quando ser mãe custa mais que o dobro

Em segundos de distração, Aline Passos, 44, viu o filho quebrar o terceiro celular em menos de seis meses. Ele mordeu a tela do aparelho com tanta força que não havia como consertá-lo. Por sorte, não se feriu. Mas, ao ver a cena, Aline lamentou viver tudo aquilo novamente em tão pouco tempo: não havia terminado de pagar as parcelas do antigo aparelho quando precisou comprar outro.

Esse não era o único gasto excepcional decorrente das necessidades do filho Benjamin, uma criança carinhosa e brincalhona, de 5 anos, com TEA (Transtorno do Espectro Austista). Terapias, consultas médicas frequentes, medicamentos, fraldas, convênio, deslocamentos e alimentação integram a lista de despesas mensais de Aline.

Contudo, não havia calculado, até recentemente, os danos patrimoniais. Durante crises, Benjamin quebra objetos. “Você vai olhar uma criança típica, durante um acesso de raiva, ela não puxa uma TV de 43 polegadas sobre si. Ele fez isso”, conta. Era a única televisão da casa. Fora a quebra de outros objetos pessoais, como perfumes e maquiagens.

Um estudo do Instituto PENSI e Fipe-USP revelou que famílias com filhos autistas de nível 3 gastam, em média, mais que o dobro que famílias típicas. O valor pode chegar a R$ 1.859 mensais per capita a mais. “Isso significa que, se na casa moram, por exemplo, cinco pessoas (pai, mãe e três filhos), os gastos mensais chegam a R$ 9.295 acima do que os de uma família típica”, aponta a pesquisa.

No Brasil, 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas, segundo pesquisa da FGV. Simultaneamente, o país soma cerca de 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com TEA, segundo o IBGE de 2022. O encontro entre esses dois universos —mães solo e filhos autistas— revela um cenário pouco discutido, em que as perdas não são somente financeiras, mas também psicológicas e sociais.

Ao se tornar mãe atípica, Aline, doutoranda em sociologia e pesquisadora, precisou renunciar ao cargo de professora do ensino superior, que exigia turnos matutinos e noturnos. Pela manhã, circula entre duas ou três clínicas com o filho, que faz cinco terapias: psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicomotricidade e musicoterapia. À noite, não pode trabalhar, porque Benjamin toma medicações e tem distúrbio de sono.

Aos 32 anos, Josiane Aparecida dos Santos Florentino, estudante de psicomotricidade, enfrenta números ainda mais apertados. Mãe solo do Arthur, 9, vive com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo. Somente com a alimentação —já que o filho tem seletividade alimentar severa— gasta entre R$ 800 e R$ 900 mensais.

“Ele só come empanado de frango redondinho de uma marca específica. Se eu comprar tirinha, ele não consegue comer. Não adianta comprar mais barato”, explica. Para conseguir custear a alimentação do filho, Josiane se limita ao básico: “Ou eu compro a carne dele, ou compro a minha. No final de semana vou para casa da minha mãe que faz marmitas para me ajudar”.

Além das dificuldades diárias, todas as mães ouvidas pela reportagem precisaram recorrer à Justiça para garantir direitos básicos. Bárbara travou dois processos contra o plano de saúde para acessar cobertura adequada das terapias, assim como Aline. Também judicializou a pensão alimentícia. Josiane enfrentou batalha similar para conseguir pensão do pai de Arthur.

A psicóloga Mariana Sotero Bonnás, especializada no atendimento a famílias atípicas e autora do livro “Mães atípicas – A Maternidade Que Ninguém Vê”, defende que “cuidar de uma criança com desenvolvimento atípico é muito mais exaustivo”. Ela explica que a sociedade sobrecarrega as mulheres, pois “olha para a mãe como se ela fosse responsável”, e “como se ser pai fosse opcional e ser mãe não”.

Para ela, mães solo enfrentam dupla penalização: “Às vezes não consegue trabalhar e dependem do governo, ou trabalhar menos para conseguir cuidar desse filho”, impactando a renda da casa. Não à toa, entre as principais queixas trazidas por elas estão os custos com coisas quebradas e um “gasto muito grande com terapias e com uma série de outras coisas”, diz Mariana.

O resultado é que “com essa menor rede de apoio, o cansaço e a exaustão são muito maiores da mãe solo, até porque junta os cuidados da casa também”. Mariana observa que as mães “geralmente chegam [à terapia] quando elas realmente não aguentam mais. Quando está desesperador e elas têm dinheiro sobrando. Se não têm, elas não olham para elas”.

A especialista defende que as mães atípicas busquem “pequenos momentos de pausa e de fazer coisas que elas gostem”, mesmo em atividades cotidianas. “Enquanto eu tô lavando louça, eu vou assistir 15 minutos da minha série, ou vou ouvir uma música que eu gosto. Porque isso faz muita diferença”, sugere. Para Mariana, é irreal esperar por um dia inteiro livre, então o autocuidado deve estar nos pequenos momentos.

*MARINA ROSETTI E PAOLA CHURCHILL/Folhapress

[ParaibaOnline]

Paraibaonline


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Comente a matéria:

Rolar para cima