Apesar do avanço dos pagamentos eletrônicos, os velhos talões ainda resistem, especialmente para parcelamento de compras de maior valor e longe dos grandes centros

Num universo em que as fintechs dominam o noticiário e dados mostram a elevada adesão dos brasileiros a soluções digitais como o Pix, falar em cheque pode parecer um tema ancestral. Mas a velha folhinha numerada e assinada resiste na economia brasileira. O comerciante Paulo da Silva é um dos que não pode abrir mão do velho modelo de pagamentos. Em sua loja de material de construção, localizada em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, é possível comprar cimento, areia e revestimentos usando o bom e velho cheque. Silva não é avesso à tecnologia. Apenas quer atender bem a freguesia. “O cliente consegue pré-datar e não compromete o limite do cartão de crédito com uma conta alta”, afirmou. Cauteloso, ele só recebe as folhinhas de pessoas conhecidas, para evitar calotes. Há uma segunda situação em que o uso de cheques é comum: quando o perfil etário do cliente é elevado. Caso da fisioterapeuta Cleci Rojanski. A maioria de seus clientes de pilates paga usando Pix. “Só recebo cheques de duas clientes idosas”, disse ela.

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A pandemia e a introdução do Pix aprofundaram uma queda que vem ocorrendo desde a estabilização da economia. A iniciativa do Banco Central (BC) de democratizar os meios de pagamento e reduzir os custos bancários rendeu frutos. A solução, lançada em novembro de 2020, já se firmou. Foram 7 bilhões de transações no primeiro ano, movimentando R$ 4 trilhões. Desde sua implantação, a aprovação do Pix subiu de 76% para 85%, e ele tem a adesão de 71% dos brasileiros, segundo a edição mais recente do boletim Radar Febraban.

“A cultura brasileira de usar o cheque como um microfinanciamento começou nos tempos da hiperinflação e ainda continua” Mellissa Penteado CEO do bureau de crédito proScore (Crédito:Divulgação)
Mesmo assim, o cheque, instrumento nascido em 1845 com o nome de cautela e regulamentado por lei só em 1893 resiste bravamente às novas tecnologias. Sua importância, é fato, vem caindo. Em 1995, primeiro ano após a estabilização da economia com o Plano Real, foram compensados 3,3 bilhões de cheques. Em 2021 esse número havia recuado para 218,9 milhões, baixa de 23,7% em relação a 2020, segundo o Serviço de Compensação de Cheques (Compe), prestadora desses serviços operada pelo Banco do Brasil.

DIVERSIDADE Há vários motivos que explicam a resistência do cheque. Um deles é a extensão territorial e a diversidade brasileira. Os pagamentos digitais predominam nos grandes centros. Nas regiões menos urbanizadas, as deficiências da tecnologia e a falta de cultura retardam o avanço tecnológico. “Quando surge uma nova tecnologia, ela não apaga as demais. Modalidades diferentes de pagamentos tendem a coexistir. Se não fosse assim, o fiado e o crediário não existiriam mais”, disse a CEO do bureau de crédito proScore, Mellissa Penteado.

Para ela, o Pix é uma revolução tecnológica importante, mas isso não garante sua aceitação automática. Outras variáveis precisam ser consideradas. “Há gerações que não acompanham essa evolução, bem como regiões do País onde a infraestrutura é deficiente”, afirmou. Nem mesmo o Pix parcelado, que promete substituir o tradicional pré-datado, deve substituir o talão. A clientela mais tradicional não está confiante devido aos golpes e às fraudes. “Nenhuma forma de pagamento é totalmente segura, porque a tecnologia avança tanto nos benefícios quanto na criatividade de quem está mal-intencionado.”

Há outras características do cheque, que o microempresário Silva, e muitos como ele, conhecem bem. Se o emissor for de confiança, a folhinha é dinheiro líquido e certo. Capital que pode ser usado para financiar as próprias compras com os fornecedores. Outra vantagem é evitar taxas. “Cheque é bom porque estou livre das taxas das maquininhas de cartão”, disse Silva. Ao usar o recurso tradicional, os comerciantes estão livres das tarifas e do desconto cobrado na antecipação dos recebíveis de crédito e débito.

Essa gratuidade é um diferencial importante para a economia. Tanto que ajudou no avanço dos pagamentos via Pix, que se expandiram fortemente ao longo de 2021, na opinião do especialista em pagamentos eletrônicos e CEO da consultoria GMattos, Gastão Mattos. “A ausência de taxas gera um real benefício para o vendedor, especialmente o informal. Por isso, o Pix está ocupando o espaço até do cartão de débito e pode representar a pá de cal nesse processo de decadência do cheque”.

Mesmo assim deve levar um tempo, porque nem os bancos nem as processadoras de transações se mostram propensas a baratear suas tarifas. E o cheque ainda deve ser aceito por muitos anos nos balcões Brasil afora.


Matéria de Isto É Dinheiro

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