Pouco antes da metade da década de 1980, o Duran Duran estava no auge global após o álbum Seven and the Ragged Tiger e a explosão de “The Reflex”. Porém, entre exaustivas turnês, gravações e pressão midiática, o grupo decidiu tirar um raro período de pausa criativa. O que parecia apenas um descanso se transformaria em um dos episódios mais fascinantes da cultura pop: o momento em que o Duran Duran, sem que ninguém planejasse, tornou-se duas bandas paralelas, cada uma refletindo uma parte distinta de sua identidade musical.

Crédito da imagem: Duran Duran em foto de estúdio com John Taylor, Simon Le Bon, Andy Taylor, Roger Taylor e Nick Rhodes, registrada pelo fotógrafo Fin Costello. Reprodução: Redferns.
Foi nesse intervalo que surgiram Power Station e Arcadia, projetos que correram em paralelo e moldaram sonoridades, egos, expectativas e tensões — e que hoje retornam ao centro das atenções graças à reedição especial do álbum do Power Station, celebrando seus 40 anos em 2026, e também pela passagem dos 40 anos de “Election Day”, o primeiro e monumental single do Arcadia.
As raízes de uma divisão criativa
O Duran Duran havia conquistado o mundo com seu visual futurista e um pop sofisticado que sintetizava new wave, synthpop e doses calculadas de glamour. Porém, em 1984, a convivência intensa e a agenda pesada pediam respiro. Cada integrante reagiu de modo diferente à pausa — e essas reações abriram caminho para novas possibilidades.
Dois dos membros mais inquietos musicalmente, John Taylor e Andy Taylor, desejavam experimentar algo mais cru, físico e inspirado no rock e no funk norte-americano. Já Simon Le Bon e Nick Rhodes, interessados em texturas eletrônicas, atmosfera etérea e experimentação, buscavam um projeto com estética totalmente distinta. Roger Taylor, por sua vez, se viu dividido entre essas duas forças.
O resultado: o Duran Duran não se separou, mas ramificou-se.
O nascimento do Power Station: quando um single vira um supergrupo

Crédito da imagem: The Power Station em foto promocional de 1985, com Robert Palmer, Andy Taylor, John Taylor e Tony Thompson. Foto de Eric Boman. Distribuição: Capitol Records. Reprodução: eBay, arquivos e imagem em alta resolução.
Tudo começou com a ideia simples de gravar um cover de “Get It On (Bang a Gong)”, clássico do T. Rex. John e Andy Taylor convidaram amigos músicos e inicialmente pensaram em ter a modelo e cantora Bebe Buell nos vocais. O plano evoluiu rapidamente: e se fizessem um álbum inteiro com cantores convidados? Nomes como Mick Jagger e Billy Idol chegaram a ser considerados.
O destino, porém, tinha outro nome reservado: Robert Palmer.
Palmer gravou “Communication” e, em seguida, pediu para testar a voz em “Get It On”. O resultado foi tão poderoso que transformou a dinâmica do projeto. Sua interpretação deu coesão ao repertório, e John, Andy e Palmer se uniram ao baterista Tony Thompson, do CHIC, sob a produção do lendário Bernard Edwards.
O quarteto decidiu adotar o nome do próprio estúdio de Nova York em que trabalhavam, o Power Station, e criou um dos sons mais emblemáticos de 1985 — uma mistura orgânica de rock, funk, grooves pesados e produção brilhante e metálica.
Assista a seguir à performance histórica do The Power Station no Live Aid com o sucesso “Get It On (Bang a Gong)” com o vocalista convidado, Michael Des Barres e, na sequência, ao videoclipe de “Some Like It Hot”, o principal single do grupo — uma faixa marcada pelo groove inconfundível de Tony Thompson e pelo vocal poderoso de Robert Palmer, cujo vídeo consolidou a estética ousada e estilizada que acompanhou o auge do projeto em 1985.
Como Simon Le Bon e Nick Rhodes receberam o Power Station
A existência do Power Station foi recebida com pragmatismo — e uma pitada de competição saudável.
Nick Rhodes disse anos depois que o som hardcore, moderno e influenciado pelo funk “não era a praia dele”, e que ele e Simon “nem foram convidados” para participar. Em vez de ressentimento, isso gerou estímulo: se John e Andy estavam fazendo algo tão ousado e ruidoso, então eles também deveriam criar algo igualmente ambicioso, mas em outra direção.
E assim nasceu o Arcadia.
Simon descreveu o processo como uma “resposta ao tédio”, não como resposta ao Power Station. Rhodes, por sua vez, admitiu que havia “uma competição não declarada”, mas reforçou que admirava o trabalho dos colegas e considerava o Power Station “um projeto excelente”.
Arcadia: o outro lado do espelho

Crédito da imagem: Nick Rhodes, Simon Le Bon e Roger Taylor em foto promocional. Reprodução: Spotify.
Enquanto o Power Station era puro calor, energia física e guitarras ardentes, o Arcadia representava o lado atmosférico e artístico do Duran Duran. Com Nick Rhodes no comando estético e Simon Le Bon como a voz central, o grupo criou o álbum So Red the Rose (1985), frequentemente descrito como “a verdadeira continuação espiritual do Duran Duran”.
O disco é marcado por sintetizadores densos, climas cinematográficos e participações luxuosas de artistas como Grace Jones, David Gilmour e Sting. Roger Taylor, dividido entre as duas frentes, também tocou com o Arcadia — ainda que sua participação tenha coincidido com sua exaustão pessoal e posterior afastamento.
Election Day faz 40 anos: a obra-prima que definiu o Arcadia

