Há dez dias os jornais noticiavam a morte do cinegrafista Gelson Domingos, que tinha 3 filhos, 2 netos e uma esposa. Acho que todo cinegrafista ficou emocionado por ver um companheiro partir assim, de maneira inesperada e no trabalho. Não conhecia Gelson pessoalmente, mas espero que a família esteja conseguindo superar essa perda e seja amparada pela emissora e pelos amigos.
Infelizmente, este não é um caso isolado, mas é o caso mais próximo que conhecemos. Lembro de ver notícias sobre cinegrafistas que estavam na Tailândia, na Líbia, mas agora, com um companheiro do Rio de Janeiro, faz qualquer profissional repensar a vida e os perigos das situações já vividas. Eu trabalhei no Aqui e Agora do SBT e foram inúmeras matérias que hoje, mais maduro, não sei se valeria a pena fazer… Já fiquei com uma arma na cabeça apontada por um policial, entrei em enchente sem proteção (ainda vejo muita equipe fazer isso), apanhei de baloeiro, enfim, situações que poderiam ser evitadas se eu tivesse conseguido dizer não. É uma situação complicada porque a empresa cobra a imagem exclusiva e nós, como profissionais, queremos o melho r ângulo, a imagem que conta da melhor forma aquela história. Mas quais são os limites?
Por ironia, eu havia separado uma dica de curso para o blog. Um curso da fundação Rory Peck que promove cursos sobre como se comportar em situações de guerra e conflito. Imaginei que não seria tão interessante para o blog porque, afinal, quantos cinegrafistas efetivamente vão para a guerra? Esqueci, na verdade, que a gente vive no Brasil uma guerra diária. Seja no trânsito, nas comunidades ocupadas pelo tráfico, nas tragédias ambientais, estamos envoltos em riscos invisíveis, protegidos apenas pelo crachá de imprensa e um colete “à prova” de balas.
E digo que é uma ironia do destino porque a fundação tem esse nome parahomenagear Rory Peck, um cinegrafista que morreu em 1993 durante um conflito em Moscou. Dois anos após sua morte, sua esposa e um amigo criaram essa fundação para oferecer treinamento e suporte aos freelancers que cobrem guerras. Hoje, a Rory Peck promove uma premiação para homenagear pessoas que arriscaram a vida em prol do jornalismo, além de oferecer assistência financeira a freelancers acidentados em conflitos e guerras.

by Marcelo Negreiros
A morte do “Repórter Cinematográfico”, este é o nome da profissão, Gelson Domingos no dia 6 de novembro foi consequência do excesso de responsabilidade que é peculiar a esta categoria. Assim como foi com Gelson poderia ser com qualquer outro profissional de imagem que busca sempre os melhores ângulos, se arriscando a todo o momento sem pensar no que pode acontecer. Os riscos que os cinegrafistas correm a toda hora são incompatíveis com salários e com o reconhecimento. Todo esforço desprendido por ele sempre recai no repórter de texto. Na hora do reconhecimento e dos louros, quem recebe a premiação, com certeza não é ele. Lembro-me muito de uma série de reportagens que o programa Fantástico da Rede Globo exibiu “Planeta Extremo” com o Repórter Clayton Coservani mostrando belíssimas imagens. Correndo, Chorando, rindo, etc… Se você perguntar a grande maioria dos telespectadores quem foi o responsável por aquelas excelentes imagens aposto que talvez nem 2% saiba. Foi assim também com o Repórter Cinematográfico, Damião Tomé em uma reportagem premiada pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes) com o título: Carrinho de Rolimã, exibida na TV Paraíba. Damião procurou os melhores ângulos, deitou-se na linha férrea, andou no carrinho acompanhando o Repórter noutro, tudo isso num sol daqueles do sertão. Uma riqueza de detalhes que não tem como fugir aos olhos. No momento da premiação, ele soube através de terceiros e aí não culpo só os envolvidos não, a própria detentora da premiação também tem culpa por adotar os costumes de premiar um só, e não toda uma equipe. Durante o tempo que fui RC, não conto as vezes em que me expus diante da linha de perigo nas operações policiais, recebendo ameaças de marginais; como eu mesmo dirigia o veículo da empresa, viajei muitas ocasiões em velocidades de 170, 180 km. Meus chefes não exigiam isto, mas meu senso de responsabilidade de prazer em ter a noticia em primeira mão me forçava. Eu cobrava de mim mesmo. E foi isto o que aconteceu com Gelson, se eu ou alguns outros colegas cinegrafistas, que conheço, estivesse naquele momento, também teria feito o mesmo em busca da melhor imagem. E cabe uma observação: Talvez em todos estes anos que Gelson Domingos, trabalhou como cinegrafista, nunca tenha aparecido na TV. Só se conhece estes profissionais, quando morre. E a imagem dele ainda serviu para levantar a audiência de várias emissoras de TV no Brasil e no Mundo. Como todo RC, Domingos morreu fazendo o que gostava. Acho que o que precisa ser feito é adotar medidas que defina quem é quem na guerra. O repórter não pode ser confundido com o inimigo. Vestido da cor dos policiais, apontando um objeto; quem do outro lado vai saber que é um profissional de imprensa?
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