Há canções que atravessam décadas e ainda soam como se tivessem sido lançadas ontem. Careless Whisper é uma delas. A faixa chegou às rádios americanas no fim de agosto de 1984 e, em fevereiro de 1985, alcançou o topo da Billboard Hot 100, onde permaneceu por três semanas, mantendo-se entre as mais tocadas nas rádios ao longo dos meses seguintes. Foi nesse momento que o mundo inteiro passou a reconhecer, nos primeiros segundos de saxofone, uma balada destinada à eternidade. A música não apenas conquistou o nº 1 — ela também redefiniu o caminho de George Michael, que até então era “apenas” metade do duo Wham!.
Uma inspiração adolescente
George tinha apenas 17 anos quando imaginou a melodia durante uma viagem de ônibus em Londres. O fim de um namoro o deixou com aquele aperto no peito que todo adolescente conhece. Em vez de guardar só para si, ele colocou em versos e melodia.
A letra nasceu como uma confissão:
“I’m never gonna dance again, guilty feet have got no rhythm”
“Nunca mais vou dançar, pés culpados não têm ritmo”
Era o retrato de alguém que se sentia incapaz de aproveitar a vida depois de errar com quem amava.
Outro verso traduz ainda mais esse arrependimento:
“Though it’s easy to pretend, I know you’re not a fool”
“Embora seja fácil fingir, eu sei que você não é uma tola”
Uma mistura de sinceridade e culpa que, ironicamente, acabou se tornando universal. Afinal, quem nunca carregou um arrependimento pesado demais para esconder?
A primeira tentativa
Quando as primeiras demos apontaram que Careless Whisper tinha algo especial, George Michael recebeu um convite difícil de recusar: gravar com Jerry Wexler, o produtor por trás de Aretha Franklin e Wilson Pickett. Wexler “adotou” a ideia e levou o jovem britânico ao Muscle Shoals Sound Studio, no Alabama — um templo da soul music onde clássicos haviam nascido. A aposta era simples: se havia um lugar para lapidar uma balada com alma, era ali.
Para garantir o sax perfeito, Wexler chamou Tom Scott, craque de Los Angeles. Mas, na hora H, George não “ouviu” a emoção que carregava desde o primeiro rascunho: o fraseado de abertura não soava como o da cabeça dele. O empresário Simon Napier-Bell lembra de George cantarolar o riff repetidas vezes, pedindo microajustes, enquanto o estúdio inteiro prendia a respiração. Mesmo sem identificar exatamente o que faltava, o próprio Wexler reconheceu que havia uma nuance que o sax ainda não capturava — e que lançar assim seria um risco. Michael também achou a mix “middle of the road”, sem a sua personalidade, e admitiu que trabalhar diante de um ídolo o deixou tenso.
O veredito? Ótima produção, mas não a “verdade” emocional que George perseguia. Ele voltaria ao estúdio semanas depois para tentar outra abordagem (com nova equipe e outro saxofonista), em busca daquele primeiro arrepio que o acompanhava desde a adolescência.
O acerto em Miami
Depois da frustração em Muscle Shoals, George Michael decidiu recomeçar. Desta vez, sem a sombra de um produtor lendário, ele teria mais liberdade para buscar exatamente o som que ouvia na própria cabeça. A gravação aconteceu em Miami, com o engenheiro Chris Porter e uma nova equipe de músicos.
Para o sax, chamaram Steve Gregory, veterano britânico. Mas havia um desafio: a frase de abertura era longa demais para ser tocada de uma só vez na tonalidade original. A solução foi engenhosa — gravar meio tom abaixo e depois elevar a fita, o que permitiu a Gregory executar a passagem inteira numa só respiração. O truque funcionou e deu vida ao riff que hoje é reconhecido em qualquer lugar do planeta.
George saiu do estúdio satisfeito pela primeira vez. Ao ouvir a versão final, sabia que havia encontrado o equilíbrio perfeito entre dor e melodia. Era essa a canção que ele carregava desde a adolescência — e que, em pouco tempo, se transformaria em um dos maiores sucessos da década.
Entre Wham! e o futuro solo

Crédito da imagem: foto da segunda versão da capa do álbum Make It Big (1984) do grupo Wham!.
Quando Careless Whisper ficou pronto, surgiu a dúvida: lançar como parte do Wham! ou marcar o início da carreira solo de George Michael? O impasse levou a duas versões distintas do single.
Na Europa e Reino Unido, a faixa saiu como Wham! featuring George Michael e trazia a primeira gravação produzida por Jerry Wexler em Muscle Shoals. Esse arranjo começava de forma mais discreta, com um teclado suave e sintetizadores preenchendo a introdução, antes da entrada dos vocais. Era uma leitura mais contida, mais “soul polido” do que a emoção crua que George buscava — e justamente por isso ele nunca ficou satisfeito.
Já nos Estados Unidos, a gravadora apostou na regravação feita em Miami: a versão definitiva com o saxofone de Steve Gregory abrindo a canção, logo no primeiro segundo, estabelecendo a atmosfera dramática que faria a música ser reconhecida em qualquer lugar do mundo. Essa foi lançada apenas como George Michael, sem menção ao Wham!.
O resultado é que a versão americana — a do sax — foi a que explodiu comercialmente, conquistou o nº 1 em mais de 25 países e projetou George Michael como estrela solo. No fim das contas, Careless Whisper se tornou a ponte perfeita: ainda estava no álbum Make It Big, mas já anunciava que o futuro de Michael seria muito maior do que o Wham!.
Quarenta anos depois

Crédito da imagem: foto promocional da edição comemorativa de 40 anos do single Careless Whisper do cantor George Michael / reprodução The Record Hub.
Passadas quatro décadas, Careless Whisper segue como um dos maiores fenômenos da música pop. E há um detalhe curioso que ajuda a explicar sua aura especial: o hit existe em duas versões oficiais. A primeira, com introdução ao teclado, creditada a Wham! featuring George Michael na Europa; e a segunda, com o sax inconfundível, lançada como George Michael nos Estados Unidos.
Isso torna a canção um caso raro na história da indústria: um mesmo single que foi, ao mesmo tempo, associado a uma banda pop de sucesso e à estreia de um artista solo que viria a se tornar um ícone mundial. Mais interessante ainda é que, apesar de a versão do sax ter saído apenas no nome de George Michael, ela não foi incluída em seu álbum solo de estreia (Faith, de 1987). O que só reforça como Careless Whisper pertence a uma zona única — entre o fim do Wham! e o nascimento de um dos maiores artistas da música.
Hoje, ao completar 40 anos do auge do sucesso, a faixa se tornou oficialmente um hit atemporal, ainda tocada em rádios, presente em playlists de todas as gerações e em incontáveis momentos da cultura pop. Só a versão oficial creditada a George Michael já beira 1,5 bilhão de visualizações no YouTube, prova de que aquele sax continua parando o tempo e emocionando.
Confira a seguir as duas versões do clássico Careless Whisper, que em 2025 celebra 40 anos de lançamento.
[Antena 1]
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