Crédito da imagem: capa original do álbum So Red The Rose (1985) do grupo Arcadia.
O ano de 2025/2026 também marca os 40 anos do single “Election Day”, a estreia do Arcadia e um dos trabalhos mais ousados do pop britânico dos anos 80.
Relançado em outubro de 1985, “Election Day” apresentou ao público uma estética completamente diferente daquela vista no Power Station. Aqui, Rhodes e Le Bon criaram um universo sonoro quase surrealista, onde a percussão eletrônica se mistura com corais, guitarras cinematográficas e a inconfundível presença de Grace Jones em declamações spoken-word.
O single foi um sucesso mundial, alcançando o Top 10 em diversos países e pavimentando o caminho para o álbum So Red the Rose, que consolidou o Arcadia como um projeto mais artístico, experimental e altamente sofisticado. Quarenta anos depois, “Election Day” permanece como uma das gravações mais intrigantes e ambiciosas da linhagem Duran Duran.
Para muitos fãs e críticos, o Arcadia entregou o que o Duran Duran poderia ter sido se tivesse seguido um caminho mais avant-pop — algo que só se tornou totalmente compreensível décadas depois.
Assista a seguir ao super hit “Election Day”, do Arcadia.
Roger Taylor: o homem entre dois navios
Roger ficou famoso por descrever essa fase como estar “com um pé em cada navio”. Ele gravou partes de percussão para o Power Station e contribuiu com o Arcadia, o que ilustra sua posição de equilíbrio em meio à divisão criativa. Curiosamente, nenhuma das duas novas bandas tinha sua identidade rítmica original: no Power Station, a bateria principal era de Tony Thompson; já no Arcadia, predominavam programações eletrônicas e arranjos sintéticos.
Tensões e elogios: os bastidores da recepção interna
Embora o clima geral fosse de respeito mútuo, houve um momento crítico: Robert Palmer abandonou a turnê do Power Station, alegando compromissos pessoais e desgaste. Simon Le Bon chamou publicamente a decisão de “desagradável”, gesto raro num cenário onde os integrantes evitavam conflitos declarados.
Mesmo assim, Simon e Nick repetiram à imprensa que o Duran Duran continuava vivo e que nenhum projeto paralelo seria “tão bem-sucedido” quanto a banda-mãe — uma mensagem clara ao público, à mídia e talvez aos próprios colegas.
A volta por cima: quando as duas bandas se reencontram
Após o auge dos spin-offs, o Duran Duran retomou atividades com nova formação e lançou o álbum Notorious (1986), já sem Roger e com a entrada de Warren Cuccurullo. Curiosamente, alguns shows posteriores reuniram faixas do Power Station e do Arcadia no mesmo setlist — prova de que aquela fase, antes vista como arriscada, se tornaria parte da história maior do grupo.
A reedição de 40 anos do Power Station e o resgate dessa história

Crédito da imagem: foto promocional da caixa comemorativa de 40 anos do álbum The Power Station (1985), do grupo The Power Station. Reprodução: Rhino Records Store.
Quatro décadas após sacudir o pop com sua mistura inconfundível de rock, funk e produção de brilho metálico, o Power Station volta ao centro das atenções com a reedição oficial que será lançada em 23 de janeiro de 2026. Trata-se de um resgate amplo e cuidadoso de um dos projetos paralelos mais audaciosos da linhagem Duran Duran, reunindo materiais históricos em dois formatos principais: um box de 4 CDs e uma edição dupla em vinil 2 LP.
A nova edição apresenta o álbum original em um remaster de 2025, acompanhado por instrumentais inéditos e remixes raros que revelam camadas pouco conhecidas da produção de Bernard Edwards. O material também recupera momentos marcantes das apresentações ao vivo do grupo, incluindo suas performances no Live Aid de 1985 e registros de concertos daquele mesmo ano que nunca haviam sido lançados oficialmente. Para contextualizar a história, o box inclui ainda um livreto de 12 páginas, com entrevistas recentes de John Taylor e Andy Taylor, oferecendo uma visão atualizada sobre o processo criativo do projeto. No formato em vinil, a reedição chega prensada em vinil preto reciclado, ainda com o peso final a ser confirmado.
O retorno do Power Station ocorre justamente quando os fãs também celebram os 40 anos de “Election Day” e do álbum So Red the Rose, do Arcadia — um raro alinhamento histórico que reforça como 1985 foi um ponto de virada, o ano em que o Duran Duran se repartiu em duas frentes criativas, se reinventou e expandiu seu alcance musical de um modo que ainda reverbera na cultura pop.
Por que essa história ainda importa
A divisão temporária do Duran Duran em dois projetos simultâneos não foi um rompimento, e sim um fenômeno raro: um grupo no auge que decidiu expandir seus limites em vez de se deixar restringir pela própria fórmula.
O Power Station mostrou o lado visceral, rítmico e elétrico dos Taylors.
O Arcadia revelou o lado introspectivo, artístico e atmosférico de Le Bon e Rhodes.
Ambos refletiram, à sua maneira, a versatilidade impressionante de um dos maiores nomes do pop britânico.
E, quarenta anos depois, essa fase segue fascinando fãs, colecionadores e críticos — agora com direito a um vasto material de arquivo sendo oficialmente resgatado.
[Antena 1]
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