A perda de uma pessoa querida para o suicídio pode ser devastadora. Aos que ficam, é comum que apareçam inúmeras dúvidas, além de sentimentos como dor, raiva e culpa. De acordo com um estudo publicado no Public Health Reports, estima-se que 115 pessoas podem ser afetadas por um único suicídio, sendo que uma em cada cinco relatam que a experiência teve um impacto significativo ou causou grande perturbação.
Nesses casos, a vivência do luto pode ser ainda mais intensa. Saber o que fazer e, principalmente, o que não dizer, é essencial para quem se disponibiliza ao acolhimento. O luto do suicídio é diferente. O processo de luto é natural, e se manifesta sobretudo na forma de tristeza profunda, desesperança e sentimento de que nada mais faz sentido. Para algumas pessoas, a dor é tão marcante que os sinais podem ser sentidos fisicamente, com dores no corpo, cansaço, fraqueza e problemas para dormir.
O isolamento, a busca ávida por lembranças e o consumo excessivo de álcool ou de medicamentos tranquilizantes são comportamentos comuns na busca por aplacar esse sentimento.
Os cinco estágios do luto, um conceito estruturado pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, incluem:
negação: isolamento e a negação da morte.
raiva:
desejo de lutar contra a morte barganha:
tentativa de trocas e pensamentos como “é algo natural” depressão:
tristeza profunda, melancolia e recolhimento aceitação: compreensão de todo o processo e dos fatos.
No caso de uma perda por suicídio, esse processo pode ser ainda mais complexo, como destaca a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu. “É muito comum surgirem sentimentos inóspitos, dentre eles, culpa, vergonha, sensação de abandono, rejeição, traição, impotência, solidão, raiva, tristeza, desespero, desamparo e desesperança. É como se estivéssemos no primeiro carro de uma montanha-russa que nem pedimos para estar”, afirma.
Antes do suicídio:
O que dizer e o não dizer para alguém em risco, Karina se tornou uma das referências em prevenção e posvenção do suicídio no Brasil. A escolha pela especialização na área teve como motivação a experiência familiar de inúmeras tentativas da mãe em tirar a própria vida. O luto é saudável, faz parte da vida, mas pode levar a complicações e se tornar patológico. Para evitar esse cenário, é preciso acolher e abrir espaço para o diálogo.
“Ter uma escuta respeitosa, encaminhar para serviços de psicoterapia e psiquiatria, grupos de apoios aos enlutados por suicídio e rodas de conversas são medidas para que as pessoas possam ter espaços de pertencimento e se relacionar com pares que estejam atravessando o luto”, diz a psicóloga. Apoio da família e dos amigos pode ajudar no processo de luto
O que pode ajudar.
Para quem sofre, o primeiro passo é entender que a pessoa não se matou por sua causa ou por algo que alguém eventualmente tenha feito, falado ou deixado de fazer. O suicídio tem diversas motivações, incluindo fatores psicológicos, econômicos e sociais. Em grande parte, envolve questões que estão alheias ao nosso controle, como transtornos mentais, dificuldades financeiras e discriminações sociais. Além disso, por mais que existam indícios do comportamento suicida, é bastante difícil prever quando ele irá, de fato, acontecer.
Compreender essas múltiplas faces do problema ajuda. Ter pessoas verdadeiramente presentes também. “Muitas vezes, por não saber o que falar, os amigos se afastam. Aí, o enlutado acaba sofrendo duas perdas: uma do próprio ente querido, a outra pela falta de suporte social”, explica a psicóloga Luciana França Cescon, coordenadora de conteúdo do Instituto Vita Alere.
Você não precisa ter uma resposta ou saber exatamente o que dizer, mas permanecer por perto é muito importante.
Atenção: o que não dizer.
O tabu envolvendo o suicídio dificulta até mesmo a escolha das palavras por quem deseja prestar apoio. Neste momento, tão importante quanto demonstrar solidariedade é saber o que não falar diante da morte de alguém que tirou a própria vida. Devem ser evitadas manifestações de mera curiosidade ou opiniões que não contribuam positivamente.
De maneira prática, evite dizer coisas como:
“Como ela se matou?” “Quem encontrou o corpo?” “Por que será que essa pessoa fez isso?” “Você não percebeu nenhum sinal?” “Agora essa pessoa deve estar sofrendo” “Pessoas que se matam vão para o inferno” “Pelo menos ela encontrou alívio” “É importante evitar julgamentos e clichês que, na verdade, só trazem mais sofrimento para o enlutado que, muitas vezes, também se encontra perdido e com essas mesmas questões. Na dúvida, fique por perto, ofereça apoio e espere que a pessoa diga como ela vai se sentir ajudada”, diz Luciana.
A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu destaca a importância de filtrar o que se ouve (principalmente de pessoas inconvenientes), com o objetivo de se preservar.
A quem busca acolher, ela recomenda:
“Em vez de buscar explicações, demonstre compreender os sentimentos e compartilhe com a pessoa aquilo que viveu com o morto. E, no lugar de teorias sobre o luto, ofereça as vivências singulares daquele que morreu”, diz. Entre as possibilidades, são sugeridas abordagens que mostram a disponibilidade, ao mesmo tempo em que se respeita o espaço do outro: “Como posso te ajudar?” “Do que você precisa neste momento?” “Posso auxiliar com alguma coisa prática que precisa ser resolvida?” “Posso comprar coisas que estiverem faltando em casa” “Estou disponível para conversar, quando você se sentir à vontade” “Posso voltar para uma visita?” Compartilhamento de vivências.
Entre os diversos grupos de apoio para acolher quem sofre de uma perda para o suicídio. Compartilhar experiências é valoroso. “Existem histórias muito diferentes de pessoas que tiraram a própria vida e quem estava por perto nunca imaginou, assim como casos de pessoas que já tinham dado sinais e a família não conseguiu impedir, por que tem um limite do que a gente consegue fazer”, afirma Luciana.
Em geral, são iniciativas coordenadas por pessoas que também perderam parentes ou amigos, com a participação de especialistas em saúde mental. A Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) disponibiliza para consulta um guia dos grupos dividido pelas cinco regiões do Brasil, acesse. Já o Instituto Vita Alere realiza reuniões pela internet. Para participar, é preciso preencher um formulário disponível online.