdobramentos do caso.
Crime de estupro ou ato infracional?
Na linha do entendimento da delegada, o advogado criminalista Daniel Gerber também afirma que a menina foi vítima de estupro de vulnerável, pois menores de 14 anos não podem consentir uma relação sexual. O artigo 217-A do Código Penal considera crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
No entanto, Gerber defende a tese de que o suspeito não cometeu estupro, mas sim, um ato infracional — termo jurídico previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), utilizado quando uma criança ou adolescente pratica um crime. “A questão é que o menino de 13 anos não cometeu crime, mas sim, um ato infracional equiparado ao estupro”, disse Gerber. “Ainda que a menina tenha desejado, não existe consentimento.” Assim, Gerber entende que o adolescente deve responder ao ato de acordo com as previsões legais do ECA.
Leonardo Pantaleão, advogado criminalista, vê o caso como um relacionamento entre um adolescente e uma criança. O ECA considera criança uma pessoa de até 11 anos, e, a partir de 12 anos, um adolescente. “O consentimento da menina para a relação sexual não tem nenhuma relevância jurídica, porque ela é uma criança”, afirmou Pantaleão. “A criança não tem condições de entender as consequências desse comportamento.”
Outro elemento do caso ressaltado por Pantaleão é que o menino de 13 anos já é um adolescente. Nesse conflito entre uma relação envolvendo menores, o que prevalece é o fato de uma criança não ter consentimento nenhum, não podendo ser responsabilizada por nada. Já o adolescente possui maior grau de discernimento, portanto, deve responder sozinho pelo ato, de acordo com o criminalista. Sendo assim, o adolescente deve ser submetido às penalidades de um ato infracional equiparado ao estupro, e não a um crime de estupro.
Para Pantaleão, o critério de responsabilização do crime é cronológico e não psicológico. “A partir do momento em que ele completou 12 anos, torna-se um adolescente”, observou. “Algumas pessoas podem dizer que ele seria mais infantil do que uma menina de 10 ou 11 anos, azar o dele.”
Já o advogado e doutor em Direito Constitucional Marco Antônio Costa entende que não existe ilicitude na relação sexual entre menores de 14 anos, caso haja consentimento. “A consensualidade retira qualquer infração do menor”, disse. “Caso ela não tenha consentido, aí sim existe ato infracional. Nesse caso, ela teria de provar o não consentimento.”
A menina só conseguiu realizar o aborto porque o Poder Judiciário entendeu que a gravidez dela foi em razão de um estupro. No entendimento de Costa, no entanto, houve um ativismo por parte do Ministério Público Federal (MPF). “Isso gerou a morta do bebê desnecessariamente”, afirmou. “Se era possível conciliar o nascimento com vida da criança e a integridade da menina, não há motivos para interromper a gravidez em um estado tão avançado.”
Na 1ª vez, hospital se recusou a fazer aborto
A menina e a mãe descobriram a gravidez quando procuraram o hospital universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. No local, a criança descobriu que estava grávida de 22 semanas e dois dias. A equipe médica se recusou a fazer o aborto, sob o argumento de que só realizavam o procedimento quando a gestação possui, no máximo, 20 semanas.
O artigo 128 do Código Penal prevê o aborto em caso de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Contudo, a lei não estipula a quantidade de semanas de gestação para realização do procedimento.
A norma técnica do Ministério da Saúde (MS) intitulada de “Atenção Humanizada ao Abortamento” (2011) trata, entre outras questões, da quantidade de semanas que uma gestante precisa ter para realizar a interrupção da gravidez. “Abortamento é a interrupção da gravidez até a 20° ou 22° semana e com produto da concepção pesando menos que 500 gramas”, recomenda o documento.
O MS entende que realizar o procedimento depois dessa quantidade de semanas pode gerar risco de vida à gestante. A menina de 11 anos só realizou o aborto porque o MPF se manifestou e recomendou o aborto.
“Como a lei não regulamenta a quantidade de semanas para o aborto, o Ministério da Saúde fez isso”, disse o advogado Leonardo Pantaleão. “A lei autoriza o aborto e o hospital acata. Contudo, por questões de saúde o Ministério estabelece o número de semanas recomendado.”
Caso a gestante não corra risco de vida, o médico também pode se recusar a realizar o procedimento e invocar objeção de consciência. O Código de Ética Médica prevê, no capítulo II no parágrafo nove, que “o médico pode recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.