Em 31 de outubro de 1517, o monge Martinho Lutero, de Wittenberg (na Alemanha), afixou 95 teses na catedral da cidade que abalariam a Igreja Católica Apostólica Romana e dividiriam o cristianismo. Essa era a gênese do protestantismo no mundo, que influenciaria a política mundial, em especial a do Ocidente.

Em linhas gerais, o contexto da reforma era uma crise na Europa — guerras entre os governos europeus geravam caos, morte e insegurança na sociedade. Naquele período, o principal embate ocorria entre a Igreja e o Estado Monárquico.

A população estava cansada dos abusos da igreja, como a venda de indulgências para pagar pecados e comprar um lugar no céu. Em muitos casos, os superiores da igreja eram sustentados pelos camponeses que, em sua maioria, eram pobres e analfabetos.

Martinho Lutero era bacharel em estudos bíblicos, doutor em Teologia e dedicou muitos anos de sua vida ao estudo da tese de “justificação pela fé” — somente a fé conseguiria justificar o pecador, e não a venda de indulgências.

Depois de propor as 95 teses, o nome do Lutero repercutiu pelos países europeus e em 1518, ele foi acusado de heresia e recusou a ordem papal, mantendo seus posicionamentos. O monge ainda foi o responsável pela tradução da Bíblia para o alemão.

A Reforma Protestante na educação

Nesse período de pré-reforma, a leitura era restrita às elites europeias, como advogados e embaixadores. “Mesmo os nobres eram analfabetos”, disse o pastor Franklin Ferreira, especialista em teologia e diretor-geral da faculdade teológica Seminário Martin Bucer. “Carlos Magnum, um dos patronos da educação, era analfabeto. No entanto, ele patrocinou a educação”, explica Ferreira.

Após a reforma, o cenário muda. Os luteranos e calvinistas (denominações que partiram do movimento) vão valorizar a educação gratuita patrocinada pelo Estado, ainda cristão. É o teólogo reformador Filipe Melanchthon, colaborador de Lutero, quem prepara as gramáticas alemãs, os dicionários de latim em alemão e diversas outras obras.

“Cerca de 200 ou 300 anos depois da reforma, essas obras educacionais e a visão educacional de Lutero permeavam pela Alemanha”, observou Ferreira. “Foi um Estado cristão que patrocinou uma educação ampla, cristã e de qualidade para todos os cidadãos.”

Ainda segundo o professor, no meio reformado criou-se o hábito de que ao lado de cada igreja também haveria uma escola cristã. A ideia é que todo o crente é sacerdote, e que todo sacerdote deve ser chamado a ler a Bíblia sozinho e também interpretá-la corretamente — livre exame das escrituras.

À medida em que a reforma avançava, a educação também crescia, segundo Ferreira. Conforme ele, nesse período, na Inglaterra, na Holanda e na Alemanha surgem várias escolas preparatórias e novas universidades.

“Se entre o século 12 e o 14 são fundadas 50 grandes universidades na Europa, entre elas Oxford, Cambridge e Coimbra, depois da reforma, surgem outras 50 instituições que estão entre as melhores do mundo”, afirmou.

A primeira coisa que o clérigo puritano John Harvard faz ao chegar nos EUA, no século 17, é fundar a Universidade de Harvard. Em seguida, por rivalidades internas no movimento puritano e por diferenças entre os métodos pedagógicos, a Universidade de Yale é inaugurada.

Em 1746, os presbiterianos vão fundar o Colégio de Nova Jersey que, mais tarde, se tornaria a Universidade de Princeton. “Três das maiores universidades do mundo foram fundadas, praticamente, com a chegada dos colonos da América do Norte”, declarou o professor. “Essa é uma grande ênfase do protestantismo: um clero esclarecido. Um clérigo não deveria, somente, entender de teologia, mas de filosofia, história, cultura geral, história militar, etc.”

