Uma portaria do Ministério do Trabalho promete dificultar a vida de comerciantes e trabalhadores a partir de 1.º de julho. A medida restabelece a obrigatoriedade de negociação coletiva com sindicatos para autorizar o funcionamento do comércio em feriados.
A portaria, de número 3.665, foi assinada pelo ministro Luiz Marinho ainda em novembro de 2023. Sua vigência foi adiada algumas vezes, mas ela passará a valer no início de julho. Trata-se uma das primeiras vitórias do ministro – que já comandou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – em sua tentativa de fortalecer o sindicalismo.
Antes disso, ele tentou, sem sucesso, acabar com o saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e regular o trabalho de transporte por aplicativos.
As medidas fazem parte de uma ofensiva do governo Lula contra o setor privado e a liberdade econômica. O presidente já se queixou da autonomia das empresas privadas. Tentou interferir no rumo de ex-estatais como a Vale e a Eletrobras e indicou aliados para os conselhos de administração de empresas privadas.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo alertam que a portaria ministerial eleva burocracia e custos para as empresas, além de retirar autonomia de empregadores e empregados.
Para Murilo Torelli, professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a nova regra é um retrocesso que privilegia o movimento sindical em detrimento da liberdade econômica e da capacidade de geração de renda.
Menos liberdade em meio a sinais de desaceleração na economia
A norma ministerial vai impedir que o trabalho em feriados seja definido por acordos diretos entre empresas e empregados ou em caráter permanente, exigindo sempre a intermediação sindical.
Segundo Paulo Renato Fernandes, professor da FGV Direito Rio, a medida “mata a liberdade das pessoas de estipularem esse tipo de trabalho”. Ele lembra que, para muitos trabalhadores, especialmente os que recebem por comissão, o feriado é uma oportunidade de aumentar a renda.
“Se o comércio não puder abrir em feriados por falta de acordo coletivo, esses trabalhadores perdem a oportunidade de aumentar sua renda em dias de maior movimento”, critica.
Ele também avalia a portaria como parte de uma “toada” do atual Ministério do Trabalho, orientada para uma regulamentação “interventiva”, que engessa as relações de trabalho e desconsidera a dinâmica do mercado.
A mudança ocorre em um momento delicado. A atividade econômica dá sinais de desaquecimento aqui e ali em meio à alta da Selic – a taxa básica de juros está em 14,75% ao ano, o maior nível desde 2006.
A desaceleração na criação de empregos com carteira assinada atingiu mais intensamente o comércio, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged/MTE). O setor foi o que menos criou vagas formais de trabalho neste ano: de janeiro a abril, gerou 36 mil empregos em todo o país, já descontadas as demissões, cerca de 15% menos que no mesmo período de 2024.
Nova regra para abertura do comércio em feriados transforma sindicatos em “cartórios”
Segundo especialistas, a portaria foi editada para alinhar a regulamentação do trabalho em feriados à Lei 10.101 de 2000, que já previa a necessidade de convenção coletiva e autorização municipal. Glauce Fonçatti, especialista em direito do trabalho, afirma que, “como nenhuma portaria pode prevalecer sobre uma lei, foi editada a nova portaria cancelando a anterior”.
Embora a justificativa seja técnica, a mudança gera um cenário de maior dificuldade para o funcionamento do comércio em geral, como os shopping centers, que dependiam de uma regulamentação mais flexível do Ministério do Trabalho.
O efeito mais direto da portaria é o fortalecimento dos sindicatos nas negociações. “Retomar o texto da lei e exigir que o funcionamento do comércio em feriados só ocorra mediante um acordo prévio com o sindicato faz com que as entidades sindicais voltem a ter voz ativa”, avalia Fonçatti.
Fernandes vê a medida do governo como tentativa de “engessar o tema, criando dificuldades e receitas para o sindicato”. Ele aponta que, ao tornar o sindicato essencial para a autorização, a nova regra o transforma quase em um “cartório”, onde empresas precisarão obter uma “chancela” para funcionar.
Isso pode significar burocratizar e encarecer o processo, já que sindicatos podem cobrar das empresas para celebrar esses acordos. A preocupação é que essa cobrança se torne obrigatória, vinculando a operação da empresa ao aval sindical.
Nova regra para o comércio em feriados: mais custos e menos flexibilidade
Para as empresas, especialmente as do comércio, a nova regra para o trabalho em feriados impõe desafios significativos. Segmentos como supermercados, farmácias, lojas de rua e de shoppings, restaurantes e padarias serão diretamente afetados. Os impactos diretos para os negócios são os seguintes:
- Perda de flexibilidade operacional: Empresas que antes escalavam equipes com base em acordos diretos com funcionários agora dependerão de negociações sindicais, o que pode comprometer a capacidade de resposta em datas comemorativas e picos de consumo.
- Aumento da burocracia: Será preciso verificar e cumprir a legislação específica de cada município, além de manter diálogo permanente com sindicatos, dificultando a operação padronizada de grandes redes.
- Custos mais altos: A necessidade de negociação coletiva envolve custos com assessoria jurídica, articulação sindical e adequação interna.
- Riscos jurídicos e financeiros: Empresas que não se adequarem podem enfrentar ações trabalhistas, multas, indenizações e pagamento retroativo de adicionais. A falta de planejamento pode gerar conflitos com funcionários.
Para os pequenos comerciantes, a situação pode ser ainda mais crítica. Muitos poderão optar por não abrir nos feriados para evitar multas, resultando em perda de vendas em dias importantes.
Frente do Empreendedorismo quer sustar portaria
A entrada em vigor da portaria 3665 já foi adiada três vezes. A vigência, inicialmente prevista para 1.º de março de 2024, foi postergada para 1.º de janeiro de 2025 e depois para a previsão atual, de 1.º de julho.
Embora especialistas acreditem que o prazo foi suficiente para adaptação, outros admitem que empresas em regiões com sindicatos menos organizados podem enfrentar dificuldades.
A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) manifestou preocupação e solicitou a aprovação de um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar a portaria, defendendo a liberdade de escolha das empresas. No entanto, não houve discussão significativa, e a portaria deve entrar em vigor, a menos que haja um novo movimento político ou adiamento governamental.
[Gazeta do Povo]
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