Hannah vai dormir à noite sem saber como sua taxa de glicemia irá acordar. Durante a madrugada, o medidor vai de 150 para 300, e depois pode despencar para 40 num piscar de olhos. Há cerca de três meses, a garota de 11 anos teve uma grave crise de hipoglicemia que a levou a convulsões e a ficar desacordada por mais de dez minutos.
Com o diagnóstico de diabetes tipo 1 há três anos, seu quadro é totalmente instável e descompensado, como conta sua mãe, a professora Darlene Azevedo de Souza Santo. “Eu diria que é uma luta constante. Porque tem mudança de insulina, mudanças de médico. Hoje eu tenho convênio, o que facilita um pouco, mas não cobre tudo, só as consultas. As medicações, não.”
No caso de Hannah, que já teve complicações hepáticas por conta da diabetes e na pele pelas aplicações da caneta de insulina, seu médico diz que o uso de uma bomba de insulina é imprescindível. Hoje, a nomenclatura correta para esse dispositivo é sistema automatizado de insulina, que inclui a bomba, sensor e o algoritmo que a comanda. O sistema pode custar até R$ 30 mil, mais uma manutenção mensal de aproximadamente R$ 3.000.
O único jeito hoje de conseguir com que o plano de saúde arque com a bomba é por via judicial, se valendo de recursos financeiros e de tempo para entrar com uma ação jurídica pedindo a cobertura. Sem, claro, nenhuma garantia.
Para debater o assunto, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) convocou uma audiência pública no dia 18 de agosto. “Como tem muita gente entrando com pedidos [de cobertura da bomba], e dentro do tribunal e nos estaduais têm decisões diferentes, o STJ quer decidir um entendimento que vai passar a valer para todo mundo”, explica Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor e da Saúde e assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP.
A decisão final ?favorável ou não? ainda não é um consenso no sistema judiciário, principalmente após uma mudança na legislação em 2022, que flexibiliza a obrigação dos planos de saúde de cobrirem algo que não consta no rol da ANS.
Ou seja, a audiência pública é para ouvir os terceiros interessados, fala Ferri, que são as entidades de saúde e qualquer pessoa que possa se interessar pelo tema. A partir dessa audiência pública, o STJ tomará uma decisão de uma nova jurisprudência entendimento comum que irá orientar todos os tribunais estaduais da corte. Seja favorável ao fornecimento pelos planos ou não.
Daniel Miziara, advogado da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), diz que a expectativa da comunidade é alta para um parecer favorável, já que existem dados relevantes mostrando a eficácia e importância das bombas de insulina no tratamento de diabetes.
Um ponto importante é que, mesmo frente a um parecer favorável, por ora os pacientes ainda só teriam acesso às bombas judicializando o caso. Porém, Miziara diz que, a depender do andamento da situação, o equipamento poderia vir a ser disponibilizado nem a necessidade de passar por um processo judicial.
A diferença principal do sistema automatizado de insulina para o sistema de canetas é um melhor controle da administração. “Pessoas com hipoglicemias severas, variabilidade glicêmica, que necessitam apoio, ajuda de outra pessoa, são as que mais se beneficiam”, diz Marcio Krakauer, coordenador da Comissão de Inteligência Artificial e Tecnologias em Endocrinologia e Metabologia (Ciatem) da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Entre as pessoas que mais se beneficiariam do dispositivo estão: crianças e adolescentes, gestantes ou mulheres que estão planejando uma gravidez e também pessoas com neuropatia do diabetes, uma complicação nos nervos periféricos. Ou seja, todas as pessoas com o diagnóstico de diabetes tipo 1.
“A criança não vai olhar para a mãe e dizer que está com hipoglicemia. Então o pai e a mãe vivem uma loucura para identificar as hipoglicemias. Quem não usa sensor ou bomba, fica nessa aflição com as crianças”, lembra Karla Melo, coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
A professora Darlene retira as duas insulinas que sua filha faz uso, tanto a de ação rápida quanto prolongada, em farmácias de alto custo do SUS (Sistema Único de Saúde). Os sensores para medição, que são mais precisos do que as tiras, não estão disponíveis nem no SUS nem são cobertos por planos de saúde. Apesar de Melo afirmar que a SBD solicitou a inclusão dos sensores de glicose na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), a proposta foi recusada por impacto orçamentário.
Segundo o Ministério da Saúde, “a tecnologia foi analisada em dezembro de 2024 e recebeu recomendação desfavorável à incorporação, uma vez que a monitorização já é ofertada pelo SUS na forma de medição por fitas.”
Algumas pessoas, como Hannah, se beneficiam e aumentariam sua qualidade de vida com tecnologias mais avançadas para o controle do diabetes tipo 1. Hoje, apesar de o SUS fornecer um tratamento eficaz e completo para a doença, para alguns pode não ser o suficiente.
“A pessoa que está em uso de uma insulina análoga basal e prolongado, e está tendo hipoglicemias graves, noturnas ou muito frequentes no dia a dia da pessoa, ela tem que evoluir para o próximo passo terapêutico”, diz Melo.
A automação ajuda a controlar a variabilidade glicêmica, e ele diz que os prejuízos de se ter a doença descompensada são múltiplos. As complicações do diabetes podem levar à cegueira, amputações nos pés, complicações cardiológicas, nos rins e em todo o corpo. “A pessoa perde sua individualidade, perde a sua capacidade de ir e vir, vamos chamar assim, perde a sua independência no final das contas”, afirma Krakauer.
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há quatro registros válidos de bombas junto ao órgão até o momento. No entanto, todos são da mesma empresa, de diferentes modelos, dos Estados Unidos. A Agência afirma que não há nenhum outro dispositivo na fila de análise.
A Agê ncia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma que “o fornecimento de equipamentos, insumos e medicamentos relacionados à bomba de insulina para tratamento de diabetes, em domicílio, não constam no rol e não possuem cobertura obrigatória pelos planos privados de assistência à saúde.”
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
* GIULIA PERUZZO (FOLHAPRESS)
[ParaibaOnline]
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