No universo da música, onde juventude e inovação costumavam dominar os holofotes, é notável observar como artistas veteranos seguem não apenas ativos, mas também reverenciados por diferentes gerações. Em tempos nos quais a longevidade artística parecia restrita a lendas da era de ouro dos musicais de Hollywood — que envelheceram longe das turnês, mas nunca foram esquecidas — ou aos resistentes do blues como John Lee Hooker, cuja voz atravessou décadas até sua morte, e Buddy Guy, ainda em plena atividade aos 89 anos, um novo grupo de ícones octogenários mantém viva a essência do palco.
Nomes como Barbra Streisand, John Fogerty, Diana Ross, Mick Jagger e Rod Stewart não apenas sobreviveram à passagem do tempo, como continuam a moldar o presente da música com sua arte. Seja em grandes arenas, em festivais consagrados ou por meio de livros, álbuns e aparições especiais, esses artistas provam que a maturidade pode ser combustível para a criação — não um obstáculo.
Vamos observar a seguir quais fatores são responsáveis por uma mudança do padrão da indústria do entretenimento, que cada vez mais mantém o espaço aberto para artistas veteranos.
A presença atemporal de lendas nas redes sociais
Antes de analisarmos os movimentos explícitos contra o etarismo na música, é importante observar como as redes sociais vêm desempenhando um papel fundamental na construção — e reconstrução — do imaginário popular em torno de artistas veteranos. Plataformas como TikTok, X (antigo Twitter) e Instagram têm resgatado falas, trechos de apresentações e entrevistas de lendas como Liza Minnelli, Frank Sinatra, Aretha Franklin, Tina Turner, Nina Simone, Johnny Cash, além de diversos veteranos do blues e da bossa nova, criando verdadeiras cápsulas de reverência digital.
Trechos antigos de apresentações passam a circular entre novas gerações, muitas vezes viralizando com legendas como “ela sabia exatamente o que fazia”, “isso é elegância de verdade” ou “a definição de presença de palco”. Ao mesmo tempo, a edição criativa e o apelo emocional desses vídeos ajudam a projetar esses artistas como símbolos de autenticidade, sofisticação e resistência, tornando suas imagens ainda mais relevantes mesmo décadas após seus maiores sucessos.
Essa presença atemporal, impulsionada por curadorias espontâneas de fãs, desafia as lógicas tradicionais da indústria, que por muito tempo priorizou a novidade em detrimento da memória. Com isso, artistas que pareciam restritos à história ganham nova vida no presente digital, abrindo caminho para uma valorização mais ampla da longevidade artística — tanto para os que se mantêm em atividade quanto para os que já se foram, mas seguem inspirando.
Encontros entre gerações: colaborações que conectam tempos e públicos
Além da valorização do legado e da presença contínua de veteranos nos palcos, outro sinal da mudança de percepção sobre idade na música está nos encontros entre artistas de diferentes gerações. Em estúdio ou ao vivo, essas colaborações vêm se tornando cada vez mais frequentes — e celebradas pelo público.
Nos últimos anos, vimos Diana Ross lançar uma faixa com o Tame Impala, Elton John colaborar com Dua Lipa em Cold Heart, Paul McCartney trabalhar com Beck e Dominic Fike, e Tony Bennett, mesmo enfrentando o Alzheimer, gravar um álbum com Lady Gaga — incluindo apresentações emocionantes ao vivo em 2021, que se tornaram marcos na história da música moderna. Também vimos Stevie Wonder participar de um especial ao lado de artistas emergentes do R&B contemporâneo, como H.E.R. e Giveon.
No palco, festivais como o Glastonbury e o Coachella têm promovido momentos intergeracionais, com feats inesperados entre ícones do passado e vozes atuais.
Essas colaborações reforçam que a música é, por natureza, um território de troca e permanência, onde talento, afeto e influência circulam sem limites cronológicos — e onde a combinação entre juventude e experiência tem gerado resultados artísticos memoráveis.
Movimentos contra o etarismo na música
Enquanto as redes e os encontros ajudam a preservar a imagem de grandes nomes do passado, artistas contemporâneos têm se posicionado de forma direta contra o etarismo na indústria musical — que ainda tende a marginalizar ou minimizar o trabalho de artistas a partir de certa idade.
