[Editada por: Marcelo Negreiros]
Degrau por degrau. Passava um pouco das 22 horas, quando o jornalista Antonio Britto porta-voz do presidente eleito Tancredo Neves resolveu descer pela escada os sete andares que separavam a UTI do auditório do Instituto do Coração, em São Paulo, onde centenas de jornalistas se acotovelavam à espera de alguma notícia. Poucas horas antes, precisamente às 18 horas, a equipe médica chefiada pelo professor doutor Henrique Walter Pinotti comunicara à família que “apesar de todas medidas extraordinárias (…) verifica-se que a situação clínica se tem agravado nas últimas horas. (…) Neste momento o quadro clínico é bastante crítico, atingindo características de irreversibilidade”.

Popular segura edição do dia do jornal “O Estado de S.Paulo” cuja capa trazia a notícia da morte de Tancredo Neves. Centenas de pessoas acompanharam a passagem do cortejo com o corpo do presidente eleito pelas principais avenidas de São Paulo Foto: Geraldo Guimarães/Estadão
O boletim foi concluído às 21h15. Não havia mais nada possível de se fazer e Tancredo seria declarado morto menos de duas horas depois. No Instituto, pelas ruas e nas igrejas milhares de pessoas acendiam velas e rezavam para que aquele momento não chegasse.
Britto, experiente jornalista, teria que comunicar que o homem que naquele momento era a esperança para a Nação, e que costumava dizer que para descansar “tinha a vida eterna”, estava morto . Depois de trocar algumas ideias com o neto de Tancredo, Aécio Neves, e com o publicitário Mauro Salles (1932-2023), Britto escreveu a nota que, para ele e para os mais próximos, deveria contemplar duas preocupações: “a dignidade que o anúncio merecia e a gravidade do que poderia acontecer após a morte daquele homem em que o Brasil inteiro havia depositado toda sua esperança”.

Edição extra do Estadão em 22 de abril de 1985 noticiando a morte de Tancredo Neves Foto: Acervo/Estadão
O jornalista, hoje diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), recorda: “Eu precisava respirar, ganhar um tempo. Tinha um texto pronto, que dobrei no bolso e, degrau por degrau, fui descendo, enquanto eu respirava fundo, fui conseguindo me fixar naquilo que eu teria que fazer”.
Quando Britto se sentou à mesa do auditório, o clima de desesperança já havia se instalado. Muitos, apesar da objetividade que a profissão exige, derramavam lágrimas. O País aguardava com a respiração em suspense. E Britto, com ar muito abatido e cansado, começou a ler:
“Lamento informar que o excelentíssimo senhor presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite, no Instituto do Coração, às 22h23. Acrescento o seguinte: nos últimos 50 anos a vida pública de Tancredo Neves confundiu-se com sonhos e ideais brasileiros de união, de democracia, de justiça social e de liberdade. Nos últimos meses, pela vontade do povo, e com a liderança de Tancredo Neves, estes ideais se transformaram na Nova República. A emocionante corrente de fé e de solidariedade das últimas semanas, enquanto o presidente Tancredo Neves lutava pela vida, só fez crescer este sentimento de união que foi sempre ação, exemplo e objetivo de Tancredo Neves. Com a mesma fé, com a mesma determinação, o Brasil haverá, a partir de agora, de realizar os ideais do líder que acaba de perder, Tancredo Neves.”

Edição extra do Estadão em 22 de abril de 1985 mostrando a comoção nacional com a morte de Tancredo Neves no dia anterior Foto: Acervo/Estadão
O presidente eleito, mineiro de São João del-Rei, 77 anos, passara por sete cirurgias, durante os 39 dias em que permaneceu hospitalizado, desde o momento em que passara mal durante uma missa, à qual compareceu com a mulher, dona Risoleta, na véspera da posse, dia 15 de março de 1985. Embora aparentasse estar bem, muitos observadores, conforme o noticiário da época, repararam que o presidente segurava a barriga com uma das mãos.
Saiu da missa e foi para casa. Brasília estava em festa. Para o canto que se olhasse havia uma comemoração. A ditadura acabara, ainda que por eleição indireta, e o Brasil tinha um presidente civil. Mais que Brasília, o País estava em festa, com gente nas ruas comemorando por todos os recantos.
Até que começou a correr a notícia de que Tancredo fora internado no Hospital de Base. Teoricamente, tinha um simples diverticulite. Políticos, conhecidos, amigos, lotaram o hospital, querendo saber notícias. Mas os médicos e a própria família tranquilizavam: em poucos dias, ele estaria em forma para tomar posse no Palácio do Planalto, um tempo tão curto que o vice-presidente José Sarney (PMDB) poderia substituí-lo, pensavam alguns.
Outra corrente achava que o sucessor deveria ser Ulysses Guimarães (PMDB), presidente da Câmara. A questão foi decidida por militar. O general Leônidas Pires Gonçalves, já indicado ministro do Exército, deu a última palavra: Sarney assumiria.

Indicado pelo Colégio Eleitoral como vice, José Sarney assumiu a Presidência interinamente durante a convalescença de Tancredo Neves e em definitivo após sua morte Foto: Joveci de freitas/Estadão e Acervo/Estadão
“Tancredo era a personificação da transição democrática, do regime militar para o civil”, resume o embaixador Rubens Ricupero, que já estava nomeado sub-chefe especial da Casa Civil, do novo governo.
Segundo ele, Tancredo era o homem ideal para aquele delicado momento que o Brasil vivia, com uma ala militar ainda profundamente inconformada com a perda do poder. “Era um homem equilibrado, de centro. Costumo dizer que Tancredo foi um dos melhores presidentes que o Brasil nunca teve”, observa Ricupero.
“Tancredo foi um líder na acepção maior que esta palavra possa ter”, afirmou seu neto, Aécio Neves (PSDB-MG) da tribuna da Câmara.
O País entrou em comoção. As pessoas choravam, diziam não saber o que seria da vida delas, do Brasil, sem Tancredo. Poucas vezes se viu algo igual. O caixão com o “presidente que o Brasil nunca teve”, subiu a rampa do Palácio do Planalto para o velório. Seguiu para Belo Horizonte e foi sepultado em São João del-Rei.
Sarney assumiu e, em seu período no governo, o Congresso aprovou a nova Constituição Federal, em 1988, que garantiu a eleição do primeiro presidente por eleição direta, em 1989. Venceu Fernando Collor, que acabaria sofrendo um impeachment em 1992. De lá para cá, mesmo com a morte de Tancredo, a democracia sobreviveu.
[Por: Estadão Conteúdo]
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