É difícil saber qual das duas hipóteses é a pior e mais danosa à relação de confiança entre a população e a imprensa. Uma relação que está sendo submetida a um triplo estresse. Se a criminalidade domina nos telejornais, nas páginas web de jornais a tendência é destacar informações bizarras ou fofocas de personalidades, enquanto nos jornais e revistas impressas predomina a preocupação em impor uma agenda política desfavorável ao governo e voltada para as eleições de 2014.
Assim fica fácil perceber a orfandade do público em relação à imprensa do país, pois, com raras exceções, os problemas concretos da população ficam em segundo plano. Uma das exceções é o jornal local da rede RBS em Florianópolis (SC), que regularmente identifica problemas de atendimento dos serviços públicos e cobra soluções das autoridades. Não sei se situação idêntica acontece noutras capitais brasileiras, porque moro em Floripa e não tenho acesso ao noticiário local de outras cidades. Os leitores podem me ajudar a montar um quadro mais completo postando comentários com informações.
Crime, escândalos e corrupção não são um monopólio da mídia brasileira. Nos Estados Unidos e até em alguns países europeus o noticiário local também está contaminado pelo vírus da violência. A máxima do “se sangrar é notícia” tem seguidores em todo o mundo, mas ela se tornou insuportável nos últimos tempos aqui no Brasil por falta de opções editoriais em redações que parecem dominadas pela falta de criatividade e ousadia jornalística.
É difícil encontrar razões editoriais para justificar uma cobertura tão detalhada e prolongada de julgamentos como os do goleiro Bruno, para um crime ocorrido em 2010, e o dos seguranças de PC Farias, morto há 17 anos. O noticiário quotidiano virou um circo de horrores em que o caso do norte-americano que sequestrou e estuprou três mulheres durante 10 anos vai logo ser substituído por outro caso tão ou mais macabro.
O noticiário policial sempre foi um prato forte no menu dos jornais populares, nas rádios e nos telejornais, mas a concorrência feroz entre empresas jornalísticas fez com que elas passassem a focar em detalhes, mesmo sórdidos, e no impacto emocional. É quase uma regra induzir o entrevistado ao choro, no caso de televisão. As entrevistas de policiais, então, são um primor de jargão e recitação do Código Penal, principalmente sobre as penas a que está sujeito um suspeito.
Os editores parecem mais preocupados com a concorrência do que com o público que é obrigado a suportar a batalha de egos e de marqueteiros, enquanto reclama dos transportes, da falta de água, do atendimento médico e da escassez de vagas em creches e escolas primárias. Qualquer repórter que for a uma comunidade vai encontrar uma farta pauta para reportagens e principalmente campo para uma interação com moradores. Mas quando ele volta para a redação encontra uma realidade muito distinta: a da concorrência e subordinação à agenda política dos donos do jornal, revista ou emissora.
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