Em 2025, Lady Gaga foi categórica ao receber o Innovator Award no iHeartRadio Music Awards:
“Mesmo que o mundo considere uma mulher com quase 40 anos velha para o pop, eu estou apenas começando.”
Com esse discurso, ela não só reafirmou seu espaço, como expôs os estigmas que ainda rondam mulheres maduras no pop mainstream.
Já Madonna, pioneira nesse enfrentamento, há anos denuncia as barreiras impostas à longevidade feminina na música. Após críticas sobre sua aparência em premiações recentes, ela reagiu dizendo:
“Vocês não celebram mulheres com mais de 45 anos, e isso precisa mudar.”
A própria Liza Minnelli, embora mais discreta em termos de manifestos públicos, tornou-se símbolo de longevidade e respeito. Sua parceria com Gaga no Oscar de 2022 — marcada pela delicadeza e reverência da cantora mais jovem — foi interpretada por muitos como uma passagem de bastão simbólica, celebrando a continuidade artística entre gerações.
Outros nomes como Bebe Rexha, Kelly Clarkson e Sheryl Crow também têm se posicionado, questionando padrões e recusando a ideia de que maturidade equivale a obsolescência.
Artistas em atividade
Se, por um lado, as redes sociais ajudam a perpetuar o legado de artistas do passado e os discursos contemporâneos desafiam o etarismo de forma direta, por outro, nada fala mais alto do que a presença ativa e consistente de músicos com mais de 80 anos nos palcos e nas paradas de sucesso. Em vez de viver apenas de homenagens, muitos desses artistas seguem lançando álbuns, lotando arenas e inspirando novas gerações, provando que longevidade e relevância podem — e devem — caminhar juntas.
Ao longo de 2025, talvez a melhor resposta contra o etarismo na música seja a repercussão dos trabalhos de artistas muito conhecidos dos ouvintes da Rádio Antena 1. É o caso de Barbra Streisand, John Fogerty, Diana Ross, Mick Jagger, Rod Stewart e Frankie Valli, que, aos 80 anos ou mais, seguem criando, se apresentando e emocionando plateias em todo o mundo.
Aos 82, Barbra Streisand (em destaque acima) permanece como uma das vozes mais respeitadas da música e do cinema. Mesmo sem turnês frequentes, sua influência cultural segue forte — especialmente após o sucesso de seu livro de memórias, que liderou listas de mais vendidos e reacendeu discussões sobre sua trajetória multifacetada.
John Fogerty, fundador do Creedence Clearwater Revival (em seu mais recente lançamento logo acima), continua rodando o mundo com uma turnê solo vibrante, repleta de clássicos do rock americano. Aos 80 anos, exibe energia de sobra no palco e mantém a fidelidade sonora que o consagrou.
Com 80 anos completados em 2024, Diana Ross segue em turnê e emocionou o público ao subir ao palco do festival Glastonbury, na Inglaterra. Ícone do soul, ela reforça seu legado a cada nova apresentação, seja com hits do The Supremes ou sucessos da carreira solo.
Já Mick Jagger, com 81 anos recém-completados, segue liderando os Rolling Stones por estádios lotados. O lançamento do álbum Hackney Diamonds e a turnê mundial que se seguiu mostraram que o vocalista ainda é sinônimo de presença de palco, energia e inovação.
Rod Stewart, aos 80, alterna entre turnês solo e projetos colaborativos. Mantendo o carisma e a voz rouca que o tornaram um dos artistas britânicos mais reconhecidos da história, ele segue como atração principal em festivais e shows ao redor do mundo.
E aos 90 anos, Frankie Valli, eterno vocalista dos Four Seasons, segue em turnê pelos Estados Unidos, revisitando sucessos como Can’t Take My Eyes Off You e Sherry. Recentemente, sua trajetória voltou aos holofotes com a nova temporada do musical Jersey Boys, baseada em sua vida — uma prova de que seu legado segue vivo no palco e na cultura pop.