A preocupação principal dos protestantes, ao incentivar os estudos, é compreender que o fim do homem é glorificar a Deus. “Se esse é o nosso objetivo de vida, então devemos ser o melhor para aquilo que Deus nos chamou”, afirmou. “O protestante tem um senso de vocação. Ele vai lutar para ser o melhor porque quanto melhor ele for, mais Deus recebe glória. Assim, ele busca sempre se aperfeiçoar, mas sempre subordinado às escrituras.”

Laicidade do Estado

O Estado laico é uma das bases do Ocidente e também é influenciado pela Reforma Protestante. Antes do movimento, já existia uma distinção entre os poderes no Estado, mas ainda havia necessidade de o Estado não interferir na Igreja. Aqui surge a ideia de separação rígida.

“Não foi necessariamente Martinho Lutero quem teorizou isso”, explica Thiago Rafael Vieira, especialista em Estado constitucional e liberdade religiosa. “Durante a Reforma Protestante, quem vai falar dessa separação, na forma como pensamos hoje, são os anabatistas, e de certa forma, João Calvino, em 1536.”

O especialista destaca que, somente no século 17, essa ideia separatista que conhecemos, vai acontecer com o cristão Thomas Helwys, autor do primeiro livro sobre liberdade religiosa. Em seguida, surge o filósofo John Locke com seus livros e tratados.

Os EUA foram formados, na maioria, pelos puritanos — cristãos protestantes ingleses — que fugiam da perseguição religiosa na Inglaterra, explica Vieira. E que, chegando aos EUA, justamente por fugir dessa perseguição, decidiram que o Estado não poderia interferir na igreja e vice-versa.

A laicidade é uma maneira de o Estado e a igreja se relacionarem. Cada nação recebe pressupostos históricos e teóricos, e a partir disso se relaciona com a religião. “Em 1640, o pastor Roger Williams (pastor batista) se muda para o Estado de Rhode Island, nos EUA, e cria uma Constituição para o local”, declarou Vieira. “Essa é a primeira Constituição do mundo com um Estado laico tal qual conhecemos hoje.”

A própria ideia de um Estado laico surge para que o Estado não interfira na Igreja, e não ao contrário, segundo Vieira. “O Estado laico dos EUA só acontece por conta dos puritanos. Teve influência cristã, mas sem interferência”, disse o advogado.

De acordo com Vieira, a laicidade dos EUA é bem diferente da brasileira. “É um país formado por agregação, cada Estado tem autonomia e soberania”, observou. “Não é um estado laico colaborativo como o nosso, é mais rígido”. A laicidade no Brasil permite que a religião trabalhe em conjunto com o Estado em busca de um bem comum. “A religião tem um papel forte na opinião pública”, explicou.

A reforma na cultura

Os aspectos culturais da reforma também devem ser ressaltados. O pastor Luiz Sayao, teólogo, mestre em hebraico e diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, acredita que o advento da reforma abre espaço para o intérprete/leitor interpelar, podendo pensar de uma forma mais ampla.

Depois, a modernidade europeia buscou uma filosofia que rompe com o sagrado, segundo Sayao. Desse modo, a autonomia da razão é cultuada, dando origem ao racionalismo e o iluminismo. dos pelas escrituras sagradas. “O existencialismo, por exemplo, começa com o filósofo Kierkegaard, que não sabia se era mais teólogo ou mais filósofo”, defendeu o hebraísta. “Ele vai dizer que o ponto central do indivíduo é a fé, e que o ponto superior manifesto no ser humano é o homem religioso.”

O teólogo reconhece, contudo, que o movimento da reforma teve falhas, mas mudou a visão do homem comum para uma visão integrada da eternidade e beneficiou a população carente. “Não dá para beneficiar os mais pobres, simplesmente por meio de doações e paternalismo”, disse Sayao. “Isso significa que o maior problema da vida de uma pessoa está dentro dela. Quando esse indivíduo descobre que tem capacidade, se liberta de um fatalismo psicológico e torna-se mais produtivo.”

 





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