Emissão de cheques cai, mas ainda sustenta parte da economia brasileira
Marcelo Negreiros
Anúncios
Apesar do avanço dos pagamentos eletrônicos, os velhos talões ainda resistem, especialmente para parcelamento de compras de maior valor e longe dos grandes centros
Num universo em que as fintechs dominam o noticiário e dados mostram a elevada adesão dos brasileiros a soluções digitais como o Pix, falar em cheque pode parecer um tema ancestral. Mas a velha folhinha numerada e assinada resiste na economia brasileira. O comerciante Paulo da Silva é um dos que não pode abrir mão do velho modelo de pagamentos. Em sua loja de material de construção, localizada em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, é possível comprar cimento, areia e revestimentos usando o bom e velho cheque. Silva não é avesso à tecnologia. Apenas quer atender bem a freguesia. “O cliente consegue pré-datar e não compromete o limite do cartão de crédito com uma conta alta”, afirmou. Cauteloso, ele só recebe as folhinhas de pessoas conhecidas, para evitar calotes. Há uma segunda situação em que o uso de cheques é comum: quando o perfil etário do cliente é elevado. Caso da fisioterapeuta Cleci Rojanski. A maioria de seus clientes de pilates paga usando Pix. “Só recebo cheques de duas clientes idosas”, disse ela.
Publicidade
A pandemia e a introdução do Pix aprofundaram uma queda que vem ocorrendo desde a estabilização da economia. A iniciativa do Banco Central (BC) de democratizar os meios de pagamento e reduzir os custos bancários rendeu frutos. A solução, lançada em novembro de 2020, já se firmou. Foram 7 bilhões de transações no primeiro ano, movimentando R$ 4 trilhões. Desde sua implantação, a aprovação do Pix subiu de 76% para 85%, e ele tem a adesão de 71% dos brasileiros, segundo a edição mais recente do boletim Radar Febraban.
“A cultura brasileira de usar o cheque como um microfinanciamento começou nos tempos da hiperinflação e ainda continua” Mellissa Penteado CEO do bureau de crédito proScore (Crédito:Divulgação)
Mesmo assim, o cheque, instrumento nascido em 1845 com o nome de cautela e regulamentado por lei só em 1893 resiste bravamente às novas tecnologias. Sua importância, é fato, vem caindo. Em 1995, primeiro ano após a estabilização da economia com o Plano Real, foram compensados 3,3 bilhões de cheques. Em 2021 esse número havia recuado para 218,9 milhões, baixa de 23,7% em relação a 2020, segundo o Serviço de Compensação de Cheques (Compe), prestadora desses serviços operada pelo Banco do Brasil.
DIVERSIDADE Há vários motivos que explicam a resistência do cheque. Um deles é a extensão territorial e a diversidade brasileira. Os pagamentos digitais predominam nos grandes centros. Nas regiões menos urbanizadas, as deficiências da tecnologia e a falta de cultura retardam o avanço tecnológico. “Quando surge uma nova tecnologia, ela não apaga as demais. Modalidades diferentes de pagamentos tendem a coexistir. Se não fosse assim, o fiado e o crediário não existiriam mais”, disse a CEO do bureau de crédito proScore, Mellissa Penteado.
Para ela, o Pix é uma revolução tecnológica importante, mas isso não garante sua aceitação automática. Outras variáveis precisam ser consideradas. “Há gerações que não acompanham essa evolução, bem como regiões do País onde a infraestrutura é deficiente”, afirmou. Nem mesmo o Pix parcelado, que promete substituir o tradicional pré-datado, deve substituir o talão. A clientela mais tradicional não está confiante devido aos golpes e às fraudes. “Nenhuma forma de pagamento é totalmente segura, porque a tecnologia avança tanto nos benefícios quanto na criatividade de quem está mal-intencionado.”
Há outras características do cheque, que o microempresário Silva, e muitos como ele, conhecem bem. Se o emissor for de confiança, a folhinha é dinheiro líquido e certo. Capital que pode ser usado para financiar as próprias compras com os fornecedores. Outra vantagem é evitar taxas. “Cheque é bom porque estou livre das taxas das maquininhas de cartão”, disse Silva. Ao usar o recurso tradicional, os comerciantes estão livres das tarifas e do desconto cobrado na antecipação dos recebíveis de crédito e débito.
Essa gratuidade é um diferencial importante para a economia. Tanto que ajudou no avanço dos pagamentos via Pix, que se expandiram fortemente ao longo de 2021, na opinião do especialista em pagamentos eletrônicos e CEO da consultoria GMattos, Gastão Mattos. “A ausência de taxas gera um real benefício para o vendedor, especialmente o informal. Por isso, o Pix está ocupando o espaço até do cartão de débito e pode representar a pá de cal nesse processo de decadência do cheque”.
Mesmo assim deve levar um tempo, porque nem os bancos nem as processadoras de transações se mostram propensas a baratear suas tarifas. E o cheque ainda deve ser aceito por muitos anos nos balcões Brasil afora.