Mais do que veteranos em atividade, esses artistas são símbolos vivos de longevidade, relevância e paixão pela música — e talvez os maiores argumentos contra a ideia de que a arte tem prazo de validade.
O posicionamento da indústria e os primeiros sinais de mudança
O tema apesar de não ganhar destaque constante na grande imprensa já gerou algumas falas emblemáticas que revelam diferentes níveis de atuação contra o ageismo. vamos recordar alguns casos…
Em 2015, o então chefe de música da BBC Radio 1, George Ergatoudis, causou polêmica ao justificar a exclusão de Madonna da programação alegando que “o público jovem da rádio já havia seguido em frente”. A fala foi amplamente criticada por reforçar o etarismo estrutural da indústria — que muitas vezes vincula relevância artística à juventude e exclui nomes consagrados de espaços de visibilidade.
Por outro lado, movimentos mais recentes têm promovido o caminho oposto. A plataforma Talent is Timeless, criada no Reino Unido, é um exemplo simbólico. Voltada a compositores com mais de 50 anos, ela não apenas acolhe artistas maduros como os valoriza em concursos, workshops e mentorias. Em entrevista de 2023, a fundadora Ruth Wood, que também é artista, afirmou:
“A música não tem prazo de validade. Pelo contrário, a maturidade traz profundidade, honestidade e autenticidade às composições. Há espaço, sim, para que vozes experientes coexistam com os sons da juventude.”
Durante o festival WOMAD 2024, um dos diretores da curadoria artística, Chris Smith, comentou em painel sobre diversidade cultural e etária:
“Não é apenas sobre dar espaço para artistas jovens brilharem — é sobre garantir que os que abriram caminho continuem visíveis, ativos e celebrados. Isso enriquece a experiência do público e redefine a noção de relevância.”
O mesmo discurso foi reforçado no Jazz Fest New Orleans, onde Reginald Ballard, produtor e programador de longa data, afirmou ao Billboard Live:
“Quando vejo um artista de 70, 80 anos entregar um show arrebatador, entendo que estamos presenciando uma aula viva de expressão musical. A idade, nesse caso, é um trunfo — não um limite.”
Em ações mais práticas, plataformas como o Spotify vêm sendo pressionadas a dar mais visibilidade a catálogos de artistas veteranos, inclusive com a criação de playlists que celebrem longevidade e legado. Já alguns festivais independentes na Europa e América do Norte vêm adotando políticas de curadoria inclusiva por faixa etária, equilibrando novos talentos com nomes estabelecidos e artistas em retomada.
Essas iniciativas ainda são pontuais, mas refletem um movimento crescente e necessário: reconhecer que a relevância artística transcende idade cronológica. E, acima de tudo, que a presença de veteranos no palco — e fora dele — é vital para manter a música como expressão plena de diversidade, história e continuidade.
Reflexões finais
Todos esses fatores, atitudes e declarações formam um movimento crescente que desafia o modelo ageista da indústria musical — ainda fortemente pautado pela valorização da juventude e da imagem. Lady Gaga, ao lado de Madonna, reacendeu a discussão sobre como artistas maduros podem — e devem — continuar inovando, criando e se expressando com autenticidade. A relação simbólica entre Liza Minnelli, Madonna e Gaga reforça essa narrativa de resistência: são artistas que sobreviveram ao tempo, reinventaram-se e permanecem como referências culturais vivas, provando que relevância não tem prazo de validade.
Ao mesmo tempo, o fenômeno cada vez mais visível das manifestações espontâneas de fãs nas redes sociais, que mantêm vivo o legado de nomes como Frank Sinatra, Nina Simone ou David Bowie, cria uma nova camada de influência que a indústria ainda parece não ter absorvido completamente — principalmente no que diz respeito à valorização ativa das gerações artísticas do passado.
Enquanto isso, a Rádio Antena 1, por meio de sua curadoria musical e programação diária, permanece como um elo constante entre o legado desses veteranos e a memória afetiva dos ouvintes que acompanharam suas trajetórias. Uma ponte entre o ontem e o agora, celebrando artistas que, definitivamente, o tempo não consegue apagar.
[Antena 1]
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