No Brasil que está em transe, é bom ver Terra em Transe


				
					No Brasil que está em transe, é bom ver Terra em Transe
Foto/Reprodução.

Horas antes da chegada da Polícia Federal à casa do ex-presidente Jair Bolsonaro, Reinaldo Azevedo escreveu que havia motivos para que fosse decretada a prisão preventiva de Bolsonaro e do seu filho Eduardo.

Reinaldo Azevedo é, muito provavelmente, o jornalista brasileiro com maior domínio dos temas jurídicos. Trotskista na juventude, migrou para a direita e hoje elogia Lula. Ao defender a decretação da preventiva, certamente tinha motivos para isso.

Vi Eduardo Bolsonaro numa entrevista de 23 minutos na CNN. Muita gente de perfil progressista não consegue ver, mas é importante saber o que passa pela cabeça da família Bolsonaro.

Jair Bolsonaro é tosco, simplório. Eduardo Bolsonaro não é tão simplório quanto o pai, mas parece estar surtado, vivendo num mundo paralelo na América de Donald Trump. Prevê que, ou fazemos o que Trump quer, ou não tem eleição em 2026.

Eduardo Bolsonaro diz que o Brasil ora governado por Lula é uma ditadura. Isso é método ou é delírio do deputado que foi para os Estados Unidos conspirar contra o seu país?

Depois das horas que dediquei ao noticiário da sexta-feira (19), depois de ver Eduardo na CNN e seu pai de tornozeleira, fui rever o velho e indispensável Terra em Transe.

Muita coisa mudou, mas o Brasil de 2025, com seu elenco político, continua muito parecido com o Eldorado de Glauber Rocha em Terra em Transe.

Unidos em Glauber, o gênio do construtor e o mito do demolidor gestaram um filme que fala das nossas questões cruciais. Falava em 1967. Fala agora, quase 60 anos depois.

Esquerda, direita, populismo, messianismo, o papel dos intelectuais, o povo, a desigualdade, o autoritarismo, o nosso destino enquanto Nação.

Terra em Transe, se tudo isso fosse pouco, ainda é absolutamente devastador como delírio estético. A questão é que, para muitos, o filme de Glauber Rocha é tosco, hermético, incompreensível. Quase ninguém quer enfrentá-lo.

A cena que mostra o carro no meio da multidão, conduzindo o político vitorioso para a posse, é real. As imagens são da posse de José Sarney no governo do Maranhão, em 1966. Glauber havia filmado o Maranhão das oligarquias e profundas desigualdades.

Perto do desfecho do filme, as falas intercaladas dos personagens de Paulo Autran e José Lewgoy não são tão diferentes das que temos no Brasil de 2025.

O Porfírio Diaz de Paulo Autran tem muito do que vemos em Jair Bolsonaro. O Felipe Vieira de José Lewgoy tem algo do populismo de Lula, mas em versão piorada.

No livro de memórias Verdade Tropical, Caetano Veloso escreveu que “se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minha ideias, temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em Transe…”.

Martin Scorsese, o grande cineasta ítalo-americano, adora Terra em Transe e é fascinado pela cena da morte de Paulo Martins, o personagem de Jardel Filho.

É ótimo que Scorsese dedique algum tempo a Glauber, mas acho que seu fascínio é essencialmente estético. Duvido que entenda a complexidade do nosso jogo político.

No livro 100 Melhores Filmes Brasileiros, o crítico paulista Luiz Fernando Zanin Oricchio diz que Terra em Transe “é um divisor de águas, uma cisão, uma cicatriz aberta na cultura brasileira. Depois dele, nada foi igual”.

É Zanin que evoca uma frase de Cacá Diegues: Terra em Transe continua em cartez até hoje.

JP


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