Conheça um pouco mais sobre o instituto que tem gerado polêmica em nosso País com os corriqueiros escândalos de corrupção.
Muito tem se falado em “delação premiada” nos últimos tempos, instituto que vem sendo bastante utilizado como ferramenta de investigação pela “Operação Calvário” e força-tarefa realizada na “Operação Lava Jato”. Através dela, tem-se identificado crimes e citações de diversos políticos em depoimentos prestados por parte de executivos e ex-executivos e ex secretários do estado da Paraíba, ensejando diversas operações por parte do Ministério Público, GAECO e Polícia Federal.
“COMO É QUE BILHÕES SÃO DESVIADOS E NINGUÉM PERCEBE? PRECISOU UM DELATOR FALAR. SE NÃO HOUVESSE DELAÇÃO PREMIADA, IA CONTINUAR” citou certa vez o ministro do STF, Alexandre de Morais.
Mas, afinal, em que consiste a tão falada DELAÇÃO PREMIADA?!
Veja. Trata-se de uma técnica – ferramenta – de investigação através da qual o investigado presta às autoridades informações úteis ao esclarecimento dos fatos que estão sendo apurados, em troca de um “prêmio” (benefício).
No Brasil, surgiu com a edição da “Lei dos Crimes Hediondos”, que previa a redução de 1 a 2/3 da pena ao integrante de quadrilha dedicada a crimes hediondos que “entregasse” os seus comparsas às autoridades, permitindo desmantelar o grupo criminoso (art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 8.072/90).
Depois disso, a Lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Contra a Ordem Tributária (art. 16, parágrafo único, da Lei n. 8.137/90) e a das “Organizações Criminosas” (art. 6º da Lei n. 9.034/95) também passaram a trazer a ferramenta em seu bojo.
Os “prêmios” dados aos delatores, no entanto, ainda não lhes eram tão interessantes assim. As delações passaram a ter maior aplicação com a “Lei de combate à Lavagem de Dinheiro” (Lei 9.613/98), que trouxe benefícios como: (a) a alteração do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade para um menor rigoroso (do semiaberto para o aberto, por exemplo), (b) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e (c) até mesmo o “perdão judicial” (art. 1º, § 5º, da Lei 9.613/98).
Ainda foram promulgadas a “Lei de combate às Drogas” (Lei 11.343/06), prevendo a delação premiada para o traficante de entorpecentes (art. 41), e a dos “Crimes contra a Ordem Econômica” (Lei 12.529/2011), que chamou a ferramenta de “acordo de leniência” (arts. 86 e 87).
Uma das características mais marcantes da “delação premiada” é que ELA DEPENDE DA EFETIVIDADE DA COLABORAÇÃO, isto é, que o fato delatado surta resultados. Isso vai desde a identificação dos cúmplices e dos crimes praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a prevenção de novos crimes, a recuperação do dinheiro ganho com a prática delitiva e/ou até mesmo a identificação de eventual vítima com sua integridade física assegurada (art. 4º da Lei n. 12.850/2013).
O juiz não participa das negociações para que seja formalizado o acordo. Isto é feito pelo colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o membro do Ministério Público. Feito o termo de acordo, é o juiz quem decide sobre a sua homologação.
O delator renuncia ao seu direito ao silêncio e fica compromissado em dizer a verdade. É necessária a presença de advogado em todo e qualquer ato da negociação, da confirmação e da execução da colaboração.
O teor do acordo deve ser mantido em sigilo para proteger o delator de represálias e para não atrapalhar futuras investigações, mas a lei não prevê que o vazamento de informação possa ser causa de anulação dos depoimentos.
Quem analisa se delação foi eficiente ou não para o caso é o juiz na sentença, não podendo uma condenação se sustentar apenas nas declarações do delator, devendo a “delação” estar corroborada por outras provas produzidas em contraditório judicial.
Em verdade, a “delação” de um crime é quase tão imoral quanto a sua própria prática. Sob o aspecto ético, aquele que entrega seus comparsas não pode ser visto como alguém moralmente correto. O “dedo-duro” entrega não somente o seu crime (“confissão espontânea”), mas, também, o (s) crime (s) dos demais
De outro lado, notório é que as organizações criminosas estão cada vez melhor aparelhadas e estruturadas, o que torna a “delação premiada” uma arma importantíssima a ser utilizada pelo Poder Público no combate ao crime organizado. Não fosse ela, muita coisa ainda estaria por detrás das cortinas do Congresso Nacional, quiçá jamais seriam descobertas por vias ordinárias de investigação. Mundo à fora, foi através de delações que boa parte dos negócios escusos da máfia italiana nos Estados Unidos e até na própria Itália foram descobertos, com a entrega de grandes mafiosos. Sopesando-se os valores, portanto, a ética do delator passa a ser o que menos importa diante de todo esse lamentável cenário em que vivemos no “País da Corrupção”.
E, por fim, pergunta-se: Será que vale à pena para o investigado (ou réu) ser protagonista de uma delação?
Prontamente, é de se lembrar que o colaborador é tão réu quanto aqueles a quem ele entrega. O alcaguete desperta a ira dos demais criminosos delatados, devendo, evidentemente, preparar-se para o mundo que o espera “fora do processo”. O delator passa a ser um “arquivo vivo”, de interesse tanto do Estado como dos seus antigos parceiros de crime. Por conta dessa situação, a lei prevê que deverão ser adotadas, em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção à sua integridade física (Lei 9.807/99). Mas, quem garante que o Estado cumprirá satisfatoriamente o seu papel? Até quando o delator permanecerá sob a proteção estatal? E a sua família?
No processo, a resposta sobre “se valeu à pena ou não” ser autor de uma “delação premiada” de um delito – praticado em organização, muitas vezes envolvendo valores vultuosos e figuras relevantes do mundo político -, somente poderá ser obtida pelo delator ao final no processo, caso a sua “colaboração” já homologada seja considerada válida pelo juiz na sentença, quando se avaliará a eficácia das informações para o julgamento do caso, decidindo qual será o benefício com que o colaborador merece ser recompensado.
Texto do Advogado Criminalista, Dr. Renan Guilherme Simões do Viso com algumas introduções do Jornalista Marcelo Negreiros.
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